A Farmácia Ramalho, de Alcanena, nasceu a 50 quilómetros, na Nazaré, onde a família Ramalho vivia. A mãe de Jácome da Silva Ramalho «dava-se bem com famílias de Alcanena que lá iam passar o verão». Com o filho recém-formado ― acabara o curso a 22 de julho de 1899, soube que «havia aqui uma farmácia à venda e comprou-a, para o ajudar». Quem conta a história também se chama Jácome Ramalho, e é o terceiro de uma dinastia de homens com o mesmo nome, todos ligados à farmácia adquirida pela sua antepassada no início do século XX.
Jácome Ramalho, o neto do fundador
Jácome Ramalho não conhece exatamente a origem da vocação do avô. Talvez viesse de um padrinho. «Só sei, por conversas bastante antigas, que o meu avô era afilhado do Dr. Ascenso, farmacêutico na Nazaré, que era uma personalidade da região. Eventualmente terá sido por isso». No que há mais certeza é que foi por inspiração do padrinho que Jácome da Silva Ramalho começou a fotografar. «Quando veio para Alcanena, trazia também o bom hábito de ser fotógrafo ama- dor, influenciado por esse Dr. Ascenso». As suas fotografias estão hoje no Arquivo Municipal de Alcanena, já que foi «o responsável por uma parte significativa dos registos fotográficos do concelho no início do século passado», como se lê na deliberação camarária de maio de 2014, em que foi decidido atribuir uma medalha de grau ouro do concelho à Farmácia Ramalho.
O legado de Jácome da Silva Ramalho não se esgota na prestação de cuidados de saúde e nas imagens de «muitos locais de Alcanena que hoje ninguém reconhece, porque, entretanto, passaram 100 anos». A antiga Farmácia Ramalho no Largo da Varandinha foi um clube e uma tertúlia «onde se conspirava contra o regime monárquico». Silva Ramalho integrou ainda um grupo que lutou para que Alcanena, à altura uma freguesia de Torres Novas, fosse concelho, objetivo alcançado a 8 de maio de 1914. «Quando o concelho fez 50 anos, o meu avô Ramalho e um grupo de cidadãos foram em conjunto agraciados postumamente com a medalha de ouro do concelho», conta o neto. «Tenho muito orgulho que na família estejam duas medalhas de ouro do concelho, uma individualizada, em nome do meu avô, e outra da Farmácia Ramalho».
Medalha de grau ouro do concelho e imagens antigas oferecidas à farmácia
Uma vida plena, que terminaria subitamente com um ataque cardíaco fulminante. Seria o seu filho, também Jácome Ramalho, a receber o testemunho da farmácia, onde foi ajudante técnico durante toda a vida. Seria um dos fundadores do Atlético Clube Campinense, o clube de futebol de Alcanena, de que “Manel da Farmácia” ― cujo filho é o atual presidente da Câmara de Torres Novas e aparece retratado numa fotografia que republicamos, no topo deste artigo, com o fundador da Farmácia Ramalho na penumbra ― era vice-presidente. Jácome Ramalho teria a mesma causa de morte do pai, aos 54 anos.
O seu filho, o terceiro e atual Jácome Ramalho, estava estabelecido em Lisboa, mas a morte prematura do pai levou-o à farmácia da família, que já lhe era muito familiar. «Quando estava a estudar em Santarém, a primeira coisa que fazia era sair do transporte que me trazia ao fim de semana e ir à farmácia ver o meu pai».
Lídia Ramalho, diretora técnica da farmácia
Já namorava com uma estudante de Ciências Farmacêuticas, com quem casou pouco tempo depois. A sua mulher, Lídia Ramalho, cujo plano de vida passava por «uma carreira ao nível universitário», acabaria por vir a assumir a direção técnica da farmácia da família. Jácome, tal como o pai, foi ajudante técnico de farmácia e o seu gestor. «Todos os dias venho à farmácia quando é preciso, à tarde, à noite», conta. «Com a COVID- 19, deixei o contacto com o público, mas toda a gente me conhece, eu conheço também todas as pessoas da terra, porque nasci aqui há 81 anos e estive 50 e tal anos a exercer a minha profissão».
No início dos anos 70, a farmácia mudar-se-ia para o piso térreo da casa dos pais de Jácome Ramalho, ao lado da sua atual localização nas traseiras da Câmara Municipal. «Com muita pena minha, essa zona de Alcanena, que era o centro nevrálgico onde toda a gente se encontrava e onde os miúdos brincavam, hoje está, como a maio- ria das terras, com muito pouca habitabilidade e muito pouco movimento», explica. Recentemente, há 15, 16 anos, uma nova necessidade de evolução levou à construção de uma farmácia moderna e luminosa no quintal da casa onde nasceu.
Sancho Ramalho, a nova geração
Quebrando o nome tradicional da família, Sancho, o filho de Lídia e Jácome, é o farmacêutico que representa a nova geração. Começou por escolher a música, licenciando-se em Ciências Musicais, mas mais tarde acabou por regressar ao berço profissional dos Ramalho. É o diretor técnico de outra farmácia da família, mas faz a gestão dos dois estabelecimentos «com muito gosto», através de uma «passagem de testemunho que tem sido gradual».
Sancho Ramalho nasceu «quase na farmácia, com o pai e com a mãe a trabalharem nela a tempo inteiro». Tal como o pai, «quando vinha da escola, ou até antes da escola», ia para a farmácia onde desde cedo começou «a arrumar medicamentos e a perceber como é que tudo funcionava», um legado que os pais lhe foram transmitindo. «Os fundamentos e os princípios estão cá, transmitidos pelo meu pai e também pela minha mãe».
Na Farmácia Ramalho, as memórias materiais também se preservam: estão expostos diplomas, uma balança antiga devolvida por clientes, e até uma bengala de madeira que ficou esquecida na primeira farmácia e que anos depois ali foram entregar. As pessoas sabem onde esses objetos pertencem e «que o futuro deles está assegurado aqui», comenta Sancho, pois a Farmácia Ramalho é um testemunho vivo da relação entre gerações e da capacidade de adaptação, sem perder as raízes.