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22 agosto 2022
Texto de João Cordeiro Texto de João Cordeiro

A humildade ao serviço da farmácia

​​​​​​​​​«O Sr. Piné era um homem desprendido dos bens materiais».​

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​António Piné foi um dos associados que mais me marcou, enquanto presidente da Direção da ANF. Conheci-o há muitos anos em reuniões do setor. Era um associado interventivo, solidário, sempre preocupado com as farmácias do interior e sempre disponível para colaborar na vida associativa. Apesar da sua frágil aparência, era uma pessoa com força de caráter e com uma energia incomensurável, que impressionavam os seus pares. Foi pelo seu mérito, pela confiança rapidamente granjeada entre as farmácias, que foi eleito para delegado da ANF no distrito da Guarda. A sua disponibilidade para SERVIR o interesse coletivo foi sempre total. 

Nas relações pessoais, era um cavalheiro e um amigo, disponível para dar e não para pedir. Vinha aos conselhos nacionais trazendo consigo alguns dos produtos mais famosos da Serra da Estrela, que oferecia com um misto de amizade e orgulho da sua terra.

O Sr. Piné era um homem bom e desprendido dos bens materiais.

Foi o responsável pelo momento mais alto, em que mais orgulho senti em toda a minha vida associativa. Numa das idas à Guarda, cumpri a promessa há muito feita de ir almoçar a sua casa. Não vou falar da excelência da refeição, preparada pela sua irmã com todo o carinho e amizade. Quero falar-vos do que se passou em seguida.

No final do banquete, o Sr. Piné convidou-me para ver a casa e aí a minha estupefação foi total. Além de quadros expostos nas diferentes divisões, saíram dezenas e dezenas de quadros de autores consagrados de todo o lado, desde armários, gavetas, malas, etc... Foi uma inesperada e peculiar visita guiada pela valiosíssima coleção de arte do meu anfitrião, reveladora da sua personalidade, dos seus gostos e da amizade pelo seu convidado, a quem dava a conhecer despretenciosamente e com prazer esta faceta da sua vida privada.

Fiquei surpreendido pela dimensão e qualidade da coleção de arte que o Sr. Piné guardava em casa, sem grande preocupação de segurança com aquele valioso património cultural. Quando ousei dizer-lhe para montar um sistema de segurança, respondeu-me que ali toda a gente o conhecia, que só tinha amigos e pessoas boas na vizinhança.

Passados muitos anos, já o Sr. António Piné tinha vendido a farmácia, recebo um telefonema seu, pedindo para falar comigo com urgência. Confesso que fiquei preocupado com o seu tom de voz e comecei a preparar-me para uma má notícia relativamente à sua saúde. Felizmente, enganei-me. A reunião foi muito curta, mas notei logo no Sr. Piné uma enorme ansiedade. 

Nessa reunião, que mantenho em memória, pediu-me que aceitasse, em nome da ANF, a doação da sua coleção de arte. E as razões eram claras: foi na ANF que viveu feliz a servir as farmácias, sentia que a ANF era a sua casa, a sua Família, e era a ANF a única entidade em quem tinha confiança para preservar e valorizar a sua coleção de arte.

Fiquei sem palavras. Garanto-vos que foi o momento mais alto da minha vivência associativa. Com a nobreza daquele gesto, senti-me compensado pelos anos em que assumi responsabilidades associativas no setor das farmácias.

Aceitei naturalmente a doação, que correspondia a um ato de enorme generosidade do doador, revelador também da grande ligação que sentia à Associação que ajudou a criar e a desenvolver. Senti igualmente, nesse momento, que tinha aliviado o Sr. Piné do peso bem pesado relativo ao futuro da sua coleção de arte, que seguramente tinha constituído com muito carinho e dedicação ao longo da vida. Aves de rapina à sua volta não faltavam…

Foi este o Sr. António Piné que conheci: uma pessoa humilde, solidária, amiga, sempre preocupado em não incomodar e com enorme dimensão humana. Guardo dele saudosa memória. E, como única testemunha do momento em que transmitiu a sua vontade de doar à ANF a coleção de arte, entendi que era meu dever deixar na revista Farmácia Portuguesa o meu testemunho deste associado que muito deu à Farmácia e à sua Associação.
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