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6 setembro 2021
Texto de Pedro Veiga Texto de Pedro Veiga Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo

Farmácias do coração

​​​​​Covilhã apresenta solução simples contra a hipertensão.​

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Primeiro, estranhou. As pernas começaram subitamente a ficar pesadas e os passeios do costume mais difíceis de completar. «Sempre fiz caminhadas», explica Adoração Marcos, de 76 anos, moradora na vila do Teixoso, nos arredores da Covilhã. «Antigamente até fazia umas caminhadas grandes, mas deixei de conseguir». O cansaço inesperado levou-a à sua farmácia de sempre. «Comecei a sentir-me mal, fui à farmácia medir a tensão e estava altíssima», recorda, «e o Dr. João disse-me logo “vá ao hospital, não pode estar assim”».
 

João ​Paiva, farmacêutico no Teixoso, referenciou Adoração Marcos para a consulta de hipertensão 

O "Dr. João" é João Paiva, director-técnico da Farmácia Modelar, a única da freguesia. E quando lhe disse para ir ao hospital por causa dos valores registados na medição da tensão arterial, o destino concreto era a Consulta Aberta de Hipertensão do Centro Hospitalar Universitário da Cova da Beira (CHUCB). É uma consulta de especialidade a que qualquer pessoa pode aceder sem necessidade de agendamento. «Esta facilidade que os utentes têm de irem logo ao hospital e terem logo aquela consulta... não podemos dizer que ficam fidelizados à consulta, mas ficam logo comprometidos em resolver aquele problema, porque vêem de imediato que alguém está a tratar dele», justifica o farmacêutico.


O cardiologista Carvalho Rodrigues valoriza a capacidade dos farmacêuticos comunitários para detectar casos de risco 

Os dados da Direcção-Geral da Saúde identificavam a Beira Interior como a zona do país com menor controlo da tensão arterial. «Isso levou-nos a alguma reflexão», explica Manuel de Carvalho Rodrigues, cardiologista que integra a equipa que criou a consulta aberta, «e concluímos que precisávamos de algo com acesso simples, fácil, rápido e sem burocracias». O projecto arrancou em Junho de 2020. O passo seguinte foi levar a boa nova aos doentes. Começaram pelos centros de saúde e, depois «alargámos também às farmácias da comunidade, sabendo nós que são locais de proximidade, que têm profissionais habilitados para o despiste deste problema e, pela dispersão geográfica, acabam por estar mais próximas e mais directamente ligadas aos doentes».


Se não tivesse sido referenciada pela farmácia para a consulta hospitalar, Ana Sofia Rocha admite que se teria automedicado

A parceria tem salvo vidas. Os doentes encaminhados pelas farmácias foram avaliados, iniciaram ou ajustaram a medicação, devolveram as pressões sistólica e diastólica aos valores de segurança, e regressaram ao seu dia-a-dia. Foi o caso de Ana Sofia Rocha, 39 anos, com hipertensão diagnosticada desde 2019. «Andava com a tensão mais ou menos controlada, mas em Abril deste ano, por força do trabalho e talvez destas coisas da COVID-19, senti que não estava a funcionar bem», lembra a técnica de contabilidade. Os números subiram, apesar da medicação. Incomodada pelas dores de cabeça, foi à farmácia «para saber se podia aumentar a dose de um dos medicamentos que tomava». Aconselharam-na a não mexer na medicação e encaminharam-na para a Consulta Aberta de Hipertensão. Três visitas ao médico e uma mudança de medicação depois, «está tudo novamente controlado».

O serviço vem preencher uma lacuna. Agendar consulta no centro de saúde «demora tempo e é complicado, porque não têm estado lá, ainda para mais neste contexto de pandemia. Provavelmente, tinha-me automedicado ou ido à urgência», conclui Ana Sofia.


O Centro Hospitalar Universitário da Cova da Beira prepara um protocolo com as farmácias 

O protocolo entre a Consulta Aberta de Hipertensão e as farmácias da região não é, na realidade, um protocolo. Não ainda, pelo menos. A primeira abordagem do CHUCB foi informal, mas eficaz. «Distribuímos uma espécie de cartões de visita pelas farmácias da região», explica Manuel de Carvalho Rodrigues. Os doentes começaram a chegar à consulta por indicação das farmácias. O cardiologista viu nisso o sinal para colocar a experiência no papel. O documento está em discussão, mas a relação continua. O hospital assegura feedback às farmácias quando o doente tem alta. Os canais de comunicação estão abertos, a informação flui e a farmácia pode assim reajustar o seu aconselhamento e garantir a adesão à nova terapêutica.


«É fácil falar com o farmacêutico, conhecemos as pessoas pelo nome», afirma Fernando Campos, da Farmácia Moderna, em Tortosendo

O combate à hipertensão é uma rotina das farmácias. Alexandrina Tavares, farmacêutica na Farmácia S. Cosme, no centro da Covilhã, refere que «não são só as medições da tensão, é todo trabalho de educação sobre alimentação, sobre hábitos de vida saudáveis, sobre medicação, sobre o facto da hipertensão ser uma doença na maioria das vezes silenciosa». Fernando Campos, farmacêutico-adjunto na Farmácia Moderna, em Tortosendo, lembra que «as farmácias intervêm nos factores de risco modificáveis e implementam estratégias de detecção precoce». 

A proximidade e a confiança das pessoas dão grande eficácia à intervenção farmacêutica. «Continuamos a conhecer as pessoas pelo nome, às vezes até de várias gerações, porque era aqui que pais e avós já tratavam da sua saúde», refere o farmacêutico de Tortosendo, «portanto, é mais fácil vir à farmácia e ficar à vontade para falar com o farmacêutico». 


Alexandrina Tavares, da Farmácia S. Cosme, recorda que as farmácias educam as pessoas contra a hipertensão por rotina

Todos os envolvidos – médicos, farmacêuticos, utentes – concordam: este é o caminho a seguir. Manuel de Carvalho Rodrigues lembra que «a maior causa de morte em Portugal continuam a ser as doenças cardio e cérebro-vasculares, em que a hipertensão arterial é o seu principal factor. Se queremos que isto mude, todos somos poucos para conseguir esta mudança». Alexandrina Tavares, da Farmácia S. Cosme, considera que «um consenso entre os profissionais de saúde permite uma melhor abordagem aos problemas dos doentes». João Paiva, da Farmácia Modelar, sintetiza a visão: «Não é o utente da farmácia ou o utente do hospital, é o utente do sistema de saúde, que está a ser acompanhado em sítios diferentes, por profissionais de saúde com valências complementares e que têm a obrigação de trabalhar em conjunto em benefício do utente».

O "utente" são pessoas como Adoração Marcos. Já foi à Consulta Aberta de Hipertensão duas vezes, fez o que a enfermeira e o médico lhe pediram, trouxe uma receita médica para tentar controlar o problema. «Ainda não fui levantar porque tem estado tanto calor e ainda me canso muito a andar. Mas amanhã de manhã vou», promete. «Logo que isto se resolva, volto às minhas caminhadas».
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