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6 outubro 2022
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Alexandre Venâncio Vídeo de Alexandre Venâncio

Tesouros com milhões e dezenas de anos

​​​​​​​​​​Da cama eterna de dinossauros nasce o néctar invejado pelos deuses.​

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O amarelo e o cor de laranja das abóboras sarapintam as colinas verdes, encimadas por moinhos. Comparados com os modernos aerogeradores e as suas imponentes hélices esguias, parecem velhinhos atarracados. Boa parte, já careca de cúpula, aguarda idêntica defesa de dignidade à concedida aos restaurados para polos museológicos ou exploração turística. O plano de salvaguarda deste património do Oeste existe.​​

Enquanto espera intervenção, o edificado ressente-se da falta de moleiros. Mas na Lourinhã rural, concelho que se orgulha de ser a zona com maior presença de moinhos de vento na região, ainda se mói trigo e milho. Na freguesia de Moita dos Ferreiros, dos cinco moinhos da Pinhôa, três continuam operacionais, e convidam a uma visita, conforme sublinha Rui Perdigão, presidente da Junta.


O som emitido pelas vasilhas de barro, agarradas às varas do velame, indica ao moleiro a velocidade e mudança de direção do vento

Por lá se pode encontrar Vera Silva, «neta, bis neta e trineta de moleiros», herdeira do “Xico”, o centenário moinho da família, e guardiã das suas memórias. O ofício, que se diluiu no pai, corre-lhe forte no sangue. «Nos moinhos tudo tem um nome», e Vera conhece-os a todos. É dela o alerta para o sonido dos búzios. As pequenas vasilhas de barro, agarradas às varas do velame, “cantam” a passagem do vento. Expõem-lhe a velocidade e mudança de direção, apontada pelo galo (cata-vento), que indica ao moleiro a orientação exata em que deve rodar o capelo (telhado), para que as velas brancas capturem o vento. Dele provém a energia que, através de um mecanismo quase de relojoeiro, faz operar o moinho.


Alexandre Rovisco recomenda o Museu da Lourinhã como ponto de partida para uma visita ao concelho

No Museu da Lourinhã preservam-se e mostram-se algumas das peças destes engenhos, inseridas na rica coleção etnográfica. O espólio completa-se com mais duas grandes áreas, uma arqueológica e outra paleontológica, todas visitáveis. Tutelado pelo GEAL - Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã, o museu não é só um contador da vastíssima história da vila e do concelho: é parte da mesma. Quando nasceu, em 1984, foi por iniciativa de um grupo de amigos, liderados pelos já desaparecidos Horácio e Isabel Mateus no interesse pela defesa do património que eles próprios haviam descoberto ou recolhido, através de donativos das gentes da terra. «Este local é uma demonstração viva de que a sociedade civil, quando quer e se une, consegue criar e manter bons projetos», refere Vital Rosário, presidente da Direção.

Foi este forte espírito comunitário, tão patente na Lourinhã, que levou Alexandre Rovisco, médico dentista de Lisboa, a decidir, há 21 anos, fixar-se na vila. Próximo de Horácio Mateus, é testemunha das peripécias e dos esforços empreendidos no desenvolvimento do museu. Instalado no espaço do antigo tribunal, é subsidiado pela Câmara Municipal, juntamente com o Dino Parque, que exibe parte da coleção paleontológica, e a Universidade Nova de Lisboa, que ali tem a operar, no laboratório com o nome de Isabel, alguns dos seus investigadores.

O Laboratório Isabel Mateus, do Museu da Lourinhã, recebe fósseis não só de expedições locais, mas de todo o mundo, e é um dos mais importantes da Europa, explica o paleontólogo Otávio Mateus

Sim, estamos na capital dos dinossauros, salienta o médico, um epíteto com escala europeia e mesmo mundial.  «A Lourinhã é o epicentro do mundo jurássico», secunda Otávio Mateus, filho dos fundadores do museu, professor na NOVA School of Science and Technology e especialista em dinossauros. Esta é uma das regiões mais ricas do mundo ao nível de achados fósseis. À mãe se deve a descoberta do até hoje maior ninho com ovos de dinossauros e respetivos embriões, e são dele as descobertas de algumas espécies nunca antes descritas e que, por isso, foram batizadas com nomes da terra: Lourinhanosaurus antunesi, Dinheirosaurus lourinhanensis, Lusotitan atalaiensis, Miragaia longicollum

Certas espécies podem ser vistas no Dino Parque, em modelos que a ciência comprova ter sido a sua impressionante escala real. O recinto temático abriu portas em 2018 e oferece o que diz ser uma viagem no tempo. Após contacto, no edifício central, com a exposição museológica de fósseis verdadeiros - espólio da GEAL - e o Live Lab, onde, segundo Tiago Marques, é possível assistir «à ciência a acontecer, pelo trabalho dos nossos preparadores paleontólogos», o visitante é convidado a percorrer os cinco percursos exteriores. «Quatro são relativos a diferentes eras, e o quinto, o dos monstros marinhos, é transversal no tempo», explica o gestor de Marketing do espaço, que desafia todos os elementos das famílias, animais incluídos, a passar um dia no parque. No final, os mais pequenos são convidados a experimentarem ser paleontólogos e a escavar os seus próprios fósseis.


Os elementos da Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro têm uma relação estreita com o Centro de Interpretação. Aqui, Leonardo enverga a farda de um soldado português do Regimento 19

Mas nem só de fósseis é rica a terra da Lourinhã. Do seu chão brotam vinhas, cujas uvas começaram a ser destiladas pelos soldados franceses, tombados feridos, em 1808, na Batalha do Vimeiro.

Da história da contenda, que opôs os derrotados francófonos ao exército anglo-luso, e ditou o fim da primeira invasão do território nacional pelas tropas napoleónicas, reza o Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro.


Desde 1996 que toda a produção de uvas dos associados da Adega Cooperativa da Lourinhã é destinada, exclusivamente, à produção de vinho para aguardente

Mas para saber do néctar e de como a Lourinhã se veio a tornar, em 1992, Região Demarcada de Aguardente Vínica de Qualidade com Denominação de Origem Controlada, rivalizando com as únicas restantes na Europa, Cognac e Armagnac, nada como dar um salto até à adega cooperativa da vila, e beber as palavras da técnica e especialista Nádia Santos, servidas em balão.


Detalhe da plantação da NLS, uma das empresas produtoras de abóboras na Lourinhã, apontada como a capital deste fruto

Harmonize com uma areia branca, pastel de produção exclusiva da tradicional casa Belmar, de Flávio Carvalho, ou uma fatia da surpreendente tarte de pevides de abóbora, batizada de D. Isabel, uma criação da pasteleira Sílvia Batista. Recomendações de Alexandre Rovisco, que remetem para uma terra que também se assume como a capital da abóbora e defende a beleza das praias da sua costa.

 

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