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11 outubro 2022
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Um por todos, todos pela Lourinhã

​​​​​​​​​​No concelho, mais do que uma economia circular, prevalece uma entreajuda assente nas sinergias.​​
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A profissão foi o motivo pelo qual o lisboeta Alexandre Rovisco rumou à Lourinhã, há cerca de 20 anos. Mas o que o fixou foi algo que, sendo aparentemente intangível, é totalmente percetível na terra: o espírito comunitário. 


Ao visitante, à segunda interação que tenha com qualquer um dos locais que percorra, torna-se visível a forma como todas as valências e produtores da região vivem e promovem um movimento sinérgico entre si. «Notei isso muito rapidamente», testemunha o médico dentista, exemplificando com a agricultura, «onde os produtores se entreajudam. Ou no café Belmar – Casa das Areias Brancas, onde também são comercializados doces regionais de outros produtores… Ao contrário do que vemos noutras paragens, não há uma concorrência desenfreada», assegura. 

Também dignas de apontamento são as marcas dos produtos. Conforme explica, num largo número de casos, remetem para locais ou características do concelho. As Areias Brancas do Belmar, um bolo feito com açúcar, ovos e amêndoa, remetem para a praia com o mesmo nome. Flávio Carvalho, proprietário do histórico café e da patente do doce, conta que este começou a ser produzido nos anos 30 do século passado, por uma família de Lisboa que veraneava na praia e depois ali se estabeleceu. Quando o Belmar abriu na Lourinhã, em 1958, tornou-se o vendedor exclusivo. Hoje, produção e comercialização concentram-se no mesmo sítio, de onde também saem, sob o jugo de Flávio e para desespero das dietas, iguarias como os Paimogos, que receberam o nome do forte erigido, no séc. XVII, na costa da Lourinhã; as Ilhas; e uma grande variedade de outros doces. E ao balcão ainda é possível pedir uma fatia da surpreendente tarde de pevides de abóbora, produzida por outra confeiteira da Lourinhã, Silvia Batista, que intitulou a sua criação de tarte D. Isabel, em homenagem a Isabel Mateus, que descobriu o maior ninho de ovos de dinossauros encontrado até hoje, prestando um contributo inequívoco para fazer da região a capital europeia do Jurássico. 


Da cozinha de Flávio Carvalho, no café Belmar - Casa das Areias Brancas, saem várias iguarias ​com nomes alusivos à terra

À escala nacional, a Lourinhã também é sede de capital, mas das abóboras, bem conhecidas do produtor João Veloso, da NLS, Lda., igualmente apreciador da tarte de Silvia. «É uma sobremesa sobejamente conhecida, mas há inúmeras outras aplicações. Aliás, aqui até temos um festival da abóbora, em outubro», sublinha. 

O fruto da abobreira ganhou destaque na região quando, há perto de 50 anos, os produtores das variedades de vinha então existentes, de pouca graduação, começaram a levantar culturas e a substituí-las por pera rocha, abóboras e outras hortícolas. As sementes da espécie conhecida como bolina, trazidas da zona saloia pelo já desaparecido Nuno Leal e Silva, sogro de João, germinaram com fulgor, levando-o a partilhá-las e a entusiasmar outros pela produção. «Nós, na nossa propriedade, recoletamos todos os anos à volta de duas mil toneladas de abóbora, desta variedade e doutras. Mas a bolina é a mais antiga que produzimos, em colheita anual: desde que o clima o permita, plantamos em março e começamos a colher em setembro, outubro». Todos os anos facilmente se encontram exemplares de 30, 40, 50 quilos, porém, 2022 será exceção. «As culturas nesta zona sofreram por causa da seca e a temperatura excessivamente alta interferiu no ciclo normal de desenvolvimento das abóboras, pelo que não teremos a sorte de outros tempos».

A NLS emprega hoje 43 pessoas e os frutos do seu trabalho chegam não só às mesas dos portugueses, mas também de franceses, ingleses, italianos, espanhóis… «Posso dizer que o sítio mais longínquo a que a nossa abóbora chegou foi ao Dubai». 


O produtor João Veloso mostra a variedade de abóbora bolina, a mais antiga e característica da Lourinhã

Bem mais perto, na rua da Misericórdia, fica o restaurante Castelo, do chefe Miguel Pinto, e a abóbora é presença assídua na sua cozinha, de onde podemos assistir à saída de cremes e sopas com a dita. O desfile vai-se completando com criações como os lombinhos de Allosaurus, as telhas de polvo da costa em chamas, ou os lombinhos à Catela, confecionados com aguardente DOC Lourinhã, em homenagem ao grande impulsionador da Adega Cooperativa. Sobremesa? Porque não uma Ilha, das produzidas por Flávio Carvalho, no Belmar? Também aqui, no Castelo, a primazia é sempre dada aos produtos da terra. «Da terra e do nosso mar», precisa o chefe, que não tem dúvidas de que «temos de valorizar o que temos de melhor».

​«Temos de valorizar o que temos de melhor», defende o chefe Miguel Pinto



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