Texto de
Álvaro Ferreira | Coordenador de Psicologia Clínica, Hospital CUF Descobertas
Durante a gravidez é frequente a mulher reviver referências afetivas positivas e negativas que recebeu das figuras parentais. Além das alterações fisiológicas e hormonais, que condicionam o estado emocional, o passado afetivo pode assumir um peso significativo na construção do papel de mãe, nos desejos e na interação com o bebé a desenvolver-se dentro de si.
A mulher idealiza o bebé imaginário, influenciada pela carga da sua história pessoal e familiar. Direciona para o filho desejos e sonhos e, inevitavelmente, também medos e vivências traumáticas.
A idealização de um filho é condicionada pelo contexto histórico, cultural e social da família, que define as caraterísticas do bebé imaginado: bonito, saudável, inteligente.
Às pressões externas juntam-se as internas. Durante a gestação, a mãe tende a identificar-se com o bebé que ainda não nasceu. Para ele transporta frustrações e anseia corrigir falhas pessoais. A relação que cria, desde o primeiro momento, leva a um reencontro com a criança que foi.
Desde o início da gravidez, é comum assumir o papel e o peso de ser boa mãe, o que a pode levar a pôr-se em causa. Por vezes, esta pressão revela-se demasiado exigente para si e para o papel que acha que deve desempenhar na maternidade. Mães muito exigentes consigo mesmas tendem a sê-lo com os filhos, limitando-lhes o crescimento e a autonomia.
Ao bebé e à mãe ideais, mitos que os próprios profissionais de saúde, por vezes, ajudam a construir, junta-se a educação imaginada. Antecipa-se o modelo educativo da criança antes do nascimento, os objetivos a atingir e as metas a ultrapassar, condicionando o processo de socialização. O planeamento exagerado é negativo até porque é normal haver discrepância entre o desejo e a realidade.
Os nove meses de gestação permitem um processo de maturação da ligação afetiva entre o bebé imaginário e a experiência do bebé real. Quando a grávida se angustia muito, o acompanhamento por profissionais de saúde mental revela-se crucial para garantir estabilidade emocional de uma saudável relação mãe-bebé. O psicólogo clínico ajuda a sustentar os receios e as incertezas. Pode igualmente ajudar, depois do parto, a adaptar as expetativas ao bebé real, para aceitar com confiança a condição de ser mãe.
Quando o bebé nasce, a alegria pode ser acompanhada por sentimentos contraditórios e causadores de sofrimento. É um equívoco, e uma enorme pressão sobre as mulheres, esperar que o nascimento de um filho seja sempre um estado de graça e idílico, por mais desejado que tenha sido.
Tão importante como um adequado acompanhamento da saúde física da mãe e do bebé é estar atento ao estado emocional da mãe, à qualidade da relação mãe-filho e do casal na relação a dois e na parentalidade. Estas são determinantes para uma relação feliz e saudável, prevenindo-se angústias e sofrimento.