Ao primeiro desafio para contar a sua experiência, Cláudia Caroço respondeu… nim. Não que se furtasse a partilhá-la – simplesmente, não tinha tempo nem para dois dedos de conversa telefónica. Quando, finalmente, pôde dispensar uns minutos, ficou a perceber-se porquê. «Antigamente, ninguém se lembrava que existíamos. Agora, trabalhamos muito mais, mas a estrutura não está preparada», afirma a proprietária e directora-técnica da Farmácia Nova, de São Marcos da Serra. «Com o aumento da procura, estamos no limite da resistência para manter os padrões de atendimento».
Duas mulheres dão o corpo às balas, à sua dimensão, na trincheira farmacêutica que na aldeia combate o COVID-19. Devidamente “fardadas”, não vá o inimigo de rasto indetectável entrar sorrateiramente, respeitam rituais diários de higienização impostos pelo que agora se chama “novo normal”. Quando a pandemia invadiu o seu (o nosso…) quotidiano, ainda o mês de Março ia a meio, a farmácia não dispunha de desinfectantes, que só recebeu em Abril, e teve de reservar as poucas máscaras para uso de Cláudia Caroço e da sua colaboradora Sónia Silva.
Ao investimento em equipamento de protecção individual, «muito elevado para uma farmácia pequenina», juntaram-se os efeitos da especulação à solta, a aproveitar-se da desgraça. Por atingirem «preços impressionantes», alguns produtos tornaram-se quase inacessíveis. «A minha maior aventura foi comprar por 3 euros um frasco de álcool que antes custava 47 cêntimos», revela a farmacêutica.
Firme a enfrentar a intempérie, a Farmácia Nova teve de prescindir de consultas de Podologia e Nutrição e de serviços como medição da tensão arterial e de parâmetros bioquímicos. As prateleiras é que não se esvaziaram. Apesar das dificuldades de abastecimento, Cláudia Caroço assegura que nunca faltaram medicamentos. «Cumpri a minha função».
A procura, entretanto, disparou. Sem explicação cabal para tamanha afluência – as duas farmácias mais próximas, ambas a 17 quilómetros, não mudaram de localização – a proprietária cedo percebeu que teria de encontrar formas de lhe corresponder. Em certo sentido, partilha a gestão de stocks com os utentes, adoptando uma prática comum a diversas farmácias, neste momento. Quer seis caixas do medicamento? Vai ter de levar apenas duas, para os outros clientes não ficarem de mãos a abanar.
Ali, onde o Alentejo se converte em Algarve sem praias no horizonte, estrangeiros e portugueses detentores de segunda habitação na zona descobriram na farmácia um porto seguro. A 36 quilómetros de Silves, sede do concelho, a freguesia de São Marcos da Serra terá hoje pouco mais de mil habitantes – apuraram-se 1352 nos censos de 2011, mas de então para cá minguou de almas, como muitas outras. O incremento do contacto à distância tornou-se indispensável para Cláudia Caroço, tendo em conta a idade da maior parte da população. «Não há relutância das pessoas em virem cá. Os meus velhotes querem é andar na rua», afiança. «Foi um cuidado nosso passarmos a usar mais o contacto telefónico».
Por esta via, incentiva familiares de pacientes a substituírem-nos nas deslocações à farmácia, garantindo que ficam em casa, longe do risco. É o que regularmente faz Rosa Santos, assumida cuidadora dos pais, um com mais de 70 anos, o outro octogenário. Encomenda o receituário previamente, por email ou telefone – sobretudo quando se trata de fármacos menos comuns, que podem não estar imediatamente disponíveis – e ruma à farmácia, segura de que o aviamento da receita não vai roubar-lhe muito tempo.
Valha a verdade que nunca se sentiu incomodada por aguardar no exterior a entrega dos medicamentos, sistema cujas razões sanitárias compreende. Afinal, as duas farmacêuticas «têm de se resguardar e de resguardar os clientes», diz. «Elas são excecionais. Estão sempre disponíveis para dar esclarecimentos», atesta Rosa Santos.