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21 abril 2020
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins

Seis mil passos por dia

​​​​​​​Estar instalada num centro comercial converteu-se num obstáculo ao negócio.

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​«A quebra de facturação foi substancial. Só vendemos medicamentos. Produtos como creme hidratante não saem». No meio do combate à epidemia que nos apanhou a todos em contrapé, o lamento de Teresa Guapo bem poderia ser partilhado pelos donos de muitas outras farmácias. É certo que na Albergariense, fundada em 1937 em Albergaria dos Doze, no concelho de Pombal, a venda de fármacos aumentou. Porém, não compensa, de todo, a diminuição registada em produtos de saúde e beleza ou de para-farmácia, uma aposta que vinha a consolidar-se nos últimos anos. «Não há comparação», assegura a proprietária e diretora-técnica. «É só aviar a receita e mais nada».

O facto de estar instalada num centro comercial, que representava uma mais-valia, converteu-se no actual contexto em obstáculo ao negócio. Pode parecer estranho, mas até o encerramento do espaço da cabeleireira se reflectiu negativamente na afluência à farmácia, forçada a deixar de prestar alguns serviços: não dá injecções, nem mede a pressão arterial; suspendeu as consultas de nutrição. Pelo andar da carruagem, os tempos que se avizinham obrigarão a apertar o cinto. Teresa Guapo não esconde que «vai ser difícil». Tira pela aldeia onde mora a pinta aos horizontes negros: «As pessoas ainda se mantêm em casa e todo o comércio está fechado». Ainda assim, não lhe passa pela cabeça optar por despedimentos para aguentar o barco.



O quadro de pessoal da Albergariense é inteiramente feminino. Nenhuma das duas farmacêuticas e três técnicas virou as costas às mudanças reclamadas por este período sem precedentes. «Sentimo-nos umas atletas», ironiza Teresa Guapo. De competição, dir-se-ia, a avaliar pelas contas que uma das funcionárias fez: dão, em média, seis mil passos por dia – a matemática bate sempre certo – porque o espaço de farmácia teve de ser isolado, deixando duas aberturas para o atendimento. 

Esta constituiu uma das várias remodelações levadas a cabo. Só em material de protecção, o investimento foi de vulto. Na primeira semana de disseminação da pandemia, ainda em Fevereiro, a farmácia adquiriu acrílico para revestir os três balcões, além de máscaras e luvas para a equipa. Quando as funcionárias começaram a «sentir-se um pouco inseguras», Teresa Guapo tomou mais medidas, como a aquisição de viseiras. Longe da área de atendimento, os contentores de medicamentos são submetidos a uma solução de limpeza. E antes de acederem à zona reservada, agora mais distante, as funcionárias lavam os sapatos​ em água e lixívia.

Tantas alterações – até no horário, mais reduzido, uma vez que passou a abrir às 15 horas – não abalaram a relação com os utentes da farmácia. «Compreendem a nossa situação. Até se sentem gratos com os cuidados que temos. Dizem: “Protejam-se’!”», conta a proprietária. Apanhada no m​eio da «reportagem telefónica», Maria Manuela Ferreira confirma. «O atendimento foi excelente, tendo em conta as circunstâncias em que estamos». Maria Manuela Ferreira não é uma cliente habitual. Deslocou-se a Albergaria dos Doze com o objectivo de adquirir um medicamento para a diabetes, destinado a um familiar.​ Valeu a pena a deslocação, porque foi bem servida. «Esperava ter de esperar mais tempo, mas não».



Claro que, num caso ou noutro, os clientes manifestam algum receio. É quando são invadidos pela «ânsia de comprar máscaras». Confrontada com encomendas que representam o dobro das máscaras disponíveis, a farmácia das atletas vê-se na contingência de fazer um esforço suplementar. Se tem conseguido manter stocks de álcool e gel, é mais difícil comprar embalagens de plástico, de que vários fornecedores já não dispõem. Por isso foi, mais do que uma vez, à Marinha Grande. Recentemente, o filho de Teresa Guapo, que dá uma ajuda neste campo, teve de viajar até Anadia para se abastecer de máscaras. Tão longe que o lucro «quase não dá para a viagem». Mas os utentes não podem ficar descalços. Ou, no caso, de cara desprotegida.
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