Farmácia da Santa Casa da Misericórdia da Maia (São Miguel, Açores)
Fabrício Benevides mora em São Miguel, nos Açores, e a cada três meses tem de deslocar-se ao Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa. O jovem de 20 anos sofre de neurofibromatose de tipo 1, uma doença genética rara que origina tumores a nível cutâneo. Não há tratamento específico, com excepção da remoção cirúrgica dos tumores, quando são benignos, caso dos de Fabrício. Desde os quatro anos, quando a doença foi diagnosticada, foi operado seis vezes. A medicação que toma de manhã e à noite, ajuda a prevenir o crescimento e a degeneração dos tumores, garantindo «maior qualidade de vida», explica a mãe, Zélia Benevides.
A consulta no IPO agendada para meados de Abril foi desmarcada devido à pandemia de COVID-19. O médico sugeriu à família enviar a medicação para uma farmácia à escolha, o que passou a ser legalmente possível desde 19 de Março, data da publicação da norma conjunta da Direcção-Geral da Saúde e do Infarmed n.º3/2020. A medida tem como objectivo «agilizar a dispensa de medicamentos hospitalares através da farmácia comunitária», de forma a evitar deslocações desnecessárias aos serviços de saúde e diminuir o risco de infecção dos doentes mais frágeis.
Zélia Benevides concordou de imediato. «Não queremos arriscar-nos», afirma. Sabe que o filho tem baixa imunidade e ela e o marido são doentes crónicos, sofrem de diabetes. Além disso, está a recuperar de uma operação à vesícula e a uma hérnia, e o marido, mestre de obras, está a trabalhar na ilha de São Jorge. Ir a Lisboa buscar a medicação seria um transtorno e obrigaria a respeitar os períodos de quarentena, na chegada ao continente e no regresso à ilha. Zélia podia ter escolhido levantar os medicamentos no hospital de Ponta Delgada, mas achou mais seguro evitar a deslocação e recebê-los na Farmácia da Santa Casa da Misericórdia da Maia, a quatro quilómetros de casa, na Lomba da Maia, no norte da ilha. «Correu tudo bem, foram impecáveis», diz satisfeita.
Quando Zélia Benevides contactou a farmácia perguntando se podia receber ali a medicação oriunda do IPO de Lisboa, a farmacêutica Teresa Silva mostrou-se «completamente disponível», mesmo sabendo que o serviço seria prestado de forma totalmente gratuita. «A nossa missão, enquanto farmacêuticos comunitários, é prestar um serviço cuidadoso e eficiente à comunidade». Explica que a farmácia fica satisfeita em contribuir para que a medicação seja recebida «através de um canal com profissionais de saúde habilitados». A farmacêutica ficou bem impressionada com a forma como correu o processo. Sentiu que as várias entidades envolvidas estavam «bem interligadas» e trabalharam de forma «bastante eficiente». «No início pareceu-nos um bocadinho complicado, mas com um pouco de calma, tempo e boa vontade tudo se faz. Foi com muita vontade que prestámos um serviço importante e a nossa utente ficou reconhecida», confirma, com orgulho.
Teresa Silva é sensível às dificuldades com que os ilhéus são confrontados para resolverem alguns problemas de saúde. As deslocações aéreas, a necessidade de pernoitar nas pensões designadas pelo Serviço Regional de Saúde (SRS), as alterações a nível da alimentação e hábitos, o apoio monetário que «não chega para cobrir as despesas diárias». Por tudo isto, defende que quando não há necessidade de o utente se deslocar ao serviço central, fora da ilha, para realizar consultas ou exames, as vantagens de receber a medicação hospitalar nas farmácias comunitárias são «enormes». «Não só pela simplificação e conforto da vida do utente, como pela poupança económica para o SRS».
Zélia Benevides deixa bem claro que não vão a Lisboa porque querem ou gostam, mas por motivo de doença. «Tomara eu que a gente não tivesse de ir». Gostava de poder continuar a levantar os medicamentos do Fabrício na farmácia, mesmo quando os constrangimentos da pandemia forem ultrapassados. «Quando for necessário irmos a Lisboa para exames ou consultas, teremos de ir. Mas se puderem enviar os medicamentos para cá eu agradeço. É uma mais-valia levantar na farmácia». Zélia e Fabrício nunca tiveram de ir a Lisboa de propósito para levantar a medicação, mas nem sempre conseguem trazer a quantidade necessária até à próxima consulta, por dificuldades de stock da farmácia hospitalar. O médico chegou a sugerir que pedissem o favor a outros pacientes, seus conterrâneos, de lhes levantarem a medicação nas suas deslocações ao IPO.
Fabrício Benevides luta há 16 anos com uma doença que além de limitar as suas capacidades, deixa sequelas físicas. Concilia a doença com as exigências dos estudos, não abdica dos projectos de vida. Frequenta o segundo ano da licenciatura em História, na Universidade de Ponta Delgada e gostava de fazer o mestrado em História Militar e trabalhar na área, em museus, «pelo fascínio cultural». Também ele diz ser «mais prático poder levantar a medicação mais perto» depois de passada a fase da pandemia. Seria um pequeno passo para facilitar a vida de quem já tem muito para enfrentar.