As doenças cardíacas e a doença cerebrovascular continuam a ser as principais causas de morte e incapacidade em Portugal, apesar das modernas intervenções terapêuticas e dos esforços na prevenção do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, que tem apostado em medidas preventivas e na organização dos serviços de saúde (Ministério da Saúde,2018, Retrato da Saúde, Portugal).
Na base de muitas destas doenças está a aterosclerose, doença inflamatória crónica da parede arterial, que resulta da interacção de factores de risco modificáveis – hipertensão, diabetes, hipercolesterolemia, tabagismo e outros – com a matriz genética individual.
Parece lógico que a melhor forma de reduzir a incidência de muitas destas doenças seja a prevenção do desenvolvimento da aterosclerose através do controlo dos factores de risco. E como é possível atingir-se esse objectivo? Logo à partida, identificando os indivíduos sujeitos a maior risco, que são os que, habitualmente, transportam consigo o cluster daqueles factores de risco vascular. Em Portugal, estima-se que um terço da população adulta seja classificada de alto ou muito alto risco.
Acontece que o principal obstáculo à concretização deste objectivo não é a identificação dos indivíduos em risco, o que já é feito, mas a incapacidade das unidades de saúde garantirem a acessibilidade dos cidadãos a este Programa Nacional (e a outros) por debilidades estruturais, com destaque para a carência de recursos humanos, o que limita a capacidade de resposta.
A solução poderia passar por seguir o exemplo dos países que incorporaram as farmácias comunitárias na rede de prestação de cuidados de saúde aos cidadãos.
No Reino Unido, as orientações do National Health Service (NHS) recomendaram a intervenção das farmácias comunitárias na prevenção, detecção e tratamento da hipertensão. As NICE Guidelines, publicadas em 2 Agosto de 2018, consideraram as farmácias comunitárias britânicas como parte integrante do NHS. Também as guidelines europeias para a hipertensão, publicadas em 2018, referem o papel importante de enfermeiros e farmacêuticos na educação, suporte e seguimento dos hipertensos tratados como parte da estratégia global para aumentar o controlo da pressão arterial.
A adopção deste modelo em Portugal contribuiria para atenuar desigualdades no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde e diminuir a pressão exercida sobre os centros de saúde e os seus profissionais. Ressalvando a especificidade dos serviços prestados, sabemos que os nossos concidadãos consultam o seu médico assistente duas a três vezes por ano, mas, em média, vão a uma farmácia uma dezena de vezes.
Neste contexto, pela sua distribuição geográfica, elevada acessibilidade e disponibilidade em recursos humanos diferenciados, há lugar para as farmácias portuguesas serem integradas no Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, no seio do qual teriam um papel activo na “Educação para a Saúde”, monitorização e acompanhamento dos indivíduos de elevado risco vascular.
No que respeita à prevenção cardiovascular, a elevada acessibilidade das farmácias é facilitadora da acção dos farmacêuticos em programas de educação para a saúde, monitorizando a adesão e persistência na terapêutica, acompanhando e elucidando os utentes sobre o horário das tomas da medicação, registando e discutindo os efeitos adversos, e objectivando o benefício real dos tratamentos.
Para além disto, o farmacêutico, como já se faz em outros lados do mundo, pode ser um parceiro do sistema na vigilância da aquisição dos alvos terapêuticos, tanto da hipertensão como da diabetes e dos lípidos. Uma vez integrados em equipas comunitárias, onde podem estar o hospital e os centros de saúde da região, os farmacêuticos acrescentariam uma presença visível e empenhada no acompanhamento dos cidadãos, com consequentes ganhos em saúde. A reconciliação terapêutica, um serviço da competência do farmacêutico, é uma ferramenta estratégica para prevenir erros terapêuticos e garantir a segurança dos tratamentos, particularmente aquando da transição de cuidados entre o hospital e o ambulatório.
Se queremos verdadeiramente acompanhar o progresso, não poderemos continuar a subaproveitar o enorme potencial das farmácias comunitárias na luta que travamos contra as doenças cardiovasculares.