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6 junho 2019
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa

Câmaras da resistência

​​​​​​​​​​Autarcas lutam contra o encerramento da última rede de serviços.

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Em Mesão Frio, distrito de Vila Real, o hospital encerrou no início dos anos 90. Uma década depois, fechou o hospital de Peso da Régua, que ficava a 14 km. Hoje, o hospital mais próximo está a 40 km, em Vila Real. Entre as 20 horas e as 9 horas da manhã, com o centro de saúde encerrado, a população está por sua conta. Quem ficar doente tem de usar um táxi ou uma ambulância, 40 km para cada lado. «Muitos tentam aguentar até ao dia seguinte porque não têm condições financeiras», indigna-se o presidente do município.

Naquela vila transmontana, mantêm-se as mesmas três farmácias desde o princípio do século. A diferença é que hoje servem quatro mil pessoas, antes eram sete mil. Nos últimos 20 anos, Mesão Frio perdeu quase metade dos habitantes. Quando o actual presidente da câmara municipal veio morar para Mesão Frio, há três décadas, era professor. Na escola secundária havia 980 alunos, hoje não chegam a 500. Alberto Monteiro Pereira revolta-se ao enumerar os muitos serviços públicos encerrados nos últimos anos. Na Educação, na Saúde, nas forças de segurança, nos transportes. Recentemente Mesão Frio recuperou o tribunal, fechado por dois anos. O posto dos CTT está em risco. «Os nossos governantes mataram o nosso Interior há 20, 30 anos quando começaram a fechar serviços públicos essenciais. Os resultados estão à vista. Quem vai ficar em Mesão Frio quando, para tratar de qualquer assunto, tem de deslocar-se aos concelhos vizinhos?».



As farmácias são, para os autarcas, uma prova de resistência. Permanecem, mesmo vendendo menos e com menores margens de comercialização, na sequência das medidas governamentais. Alberto Monteiro Pereira considera a situação «insustentável», mas recusa que a solução seja encerrar as farmácias. «Os governos têm de perceber que as farmácias são fundamentais para a Saúde nos concelhos do Interior».

No século XXI, fecharam dois terços das escolas do primeiro ciclo e das extensões dos correios. Até 2011, encerraram 757 extensões dos centros de saúde, daí para cá os números deixaram de ser publicados. A vila de Góis, a 45 km de Coimbra, perdeu o hospital, o Serviço de Atendimento Permanente, que funcionava 24 horas/dia, e cinco extensões de saúde. Hoje, além do centro de saúde, conta apenas com uma extensão, que chega a estar encerrada o Verão todo, por falta de recursos humanos. Nenhuma farmácia fechou, mas enfrentam problemas financeiros. Uma não suportou as dificuldades e em 2018 pediu a deslocalização para o centro da vila. A freguesia de Alvares, onde estava instalada, a 30 km de Góis, «ficou muito mais pobre», admite a presidente do município. Maria de Lurdes Castanheira defende que o papel social das farmácias é «superior» no Interior do país. «Aqui, a farmácia não é só um serviço de saúde indispensável, como também um ombro amigo, que tem sempre um conselho para dispensar».
 
Em Vouzela, a 30 km de Viseu, a equipa camarária batalha todos os dias para garantir o acesso da população à saúde. O município tem um centro de saúde e quatro extensões de saúde. Ainda não fechou nenhuma, mas são cada vez menos os dias em que os médicos ali prestam consultas. O presidente do município, Rui Ladeira, avisa que «salvar as farmácias é salvar a população do Interior do país.» Também aqui as farmácias lutam pela sobrevivência. Uma das quatro farmácias já pediu deslocalização para o centro da vila.

A vereadora responsável pela Saúde em Vouzela preocupa-se agora com a farmácia situada em Alcofra. Sabe que, caso encerre a extensão de saúde daquela freguesia, a farmácia vai provavelmente pelo mesmo caminho. É toda a dinâmica das aldeias que fica comprometida. «Fechar farmácias no Interior do país é grave, porque as farmácias prestam um serviço público. É desrespeitar as populações mais isoladas e envelhecidas», adverte Carla Maia. A autarca conhece de perto a realidade do território. Sabe como, nas aldeias, as farmácias têm «um papel fundamental». Como os farmacêuticos são quase sempre as primeiras pessoas a quem os doentes recorrem e os primeiros a acudi-las em momentos de aflição. «Os nossos farmacêuticos estão sempre dispostos a ajudar. Há um enorme elo de ligação entre o farmacêutico e as pessoas das aldeias».



É cada vez mais difícil fixar médicos nas regiões despovoadas do Interior. A falta de acesso à saúde é «grave», alerta Alcina Cerdeira, responsável pelo pelouro da Saúde do município do Fundão. A situação piora nas aldeias das freguesias limítrofes, cada vez mais despovoadas, onde restam sobretudo idosos de parcos recursos. Aqui, onde a saúde faz mais falta, é onde as portas se fecham. A vereadora elogia o «serviço extraordinário» prestado pelas farmácias nesses territórios. «Um trabalho de proximidade assim não existe em mais lado nenhum». Nalgumas freguesias, os médicos vão às extensões de saúde uma vez por mês, ou menos. A autarquia disponibiliza uma unidade móvel de saúde, que não pode estar em todo o lado ao mesmo tempo. A vida dos idosos seria mais difícil sem as visitas dos farmacêuticos aos domicílios, os cuidados e conselhos que previnem muitos problemas. Sem as farmácias, muitos idosos teriam de percorrer mais de uma hora de viagem até à sede do concelho. Alcina Cerdeira conhece farmacêuticos que teimam em manter as portas abertas apesar de não terem qualquer lucro com o negócio. «Trabalham para resolver os problemas das pessoas», diz, comovida. «É quase um trabalho de voluntariado. Estas farmácias realizam um serviço público».

No Fundão, duas das sete farmácias do concelho correm risco de falência. De mês para mês dizem a Alcina Cerdeira que a situação está a piorar e «não conseguem aguentar». Pedem ajuda. Uma delas é parte integrante de uma aldeia. A vereadora assinou a petição "Salvar as Farmácias, Cumprir o SNS" . Defende que o Estado deve criar incentivos fiscais para apoiar a permanência dos serviços de saúde, incluindo as farmácias. «Alguém tem de olhar para isto», avisa. «Se não salvarmos as farmácias, corremos o risco de agudizar ainda mais os problemas de saúde destes territórios».






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