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27 junho 2022
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Torrinha Vídeo de André Torrinha

«Só pela paixão à música superei a timidez»

​Conheça Rita Redshoes, cantautora, instrumentista, psicóloga, escritora, mulher e mãe.

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A primeira vez que subiu a um palco tinha três anos. Era esta a vida com que sonhava ainda em criança? 

Não. Eu era a pessoa com a menor probabilidade de vir a fazer vida de palco: era extrema- mente tímida. Os meus pais dizem que era muito “afinadinha”, que gostava de cantar, mas fui sempre um “bicho do mato”.

Então, o que lhe aconteceu?
[Risos] Pois, é o que a minha família se continua a perguntar! No verão, os primos juntavam-se todos e a minha mãe costumava ensaiar peças de teatro connosco para apresentarmos aos vizinhos. Eu participava sempre, mas, invariavelmente, desaparecia no dia. Aos 11 anos, as minhas férias eram em casa, a escrever contos e poemas. Só ultrapassei a timidez pela força da paixão que tenho pela música.

Lembra-se dessa descoberta?
Terá sido por volta dos 14 anos. O meu irmão era baterista numa banda de garagem, eu assistia a todos os ensaios e gostava de tocar quando ele não estava a ocupar a bateria. 

 


Chegou a ser baterista, mas num grupo de teatro. 
Sim, na escola. Tínhamos um grupo amador, com professores e alunos, onde tudo era feito de forma muito séria: a cenografia, os figurinos, a formação de atores… A dada altura, quiseram que a música fosse tocada ao vivo, e eu e uns amigos lá fomos, apesar de tocarmos todos muito mal. Foi a primeira vez que subi a um palco como instrumentista e toda a experiência me marcou. Julgo que é daí que vem o meu gosto pelas bandas sonoras para cinema e teatro.

Como se dá a passagem para o microfone?
Em família, nos “Atomic Bees”, a banda do meu irmão. Como não era a única vocalista, senti-me confortável em fazê-lo. Mas era tão envergonhada que nos registos dos primeiros concertos estou a cantar de costas para o público. [Risos] Foi aí que percebi que gostava de cantar e, sobretudo, que conseguia criar melodias com a voz. Pensei: “Deixa-me explorar isto, ver o que acontece". Entretanto, comecei a escrever canções, e senti que precisava de ferramentas que me ajudassem a compor. Decidi ir para a Escola Profissional de Música. Tinha 16 anos. Passava horas a cantar, a estudar piano, a escrever as minhas letras. A dada altura, julguei que seria divertido, com sorte, fazer disso vida.


«Apaixonei-me pela psicoterapia. Acho fantástica a forma como, conversando, se ganha um autoconhecimento que nos permite fazer escolhas mais conscientes»

Contudo, mudou de rumo. O que se passou?
Fiz os três anos do curso, mais um a estudar piano e canto lírico para concorrer à Escola Superior de Música, mas, passados uns meses, desisti. Não me relacionei bem com o ensino clássico. Foi um choque grande. No entanto, acabou por ser um ano muito importante, muito produtivo. Nesse ano compus quase todas as músicas do meu primeiro disco a solo, que lancei em 2008.

Teve essa consciência no momento?
Confesso que não. Sentia-me bastante ansiosa e deprimida por, aos 20 anos, não estar a estudar. Os meus amigos estavam na faculdade e eu em casa, um pouco “abananada”. Percebi que estava a precisar de conversar, iniciei um processo de psicoterapia e apaixonei-me. Achei fantástica a forma como, conversando, se pode desenvolver um autoconhecimento que nos permite fazer escolhas mais conscientes. Foi tão interessante, que decidi estudar Psicologia enquanto continuava a fazer a minha música. Foi uma época bastante agitada, porque, pelo meio, o David Fonseca convidou-me para integrar a banda dele.


«Ter filhos é maravilhoso, mas temos de ser realistas: é um desafio enorme para a mulher»

Como surgiu esse convite?
Foi bastante inesperado. Ele foi assistir a um dos pequenos concertos que eu fazia sozinha na altura, em livrarias e cafés, onde cantava e tocava ao piano músicas minhas, e ligou-me. Explicou que se ia lançar a solo, queria formar uma banda, e tinha pensado em mim para pianista. Fiquei cheia de medo de aceitar o convite, mas disse que sim, depois de o meu irmão me ter pressionado bastante. Fiz o curso de Psicologia em regime pós-laboral, enquanto construía algo na música.

Quando é que resolveu assumir a carreira a solo? 
Não houve um momento específico. Fui percebendo que tinha alguma coisa a dizer, e gostaria de o dizer daquela maneira específica. Tinha muitas músicas em casa e, em 2007, resolvi que ia para a frente com a minha carreira.

Cinco discos depois, vários concertos e digressões por diferentes geografias, ainda fica nervosa antes dos espetáculos?
Fico sempre em modo ansioso. É bom sinal, significa que continuo a ter respeito pelo palco e pelas pessoas do público, e não quero falhar.



«Tenho um lado infantil muito latente, e que preservo», diz a cantautora, adepta confessa do mundo imaginário e não racional das crianças

Além da música, a Rita está ligada a outras áreas criativas. A escrita é uma delas. Publicou três livros, dois dirigidos ao público mais jovem. De onde vem esta apetência para comunicar com as crianças?
Tenho um lado infantil muito latente, e que preservo. Sempre me fascinou o mundo dos contos, do imaginário, do inusitado, do não racional. É uma fonte de inspiração incrível. É, aliás, de onde vem o nome Redshoes, dos sapatos vermelhos de Dorothy, de “O Feiticeiro de Oz”! Por isso, agarrei de imediato as oportunidades de trabalho para crianças, fosse a fazer bandas sonoras para peças de teatro ou na escrita de livros. Dá-me mesmo muito prazer.

No último livro para miúdos, “Rita e a aventura feliz”, a saúde emocional aparece em destaque. É coisa de psicóloga?
[Risos] É coisa de Rita! Iniciei o projeto pedagógico com a “Between” em 2017, com um livro sobre alimentação saudável. Este segundo volume complementa o anterior com duas áreas essenciais ao nosso equilíbrio: o exercício físico, para termos saúde muscular, e a saúde emocional. As crianças, por vezes, não conseguem identificar as emoções. Queremos que saibam que estar frustrado é natural, que todas as emoções são válidas e há que lidar com elas.

Este lado das emoções infantis é algo com que se relaciona de modo particular. Recentemente tornou público que percebeu, já adulta, ter sido uma criança, em muitos momentos, deprimida. 
Sim, provavelmente desde os nove, dez anos. Sabe? A depressão não se revela nas crianças do mesmo modo que nos adultos. Comigo, manifestava-se por meio de uma certa fobia social. Tinha medo de ir para a escola, era um bocadinho esquiva. O confronto com novos ambientes custava-me imenso e, por essa razão, dormia mal. Estamos a falar dos anos 1980! Se hoje ainda há preconceito em relação à saúde mental, nessa altura então…! Os meus pais levaram-me a vários médicos, tentaram perceber o que se passava, mas não havia conhecimento. A depressão pode ser causada por fatores hereditários, ambientais, sociais, mas há também um lado químico, biológico, que é pouco falado. É o meu caso. O meu corpo não produz serotonina suficiente, um componente químico que asse- gura que o nosso humor e a nossa sensação de prazer estão equilibrados, de forma a podermos aproveitar a vida sem pessimismo injustificável. Sem serotonina, há um vazio, uma tristeza, uma falta de objetivos. Sou assim desde sempre e só em adulta percebi que preciso fazer medicação para estabilizar a minha condição crónica, tal como as pessoas com hipertensão ou diabetes. Vivo em paz com isso.


«O meu corpo não produz serotonina suficiente, um componente químico que assegura que o nosso humor e a nossa sensação de prazer estão equilibrados»

Disse que só entendeu a sua condição em adulta. Quando, exatamente?
Por volta dos 20 anos, quando comecei a ter ajuda, percebi que ficava muito melhor quando tomava a medicação. Mas só aos 38 anos, depois do nascimento da minha filha, descobri este défice brutal de serotonina, numas análises. Continuei medicada durante a gravidez, mas, após o parto, as alterações hormonais foram tantas, que o meu corpo não deu para tudo. Os níveis de serotonina foram muito abaixo do mínimo recomendado e fiz uma depressão pós-parto, um lugar horrível, onde nenhuma mulher merece estar. Mas eu quero dizer que há soluções.

 


É esse o motivo que a leva a partilhar a sua experiência?
É. Sei o que custa e se mais gente conseguir passar ao lado disto ou procurar ajuda, melhor. Temos de tirar o peso deste processo de cima das mães. É uma altura muito delicada na vida da mulher, de grandes transformações: físicas, comportamentais, de contexto. Ter filhos é maravilhoso, mas temos de ser realistas: é um desafio enorme. É normal a mulher perder-se um bocadinho e a depressão pós-parto não tem de fazer de nós piores mães. Só se torna um problema se não for detetado e não for tratado. É preciso combater o mito de que não se pode tomar medicação para a depressão enquanto se está grávida ou a amamentar.

Teve essas preocupações?
Muito. Pesou-me imenso. Eu não queria deixar de amamentar, mas percebi que tinha de aumentar a dosagem da medicação porque não estava a conseguir gerir as emoções. Cheguei a ir às urgências, num pico de ansiedade, e a médica disse-me que ou deixava de amamentar ou tomava um chazinho de camomila para me acalmar! Os próprios médicos, quando não são especialistas, podem induzir as mulheres em erro. Felizmente encontrei o Centro do Bebé, onde há uma equipa especializada, com psiquiatra, psicóloga, enfermeiras, onde me foi dito que existe solução. Tirei um peso enorme de cima de mim.


«É preciso combater o mito de que não se pode tomar medicação para a depressão enquanto se está grávida ou a amamentar»

Quanto tempo durou este processo?
O primeiro mês e meio foi muito complicado. Questionei-me muitas vezes sobre a minha capa- cidade para ser mãe. Mas quando encontrei ajuda, e com a medicação ajustada, recuperei relativa- mente rápido e comecei a usufruir a maternidade. A partir daí, correu sempre bem e amamentei a minha filha até aos três anos. A Rosita é saudável, um furacão de energia que nem eu nem o pai, juntos, conseguimos ter. É uma criança feliz.



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