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12 dezembro 2019
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins

O farmacêutico 4x4

​​​​​​​​​​​​​​​Em 1981, ainda estudante, já se envolvia nas actividades da ANF.

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«Activíssimo» é o adjectivo escolhido por Paula Xavier, que conheceu José Agostinho da Silva Castro na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto. «Superactivo», prefere a filha, Mafalda Castro. O farmacêutico-adjunto da sua farmácia, Hugo Miranda, usa a palavra «hiperenergético», mas depressa corrige: «Um 4x4 cheio de energia». Quer na juventude, como futebolista amador que não parava quieto em campo, quer aos 60 anos, quando começou a sofrer os primeiros golpes da doença que recentemente o vitimou. Nem o pé partido durante um jogo na tropa, que encurtou a experiência de farda, lhe esfriou o entusiasmo.


Partiu um pé a jogar futebol, o que lhe encurtou a carreira militar

Portuense de gema, nascido na freguesia de Massarelos em 21 de Novembro de 1958, era adepto ferrenho do Futebol Clube do Porto, com lugar reservado no estádio. Todavia, a Farmácia de Campanhã sempre esteve mais virada para a comunidade que serve do que para o Dragão, situado ali a dois passos. Na zona oriental da cidade – pobre, idosa nas gentes e nas edificações, afogada em problemas sociais – tornou-se um pólo agregador. Uma porta aberta, ainda que só para dois dedos de conversa sobre as agruras da vida.

A realização de análises clínicas, no Laboratório Pessanha Moreira, e as aulas a técnicos de farmácia, no Instituto de Emprego, não são centrais na biografia de José Agostinho. Como levava a sério o papel de farmacêutico comunitário, passou a maior parte da carreira ao balcão. Sem esforço, tornava-se conselheiro dos clientes. Oferecia medicamentos ao Centro Juvenil de Campanhã e envolveu-se no Grupo Desportivo: expressões da profunda ligação à freguesia. «Retribuía o que a comunidade lhe dava», sintetiza Hugo Miranda.

Tal perfil introduziu-o no radar da ANF. Suplente da Direcção Nacional eleita em Março de 1995, passou a efectivo em Julho, quando João Silveira saiu para bastonário da Ordem dos Farmacêuticos. A estratégia de integração no órgão de associados de regiões distantes de Lisboa enfrentou problemas de operacionalidade, porque o país não estava ainda pejado de auto-estradas. Mas José Agostinho respeitou o compromisso.

Maria da Luz Sequeira, então vogal da Direcção, conhecia o colega da actividade nas áreas associativa e profissional. Consolidaram uma amizade que resistiu à distância física. «Não era muito expansivo e nunca o tive como conflituoso. Era, essencialmente, muito fiel aos seus princípios», recorda. Como compaginaria o feitio reservado com a tal energia? Talvez o seu ar sério fosse enganador…


Não podia faltar à inauguração da Secção Regional do Norte da ANF, em 1994
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Amigo do seu amigo, afável: eis dois traços de carácter que Maria da Luz Sequeira e Nuno Barros, na época presidente da Secção Regional do Norte da ANF, apontam ao amigo. «Quando era preciso alguma coisa, estava presente», assinala Paula Xavier. Muitos dos que o conheceram garantem que nele a disponibilidade para ajudar era inata; não emergia de sede de protagonismo ou intenção de obter reconhecimento.


José Agostinho na fila de baixo, ao centro

Nuno Barros partilhou na faculdade um par de experiências com José Agostinho Castro, que concluiu o curso em 1983 – na Associação de Estudantes, que Nuno liderou, e no futebol universitário. «Ele era de longe o melhor jogador», afiança, reconhecendo que a equipa de Farmácia não ficou na História. «Acho que ganhámos apenas um jogo, a Psicologia, que quase só tinha mulheres». Posteriormente, partilharam batalhas em defesa do sector, por exemplo contra a criação, em 2002, de uma nova geração de farmácias sociais. Numa sessão de contestação, no Porto, prepararam em conjunto a intervenção de José Agostinho. A «concorrência desleal» e o «risco de insustentabilidade da rede» foram os argumentos centrais de contestação à proposta eleitoral do PS.

Empreendedor antes de o conceito entrar em voga, adquiriu em 1984 a Farmácia Sousa Beirão, na Maia. A aposta seguinte foi a de Labruge, em Vila do Conde. Acabou por fixar-se na centenária Farmácia de Campanhã (Alberto Ferreira, quando a comprou), que dispõe de uma grande mesa de manipulação, em xisto. Bem lhe topara Paula Xavier, ​ainda nos tempos de estudante, o faro para o negócio…


Em 1981, ainda estudante, já se envolvia nas actividades da ANF

Com o tempo, desenvolveu capacidades de gestão e uma curiosidade sem limites, alimentada pela leitura e o contacto com pessoas de várias áreas. Paula Xavier descreve ​​​um farmacêutico «muito actualizado em termos profissionais, também graças ao bom relacionamento com grupos clínicos, para inovar e fazer a diferença». Legado que, acredita, a filha saberá honrar. Mafalda Castro saiu no início deste ano do Centro de Informação do Medicamento (CEDIME) da ANF para tomar conta da farmácia. Diz que nunca se sentiu pressionada pelo pai a abraçar a profissão, mas reconhece a sua influência. «Em termos de personalidade, somos muito parecidos».



José Agostinho «vivia e respirava farmácia», acentua Hugo Miranda. Na relação com os​ colaboradores, «sabia ouvir e era muito ouvido. Um verdadeiro líder». Mafalda Castro não esconde que, embora confiasse na equipa, «tinha de saber tudo o que se passava». E, sendo superactivo, conciliava facilmente diversas tarefas. «Não conseguia deixar de o fazer», afirma o farmacêutico-adjunto.



Talvez se tivesse convencido de que a sua energia seria o antídoto mais eficaz para a doença. Quando Maria da Luz Sequeira lhe telefonou a dar conta da sua satisfação pelo facto de a filha assumir o quotidiano da farmácia, garantiu que atravessava uma fase «maravilhosa » da vida, até porque iria ser avô. Infelizmente, partiu antes de o neto nascer.

A Farmácia Portuguesa agradece à família a gentil cedência de fotografias.​

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