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22 agosto 2022
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins

Arte benemérita

​​​​​​​​​Era desde a primeira hora um indefetível da ANF, que representou enquanto delegado.

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Certo dia, entrou numa galeria do Porto, decidido a comprar um quadro de Vieira da Silva. O funcionário olhou-o de soslaio. Deve ter pensado que o cliente era um “zé-ninguém”, pelo que «ligou ao patrão a dizer que estava ali um patrasana». António Piné não saiu sem a cobiçada obra. «Gastei muito dinheiro, mas não digo quanto», afirmou, em jeito de epílogo à estória que contou em abril de 2008, quando decidiu doar à Associação Nacional das Farmácias a sua coleção privada de arte moderna e contemporânea, de 140 obras, na época avaliada em três milhões de euros.


O valioso acervo integra um óleo sobre tela produzido em 1989 por Júlio Resende, com o título “Mulher e Cerâmica”​

António Piné, falecido em janeiro passado, era um in- defetível da ANF desde a primeira hora. Percebia-se que o ajudante-técnico de farmácia encarava o vasto espólio, reunido desde 1974, como um passaporte para o reconhecimento social. Por isso conservava na sua casa, na Guarda, onde era proprietário da Farmácia Moderna, obras de Picasso, Vieira da Silva, Miró, Dali, Arpad Szènes, Júlio Pomar, Paula Rego, Cargaleiro, Cruzeiro Seixas, Julião Sarmento e Rui Chafes, entre outros.


“Cegonhas”, de Paula Rego, acrílico sobre papel marouflé, de 1983, está incorporada na coleção

Feliz com o destino da sua coleção – «Sei que está nas mãos de quem a merece e de quem a saberá cuidar da melhor forma», disse na ocasião ao jornal Público – admitiu que não se tratou da primeira opção. Batera à porta do município de Pinhel, cidade que o viu nascer em 1931, mas desistiu ao fim de 12 anos, frustrado pela falta de resposta à medida das suas ambições. A Câmara da Guarda também não emitiu qualquer sinal de interesse no acolhimento do acervo. 

Piné conhecia há muito as lides do universo farmacêutico. Logo em 1974, estava a ANF a dar os primeiros passos, como herdeira do Grémio Nacional das Farmácias, aceitou a missão de delegado distrital da Guarda, que assumiria até 1983. Após três anos como delegado de zona, voltaria às funções originais na estrutura associativa entre 1992 e 1994. Pelo meio, desempenhou (1986-1992) o cargo de 2.º secretário da Mesa da Assembleia-Geral. Sentia a Associação como sua casa. «Pelo respeito e consideração que a ANF sempre teve por mim, este é o destino natural desta coleção», disse na cerimónia que oficializou a doação.


​​As obras doadas por António Piné estão hoje dispersas entre a sede nacional da ANF, em Lisboa, e as delegações​

A Associação, que distinguiu o ajudante-técnico de farmácia com a imposição de insígnias, confiou a coleção ao Museu da Farmácia e promoveu de imediato uma exposição. Hoje dispersas entre a sede nacional, em Lisboa, e as delegações do Centro e do Norte, as obras passaram pela Guarda, em 2014, e pelo Palácio Nacional de Mafra dois anos depois. Pontualmente, algumas foram emprestadas a museus, como o do Chiado, em Lisboa.
 

Pela sua relevância, a doação das peças mereceu, na ocasião, o destaque de capa na revista Farmácia Portuguesa

À distância, o diretor do Museu de Farmácia afirma-se convicto de que Piné «quis mostrar que estava para além da farmácia». A escolha da ANF representou, lembra João Neto, «uma solução de recurso», porque as suas exigências – «uma coleção, uma casa, um nome» – não foram satisfeitas pelas duas autarquias beirãs. Estava em causa preservar a integridade da coleção, mas também a intenção de perpetuar o nome do homem que passou boa parte da vida a enriquecê-la.​
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