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7 dezembro 2020
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Eduardo Costa Fotografia de Eduardo Costa

Pintada de azul e verde

​​​​​​​​​​​Em São Miguel, quando o olhar baixa do azul do horizonte, a ilha pinta-se de verde.
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O fim do dia corre sereno junto à marina de Ponta Delgada. Pessoas relaxam nas esplanadas, fazem jogging ou cycling no paredão, cagarros grasnam sobre a baía. Iates ondulam nas águas, velas hasteadas e bandeirinhas ao vento. O ferry “Moby Dick Tours” anuncia fantásticas experiências: “Whale and Dolphin Watching”, “Sport Fishing”. Ao fundo, o casario branco debruado a basalto comprova que esta não é uma marina qualquer. Estamos na ilha de São Miguel, capital dos Açores e casa de belezas naturais de tirar o fôlego. 


A marina de Ponta Delgada convida às actividades náuticas e de lazer

O dia está ameno, a temperatura ronda os 20 ºC seja Verão ou Inverno. A humidade sente-se e cheira-se, cola-se ao corpo e torna impossível qualquer penteado. É escusado procurar previsões meteorológicas: pode chover de manhã e estar uma tarde radiosa de sol, pode estar encoberto no centro da ilha e um belo dia de praia. Qualquer açoriano sabe que no carro deve trazer fato-de-banho, toalha e gabardina. 


Para chegar à Lagoa do Fogo é preciso fazer uma caminhada por um carreiro íngreme. Vale bem a pena 

Os 63 por 15 quilómetros da ilha concentram o melhor que a montanha e o mar têm para oferecer. No mesmo dia é possível descer à cratera da Lagoa do Fogo e refrescar-se no mar. «Temos tudo e tudo está próximo. É uma vida fabulosa, adoro viver cá», diz com franca sinceridade Teresa Almeida Lima. A proprietária da Farmácia Central, na Ribeira Grande, só deixou a ilha para estudar no Porto. Prometeu ao avô, farmacêutico, que regressava, e cumpriu. Nunca se arrependeu. «Estar rodeada de mar traz-me uma sensação de liberdade». 


Cidade da Ribeira Grande, com as praias do Monte Verde e de Santa Bárbara ao fundo. Esta última acolhe uma das provas do circuito mundial de surf

A praia de Santa Bárbara, no concelho da Ribeira Grande, acolhe uma das provas do circuito mundial de surf. O azul intenso da água contrasta com o negro da rocha basáltica. O surf, o windsurf, os passeios de barco ou de mota de água são algumas das ocupações preferidas dos micaelenses. Do mar vem também o peixe fresquíssimo e as famosas cracas, o marisco de sabor a mar, embrulhado no que parecem ser pedaços de rocha. 

A floresta de criptomérias alterna com pastos ladeados de hortênsias. Aqui os muros fazem-se de flores. Existe quase uma vaca por cada um dos 150 mil micaelenses. No caminho para a Lagoa das Sete Cidades, os arbustos de hortênsias rosa e lilás surgem, primeiro tímidos, depois exuberantes, até formarem filas densas de cada lado da estrada. Lá em baixo a ponte separa as lagoas, uma verde, outra azul. A alteração de cor deve-se ao reflexo da vegetação na água. Ou talvez sejam as lágrimas da princesa, de um lado, e do pastor, do outro, largadas pelo amor interrompido, como conta a lenda. 


A farmacêutica Teresa Almeida Lima só deixou a ilha durante o percurso universitário

Mais selvagem é a Lagoa do Fogo, lá muito ao fundo na cratera do vulcão ainda activo, rodeada pela montanha verde altíssima. O grasnar das gaivotas, que escolheram aquele paraíso para nidificar, chega cá acima. «Isto é tão bonito, uma pessoa não esquece», emociona-se a jovem da Maia que regressou ao fim de cinco anos. As duas lagoas são destinos incontornáveis para quem visita São Miguel. «Em ambas há muito para descobrir, trilhos lindíssimos», lembra Teresa Almeida Lima, que defende que os Açores devem fazer tudo por tudo para se impor no turismo de natureza. 

Descer à Lagoa do Fogo é uma experiência única. O vigilante de natureza que, de binóculos em punho, vigia eventuais infracções, conta que já desceu em sete minutos e subiu em nove, a correr. O comum dos mortais pode contar com o triplo. É possível que chegue com as pernas bambas, após a descida dificultada pelos degraus, às vezes com meio metro, assentes em estacas na terra. Ainda assim, há aventureiros dos cinco aos 70 anos. Lá em baixo, sem rede telefónica nem Internet, sente-se o incrível poder da natureza. 

O vulcanismo marca a identidade da ilha. Está presente na geografia montanhosa, feita de crateras de vulcões e fissuras por onde emergem águas quentes. Determina a arquitectura, baseada no basalto, ignimbrito e traquito, a fertilidade dos solos, o interesse turístico e até a culinária. As duas centrais geotérmicas produzem 44 por cento da energia consumida na ilha e até a devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres nasceu do susto dos homens face aos sismos. Este ano interrompidas pela primeira vez desde há 320 anos, as festas trazem a São Miguel milhares de pessoas de todo o mundo.  


Com 12,5 hectares de árvores centenárias, o Parque Terra Nostra foi considerado um dos mais belos jardins do mundo

Na Caldeira Velha, famosa pela magnífica cascata, ou no Parque Terra Nostra, é imprescindível vestir o fato-de-banho e experimentar um banho termal. «Desfrutar de um relaxante banho nesta natureza incrível é uma experiência diferente», garante o biólogo Tiago Meneses. Na Caldeira Velha, o odor a enxofre sobressai nas águas entre 33 e 39 ºC, na piscina do Parque Terra Nostra, rodeada de araucárias centenárias, predomina o cheiro a ferro. «Numa encontramos a natureza pura, o outro foi moldado pela mão do homem. Ambos são lindos», resume a farmacêutica. 


Piscina termal do Parque Terra Nostra, rodeada de araucárias centenárias

Com 12,5 hectares de árvores dos quatro cantos do globo, o Parque Terra Nostra foi considerado um dos mais belos jardins do mundo, também graças às colecções botânicas de cicadales, fetos e camélias. No final do dia, vale a pena passar pelas caldeiras das Furnas para comer uma maçaroca de milho cozido nas covas e bebericar na nascente Água Azeda. Aqui também se compra os melhores bolos lêvedos da ilha, diz quem sabe. 


As covas das caldeiras da Lagoa das Furnas são muito procuradas para a culinária geotermal 

As covas das caldeiras da Lagoa das Furnas e das caldeiras da Ribeira Grande são local de romaria «quando apetece fazer comida saborosa sem ter trabalho». José Carlos Silva, morador na Ribeira Grande, veio cozinhar caldeirada de bacalhau para 18 pessoas. Em casa montou no tacho os ingredientes pela ordem certa, agora é contar quatro horas de cozedura a temperaturas de 100 ​ºC. Ao lado, o restaurante Caldeiras serve comida geotérmica, desde o cozido à portuguesa à alcatra, feijoada ou caldeirada de bacalhau. 


Ficam nos Açores as únicas plantações de chá da Europa. A fábrica de chá Gorreana, criada em 1883, tem uma delas

Antes de partir, passe por O Rei dos Queijos, em Ponta Delgada, e abasteça-se de pimenta da terra e queijos das várias ilhas. Na mala é preciso trazer também chá preto e verde da Gorreana. A fábrica de 1883 é um museu vivo, com os campos de chá com vista para o mar, únicos na Europa, o cheiro intenso das plantas a secar, o ruído das máquinas Marshall de 1840 a laborar e, sobretudo, a história de um negócio familiar com seis gerações, onde as mulheres têm um papel predominante. Já no ar, olhando o recorte verde da ilha sobre o azul do mar, fica a certeza: é para regressar a São Miguel.


 



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