Não se deixe o transeunte – e, já agora, o leitor – iludir pelas aparências: sob o toldo instalado no passeio frente ao n.º 22-A do Largo da Devesa, em Pedrógão Grande, não se servem cafés. Por uma razão simples: parecendo uma esplanada, o espaço é, na realidade, a “sala de espera” da Farmácia Baeta Rebelo. As filas à porta, características da fase inicial da pandemia do COVID-19 não passam de uma má recordação, que o tempo há-de desvanecer. «Eram horas e horas de espera, porque as pessoas queriam comprar tudo de uma vez, com medo que os medicamentos esgotassem», recorda Natércia Roldão, que agora aguarda, «se tanto, 15 minutos». E, faça sol ou faça chuva, completamente protegida.
O proprietário e director-técnico da Baeta Rebelo fala com orgulho da “esplanada” nascida de boas vontades – a Câmara Municipal colocou grades de segurança e cadeiras; um clube de BTT disponibilizou o toldo. Desde que respeitado o distanciamento, «até fomentamos mais o convívio do que noutras ocasiões», observa Carlos Pires, cuja farmácia, única no concelho, funciona das 9 às 20 horas, 365 dias por ano, e com contacto telefónico à vista, para atendimento fora desse horário. Os elementos da equipa – habitualmente seis, estando de momento um ausente – distribuem-se por turnos, como não podia deixar de ser. Ainda assim, «é duro» responder ao ritmo de trabalho. Sai do pêlo…
O concelho cujo nome fez manchetes e abriu telejornais, em 2017, como epicentro de um incêndio que levou dezenas de vidas, não tem sido muito fustigado pela pandemia – se fosse, ninguém sabe como poderia sobreviver a mais uma vaga de devastação. Cedo pôs, é verdade, trancas à porta. A começar pela farmácia: a marcações no chão, acrílico nos balcões, viseiras e acesso condicionado em função dos postos de atendimento disponíveis, juntou-se uma espécie de antecâmara, para deixar distância suficiente entre a entrada e os balcões.
Carlos Pires reconhece ter resistido um pouco à mudança. Não havia, contudo, volta a dar: se fechasse, o que seria dos seus utentes, incluindo os do lar da vila? Ultrapassada uma certa desconfiança inicial, encaixaram no novo sistema. Apesar de o atendimento ser mais demorado, por força das circunstâncias, afiança o responsável que se sentem «confortáveis e seguros». É o resultado de uma paciente acção pedagógica. «Sensibilizámos mais do que muitos cartazes. Valeu a pena o esforço», diz, contando que até de forasteiros tem ouvido elogios ao investimento realizado.
Cliente de longa data da Baeta Rebelo, Natércia Roldão confirma que «a adaptação foi muito difícil», mas não se cansa de enaltecer o desempenho dos farmacêuticos. «Estiveram bem organizados desde o primeiro minuto. Não consigo imaginar o esforço deles, sempre na linha da frente, com boa disposição e carinho a ajudar toda a gente».
Quando, em finais de Março, recebeu dos Hospitais da Universidade de Coimbra a informação de que poderia escolher uma farmácia para ter acesso aos medicamentos hospitalares de que dois irmãos necessitam, Natércia Roldão ficou «muito preocupada». Hoje, com uma ponta de emoção a entrecortar-lhe as frases, assegura que «a situação foi muito bem resolvida». Recebe a medicação a tempo e horas e não tem do que se queixar.
Carlos Pires receou – percebe-se que ainda receia – que a passagem de estado de emergência a situação de calamidade incentivasse condutas de maior relaxamento por parte dos cidadãos. Como não se sabe ao certo se já foi atingido o pico da epidemia, mas suspeita-se de que o risco de transmissão do COVID-19 continua elevado, faz a sua parte para monitorizar a evolução. «Vamos aguardar para ver de que forma as pessoas reagem e como evoluem os números». Se os ventos soprarem de feição, cessará por estes dias o seu próprio estado de emergência, retomando a possibilidade de acesso ao espaço da farmácia, embora de forma condicionada. Segue à letra, afinal, o que a Direcção-Geral da Saúde tem vindo a recomendar.