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8 fevereiro 2021
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de José Pedro Tomaz Fotografia de José Pedro Tomaz

Remédios personalizados

​​​​​Em Águeda, a Preparação Individualizada da Medicação passou a ser comparticipada.​

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Georgina e Elísio não conseguem gerir os medicamentos sozinhos

Georgina e Elísio sempre foram cidadãos activos. Depois de uma vida preenchida a dois, aos poucos a saúde começou a dar sinais de cansaço. Hoje, aos 77 anos, é com dificuldade que Elísio convive com três doenças crónicas: Alzheimer, Parkinson e demência.


A Preparação Individualizada da Medicação é uma ajuda preciosa para a cuidadora

Há dois meses, foi numa visita a Águeda que Isaura Martins, amiga de longa data, encontrou o casal desorientado, abatido e sem saber como gerir as desventuras que a idade lhes trouxe. Georgina conta 72 anos de uma boa disposição inabalável. Mas sozinha não conseguia cuidar do ma​rido, cada vez mais dependente na rotina diária.

Sem pensar duas vezes, Isaura trocou a estabilidade da vida familiar em Tondela pela missão de cuidar dos seus dois amigos, de quem guardava tão boas memórias. A experiência trouxe-a das duas décadas em que trabalhou como assistente num lar de idosos.

Agora, o seu dia-a-dia é passado a acompanhar Elísio para todo o lado: dar-lhe banho, preparar as refeições, fazer a caminhada diária e ver o tempo a passar do banco do jardim.

Aos fins-de-semana, quando é possível, o marido faz-lhe uma visita. Outras vezes é Isaura quem regressa a Tondela, levando consigo o casal. «Jamais os deixaria aqui sozinhos. Eles são a minha família».

Emocionada, Isaura fala da importância do auxílio que dá aos dois idosos. «A Dona Georgina também tem muitos problemas de saúde, faz diálise três vezes por semana e já não dava conta do recado». Elísio toma 12 comprimidos por dia. Somando a esses os medicamentos da esposa, o resultado é um acumulado de caixas, difícil de gerir para qualquer cuidador ou doente.

Na farmácia encontraram a solução. A Preparação Individualizada da Medicação (PIM) é um serviço farmacêutico criado para evitar falhas, duplicações, trocas e outros erros na toma de medicamentos.


Cada compartimento é preenchido com os medicamentos a tomar no horário indicado pelo médico

Os medicamentos já saem da farmácia organizados de acordo com a prescrição médica. Cada compartimento das caixinhas de plástico contém todas as cápsulas e os comprimidos para cada horário de medicação ao longo do dia. «Uma vez por semana vou à farmácia, trago o dispositivo e depois é só abrir o respectivo compartimento a cada refeição», explica Isaura.

Mais de metade dos doentes erra na toma de medicamentos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. As falhas diminuem o efeito terapêutico dos medica​​mentos e o controlo das doenças. Nalguns casos, causam problemas de saúde graves que requerem hospitalização urgente e podem conduzir à morte.


«Socorremos muitas pessoas por intoxicação medicamentosa», conta o bombeiro Franco Lourenço, que trabalha numa ambulância do INEM

As equipas do INEM são frequentemente chamadas por causa de problemas destes. O bombeiro Franco Lourenço já perdeu a conta às vezes em que levou ao hospital doentes descompensados pela má toma da medicação. «Há muitos idosos carenciados, alguns que nem sequer sabem ler», relata este operacional que presta serviço ao INEM. «Temos muitas situações de intoxicação medicamentosa ou de doentes que se sentem mal. Por exemplo, os hipertensos», descreve.


Muitos utentes da Farmácia Amaral são polimedicados. Precisam de ajuda para evitar erros que podem ser graves

Águeda é um concelho cada vez mais bipolar. A população mais jovem e adulta concentra-se na cidade, a trabalhar em grandes empresas ou na indústria, maioritariamente metalúrgica. Em contraste, nas freguesias rurais há cada vez mais idosos, muitos deles a viver sozinhos. «A grande maioria dos nossos utentes são polimedicados», afirma Ricardo Rodrigues, director-técnico da Farmácia Amaral. «Alguns chegam a fazer doze ou treze tratamentos diferentes e têm muita dificuldade em lidar com isso», descreve o farmacêutico.


A Farmácia Nova tem robô e Preparação Individualizada da Medicação

As equipas das farmácias detectam muitos casos de doentes a tomar comprimidos repetidos, fora de horas, muitas vezes nas dosagens erradas. Para combater este flagelo, já há três anos que a Farmácia Nova, localizada no centro de Águeda, começou a tratar da PIM para vários utentes da zona. A Câmara Municipal decidiu há meses comparticipar o serviço, para que possa chegar com facilidade aos munícipes, mesmo aos mais pobres. «Vamos poder proporcionar este serviço a mais pessoas. O que é uma grande vantagem, não só para os doentes como para os cuidadores», afirma a directora-técnica da Farmácia Nova.


A personalização da medicação tranquiliza doentes e cuidadores

Rosa Cerveira acredita que, na correria do dia-a-dia, nem sempre os filhos têm o tempo que gostariam para dedicar aos pais. «A PIM dá-lhes alguma tranquilidade, porque sabem que a medicação está a ser feita correctamente». E garante que é um orgulho fazer parte deste momento histórico em que Águeda passou a ser o primeiro município do país a comparticipar o serviço aos utentes carenciados.

O protocolo assinado em Agosto entre a Câmara Municipal de Águeda e a ANF abrange doentes crónicos ou idosos, identificados pelo centro de saúde e pelas farmácias. O serviço tem um custo semanal de cinco euros, que pode ser financiado até 100 por cento pelo município, em função da condição socioeconómica do beneficiário.


«Erros na medicação agravam a doença e a despesa», afirma António Almeida

António Almeida é um dos utentes que vão aproveitar a PIM para o pai, doente polimedicado com 91 anos. «Com tantas caixas, nem sempre temos a certeza se ele tomou os medicamentos, muito menos à hora certa». O ex-professor do ensino primário acredita que a toma incorrecta da medicação é um factor de agravamento de doença e de aumento de despesas.

 Paula Madeira passou anos ansiosa por não saber se os pais tomavam a medicação certa à hora certa. «Eu costumava ter umas caixas semanais onde organizava os comprimidos», conta. Aos domingos à tarde, chegava a passar duas horas à volta dos medicamentos – sempre com medo de se enganar. Quando lhe apresentaram a PIM, não hesitou. «E foi a melhor coisa que podia ter feito», avalia a cuidadora, de 56 anos.


«Há muitas famílias carenciadas, em que pais e filhos são doentes crónicos», alerta a enfermeira Eva

A enfermeira Eva Guimarães destaca a vantagem do serviço para os doentes crónicos. Actualmente a exercer funções enquanto membro da Direcção da Associação Fermentelense de Assistência a Crianças e Pessoas de Terceira Idade, Eva conhece bem a realidade em que vivem muitas famílias da pequena freguesia de Fermentelos.

«Temos muitas famílias carenciadas, em que pais e filhos são doentes crónicos», explica. «As reformas são pequeninas e é maravilhoso que esse serviço seja comparticipado, para
que possam ter dinheiro para comprar os medicamentos de que precisam». A enfermeira de 64 anos acredita que esta é a única forma de garantir que os utentes estão a cumprir a tabela terapêutica.

Numa instituição encarregada de cuidar dos mais debilitados, a medicação é uma prioridade. Por isso, com a ajuda da Farmácia Santil, muitos doentes no lar de dia estão já a usufruir da PIM, o que facilita a correcta toma dos medicamentos, mesmo quando voltam a casa. «Se os fármacos não forem tomados a horas e na dose certa, notamos logo a diferença».


Bárbara Ramalho lembra que erros de medicação podem ser fatais

Bárbara Ramalho é uma das farmacêuticas que auxilia o lar nessa preparação. Numa terra maioritariamente rural, ao balcão da farmácia Bárbara vê passar muitos utentes idosos e com algum grau de dependência. «Muitas vezes reparamos que as pessoas vêm buscar um certo tipo de medicação depois de terem levantado algo semelhante há uns dias», conta.

A profissional de 27 anos espera que a iniciativa do município possa ajudar a evitar duplicações, garantindo a continuidade do tratamento. E recorda que são muitas as situações em que a toma do medicamento errado pode ter consequências graves na saúde das pessoas. «Uma falha ou uma duplicação pode ser fatal», avisa.


Ricardo Correia de Matos destaca a importância do envolvimento de uma equipa multidisciplinar, que une farmácias, autarquia e SNS

«A evidência científica mostra-nos que a eficiência do medicamento advém em grande parte da correcta adesão à terapêutica», reforça Ricardo Correia de Matos, presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros. Essa evidência, sublinha, mostra que é necessária uma resposta integrada entre os vários profissionais de saúde, de modo a atingir o grau ideal de eficácia. «É bom perceber que as autarquias, enquanto elemento essencial do sector da Saúde, conseguem já montar uma resposta com as farmácias, em articulação com o SNS». 

O também presidente da Delegação de Águeda da Cruz Vermelha Portuguesa acredita que Águeda está no caminho certo para a promoção da saúde, à semelhança do que já acontece no estrangeiro. «Esta integração multidisciplinar é vista por serviços nacionais de saúde mais evoluídos do que o nosso como algo fundamental e com resultados excelentes», frisa.


«A comparticipação municipal do serviço farmacêutico põe o doente no centro do SNS», afirma o farmacêutico Pedro Marques

​​«Tudo o que ajude a melhorar a qualidade de vida é  o primeiro passo para o futuro», acrescenta Pedro Marques, presidente da Junta de Freguesia de Macinhata do Vouga. Orgulhoso do exemplo que a sua cidade está a dar ao país, o farmacêutico explica que este projecto foi um esforço conjunto das farmácias do concelho e do presidente da Câmara Municipal, Jorge Almeida, enfermeiro com muitos anos de experiência no terreno. «Esta é uma iniciativa que põe o doente no meio de tudo, no centro do SNS. E é assim que tem de ser», remata. «Não há outro caminho».

 

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