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23 abril 2020
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes

«É um alívio não ter de me deslocar ao hospital»

​​​​​​​Doente hepático desde os 18 anos, João Rocha recebeu medicação na farmácia, a «100 metros» de casa e sem ir ao Hospital Curry Cabral.
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João Rocha tinha 18 anos quando o fígado deu sinal e trouxe as primeiras – de muitas – arrelias. «Era internado a toda a hora. Só num ano, fui internado cinco vezes!». 

Em 2008, foi submetido a um transplante no Hospital Curry Cabral (HCC) em Lisboa. O antigo marceneiro, de 70 anos, cumpre medicação hospitalar desde então. 

Nos últimos 12 anos, todos os meses desloca-se àquele hospital numa viagem de 40km, ida e volta, para ter em mãos os medicamentos. Agora, tudo mudou. 

Com o arranque de a Operação Luz Verde – que, durante a pandemia COVID-19, permite que doentes crónicos possam receber medicação hospitalar em casa ou em farmácia comunitária -, João Rocha deixou de ter de deslocar-se ao hospital público de Lisboa.
 
​Residente há 54 anos em São João da Talha, concelho de Loures, está a receber a medicação hospitalar através da farmácia comunitária mais próxima da sua casa – a Farmácia Luna, que frequenta «desde que abriu há 38 anos».

«Fiquei muito contente com esta medida. A farmácia fica a 100 metros da minha casa, basta passar um túnel», afirma.

O novo serviço surge no contexto de pandemia de COVID-19 e garante a continuidade da terapêutica de doentes que, tal como João Rocha, se têm de deslocar aos hospitais para levantar medicação de prescrição exclusivamente hospitalar.

«É um alívio não ter de me deslocar ao hospital. Assim é tudo mais fácil», assume.

João Rocha mostra-se «muito contente» com a chegada das novas directrizes. «Para ter os medicamentos, agora só tenho de descer a rua». 

Foram várias as vezes que temeu pela vida, numa cama de hospital. Para o doente hepático, o recato em casa é por isso vital. «Tenho poucas defesas e, por isso, até foi a minha esposa quem foi buscar os medicamentos à farmácia». 

Desde a juventude que, todos os dias, toma medicação para vários problemas de saúde. «Tomo muitos medicamentos desde os meus 18 anos. Já fui operado aos intestinos, tenho colite ulcerosa há muitos anos, e também tive problemas na próstata». 



Directora-técnica da Farmácia Luna, Patrícia Luna, 45 anos, está na linha da frente a cumprir as novas regras de dispensa de medicação hospitalar. Com a farmácia a trabalhar ao postigo, a farmacêutica conta que o «processo tem corrido lindamente», com tudo a ser pensado ao pormenor.  

«Dirigimos estes utentes para uma porta lateral da farmácia, para que não estejam à espera em filas» conta a profissional justificando que «não há aqui uma transacção. Nós, farmácia comunitária, com o apoio do serviço grossista, apenas fazemos a entrega dos medicamentos ao utente».

Nos últimos dias tem recebido pedidos vindos «sobretudo do Hospital São José, Curry Cabral e Hospital Santo António dos Capuchos». Numa só semana, a farmacêutica deu resposta a 15 dispensas. ​

Para João Rocha, graças à norma conjunta da Direcção-Geral da Saúde e do Infarmed, n.º3/2020, o acesso à medicação faz-se agora sem o transtorno de horas no trânsito, filas na farmácia hospitalar, despesas com gasolina ou viagens em transportes públicos. 

«Cheguei a esperar meia hora na fila lá do hospital…E, daqui, de São João da Talha ainda se apanha muito trânsito até se chegar a Lisboa», descreve o utente que «habitualmente» viaja em carro próprio e «logo pela manhã, que depois disso, é a hora das visitas e junta-se mais gente ao balcão da farmácia do hospital».

Por culpa de um problema na visão, que o afectou recentemente, «deixei de ver do olho esquerdo», deixou de poder conduzir. Teve por isso de pedir ao filho mais velho, Carlos Manuel Rocha, 46 anos, que fosse ele a ir ao Hospital Curry Cabral. 



Com a farmácia hospitalar fechada, o filho trouxe a boa notícia ao pai de que, por agora, «bastava ligar, escolher a farmácia mais próxima e ir buscar os medicamentos».

Para a farmacêutica Patrícia Luna, os ganhos em saúde pública são evidentes. Com o país a registar um total de 785 mortes por COVID-19 e 21.982 de casos confirmados de infecção, à data de dia 21 de Abril, Patrícia Luna não tem dúvidas de que o novo procedimento de dispensa de medicamentos hospitalares traduz-se num importante contributo para travar a actual crise sanitária pública. 

«Ao ajudar a manter os doentes crónicos em casa, as farmácias comunitárias ajudam a reduzir o risco de contágios. Muitos utentes, para irem ao hospital, têm de deslocar-se de transportes públicos, meios que têm uma envolvente de contágio muito maior do que se forem à farmácia junto de  casa», afirma a profissional levantando a questão de «por que não fazer a medicação que habitualmente adquirem em farmácia comunitária juntamente com a medicação hospitalar?».

A farmacêutica defende por isso a continuidade do serviço, no período pós-pandemia. «Pense-se, por exemplo, nos doentes crónicos com Esclerose Múltipla. Falamos de pessoas que têm muita dificuldade motora, deslocarem-se ao hospital é algo muito complicado.  E fica extremamente dispendioso pagar táxis, são seguramente cerca de 30 euros de São João da Talha até Lisboa», argumenta.

Também João Rocha se diz esperançado de que este serviço tenha continuidade. «Oxalá, pudesse ir sempre à farmácia levantar os medicamentos. É uma grande ajuda!».

​João Rocha leva os dias «sentado à varanda, a ver quem passa» porque «é preciso olhar este vírus com respeito. Se não fosse a farmácia ainda teria mais medo deste vírus. Se sou apanhado por este vírus, não tenho hipótese», afirma. 

Fechado em casa desde o dia 11 de Março anseia pela hora em que volte a estar com aqueles que tanto ama. «Não vejo a hora de voltar a ver os meus quatro netos».
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