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3 outubro 2024
Texto de Teresa Oliveira | WL Partners Texto de Teresa Oliveira | WL Partners Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo Vídeo de Nuno Santos Vídeo de Nuno Santos

Uma segunda oportunidade

​​​​​​Depois de um diagnóstico grave, Joana Rocha passou a viver com um saco de ostomia. ​​​​​​

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​Joana Rocha ficou assustada quando soube que iria passar a viver com um saco de ostomia. «Agora está tudo muito explicado na Internet, é mais fácil procurar informação, mas em 2019 vi-me um pouco aflita para a encontrar, estava um bocadinho às escuras», relembra.

As razões para os seus receios vinham tanto de si quanto da preocupação com os outros: o que poderiam pensar de usar o saco, como reagiriam aos barulhos que este pudesse emitir. Medos alimentados por um dos poucos vídeos que encontrou e que não passava a imagem mais positiva de como viver após este procedimento – que envolve a criação de um orifício no abdómen, ligado a um saco coletor (ou de ostomia), por onde passam a ser eliminadas a urina e as fezes.


Após as primeiras perdas de sangue, Joana demorou a procurar ajuda. Quando foi detetado, era um tumor em estado avançado​​

«Nos dias anteriores à operação, pensava que não ia conseguir lidar com a situação, que ia ser muito complicado, e o que as pessoas iriam achar», conta. «Com o passar dos dias, depois de ser operada, percebi que seria mais fácil do que tinha pensado». As suas previsões confirmaram-se. Para Joana, foi mesmo um processo mais tranquilo. De quem sabe que vive com um saco de ostomia recebeu carinho e compreensão, ao contrário do receio inicial. Dos que não sabem, «são capazes até de passar por nós e nem perceber», comenta.

Hoje, com 38 anos, deixou para trás os tempos muito difíceis do diagnóstico de tumor maligno no reto, em estado já avançado. «Fui um bocadinho marota para mim», assume – quando se deparou com perdas de sangue nas idas à casa de banho, demorou a fazer um exame para perceber as causas. Quando finalmente se convenceu a procurar respostas, «detetaram logo que tinha um tumor em estado avançado».


Joana tem um mote desde pequena: «seguir em frente»

O processo começou em 2018, e terminou com uma cirurgia em outubro de 2019, depois de ter feito radio e quimioterapia. Além da ostomia, foram-lhe amputados 26 cm na zona perineal. A sua maneira de ver a vida, a ajuda que recebeu no hospital, o apoio do marido, «tiveram parte importante no processo» de aceitação da nova realidade, considera. «Mas, talvez...», acrescenta – primeiro hesitante e depois decidida, «um princípio desde pequena: as coisas acontecem, “OK, aconteceu”. Vamos seguir em frente e é por aí o caminho».

Tem o cuidado de explicar que não é imune ao sofrimento. Quando soube do tumor, precisou de tempo para interiorizar o que lhe estava a acontecer e «foi bastante complicado», de tal modo que chegou a dizer ao marido que talvez preferisse «morrer a fazer tratamentos». O desalento não durou muito. «Bateu o que chama de “um clique”. OK, é por ali o caminho. Se eu tenho isto, preciso de aceitar e seguir a vida, porque é uma segunda oportunidade que estou a ter. E talvez, ao seguir em frente, não fazer as coisas como fazia antes, encará-las de outra maneira, e é assim que seguimos», adianta. Decidiu, pois, «andar com mais calma», ficando no passado a forma como reagia a situações que a incomodavam ou irritavam.

Alegre, desde pequena que Joana está ligada à dança, que tanto podia ser salsa, como reggaeton, «tudo misturado». Além de dançar, integrada em grupos que fazem apresentações de diversos estilos, dava aulas em associações culturais e recreativas na zona do Porto. Quando recuperou, decidiu tirar o curso de instrutora de zumba. «Já fazia algumas aulas de zumba com uma colega, e começou a entrar aqui o bichinho». Hoje é a sua profissão.


Após recuperar, tirou um curso de instrutora de zumba. Esta é hoje a sua profissão

E o saco de ostomia, como interfere na sua vida? «Faço a minha vida normal, vou a todo o lado, sem problemas», responde. «Costumo dizer que hoje em dia é como se tivesse nascido assim». Para as aulas – em que salta, mexe as ancas e agita os braços, fazendo os habituais movimentos de dança desta modalidade de fitness – tem alguns cuidados especiais, como o de trocar o saco antes de sair de casa. «Para o segurar não uso nenhuma banda, não uso nada. Bastam só a leggings, mesmo, porque são justas e o saco não sai do sítio». Os alunos dizem que não se nota nada.

Joana nunca escondeu que vivia com um saco de ostomia, pelo contrário, usa as suas páginas no Facebook e no Instagram (Joana Rocha Zumba) para mostrar que viver ostomizada em nada a impede de fazer tudo o que quer. Entre os vídeos e as fotos que mostram as suas aulas e a cara sorridente, lembra que as pessoas com ostomia «podem e devem ir à praia» ou, entre outros posts, fotografa-se a apontar para o seu saco e lança o desafio: “Acha que dançar não é para você? Então repense!”.


Joana usa as redes sociais para mostrar a mais pessoas que a vida continua apesar do saco de ostomia​

O seu objetivo é chegar a cada vez mais pessoas. Para que quem vive com saco «não tenha problema em mostrar, e seja mais fácil para elas lidarem com este tipo de problema», recordando que «a vida continua e há sempre possibilidades de uma cura». Aos restantes, alerta para a importância do rastreio, pois «quanto mais cedo as pessoas o fizerem e descobrirem o problema, mais possibilidades têm de cura».

O seu exemplo já gerou frutos: deu aulas numa turma com duas alunas ostomizadas, uma delas sua amiga e a outra porque soube que a profes- sora também usava um saco. «Sentiu-se mais aconchegada», explica Joana. Recentemente, outra pessoa contactou-a porque «os médicos dizem que provavelmente terá de usar o saco; estive a conversar um bocadinho com ela sobre isso, a tentar ajudá-la e a fazer-lhe ver que, se o problema que tem está a provocar bastantes complicações, se calhar a melhor opção seria mesmo aceitar usar o saco», pois «se tiver de acontecer, é a melhor solução».

No mês em que se celebra o Dia Nacional do Ostomizado, a 6 de outubro, Joana recorda a todos que o seu saco de ostomia «é uma salvação. Se eu estou aqui, hoje, é graças a ele».