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22 agosto 2022
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Eduardo Martins Fotografia de Eduardo Martins Vídeo de Nuno Santos Vídeo de Nuno Santos

Pintada de oliveiras

​​​​​​Quem Mirandela mirou, em Mirandela ficou.​

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​Do Parque do Império, a ponte medieval de Mirandela reflete-se nas águas límpidas do Tua. Monumento nacional desde 1910, a ponte pedonal convida a um passeio prolongando, com vista privilegiada para o centro da cidade. Quando o toque do sino chama, o topo da igreja matriz emerge entre os edifícios, imponente. E a esplanada junto ao rio enche-se de mirandelenses, prontos para começar o dia, alheios ao frio das manhãs de inverno.


A Ponte Velha convida a passeios demorados com vista para o Tua

Situado na margem esquerda, o Museu da Oliveira e do Azeite nasceu em 2017 nas instalações da antiga Moagem Mirandelense. O objetivo, segundo a responsável, Palmira Felgueiras, é «preservar e dinamizar a identidade do azeite», transmitindo a importância histórica do produto no concelho.

Segundo Palmira Felgueiras, o Museu da Oliveira e do Azeite pretende «preservar e dinamizar a identidade» do produto na região

​A visita arranca na sala do lagar, dedicada ao processo produtivo do azeite. Do moinho de galgas, usado para triturar a azeitona, até às prensas hidráulicas, destinadas à prensa- gem do azeite, há peças com mais de 100 anos que guiam o visitante pelas diferentes fases de produção.


O Museu da Oliveira e do Azeite nasceu em 2017, nas instalações da antiga Moagem Mirandelense

Depois da passagem pela zona de laboração e transformação da azeitona, a viagem culmina na sala de exposição, onde as diferentes utilizações do azeite ganham destaque. Da coleção fazem parte peças das principais áreas, que vão desde a gastronomia até à indústria farmacêutica.

«Há uma história interessante por detrás deste edifício», começa por contar o farmacêutico João Sá. O atual Museu da Oliveira e do Azeite era a antiga moagem de farinhas do seu avô. O projeto cultural foi impulsionado pelo seu tio, Roger Teixeira Lopes, cujo nome batizou também o auditório do espaço.

Natural do Porto, mas a viver em Mirandela desde tenra idade, o farmacêutico-adjunto da familiar Farmácia da Ponte confessa-se orgulhosamente mirandelense e apaixonado pela cidade. «Há um ditado popular que diz: “Quem Mirandela mirou, em Mirandela ficou”, e realmente há qualquer coisa que nos prende a este lugar e às suas gentes», afirma. Nos passeios pelo centro, a cada esquina é interpelado por alguém que lhe deseja um “bom dia” ou trocar dois dedos de conversa. Na profissão, é o carinho pelas pessoas que o faz querer estar sempre um passo à frente no serviço à comunidade. «O meu objetivo é acrescentar algo a esta terra que me deu tanto».


Quando o sol se põe, a fonte luminosa do Parque do Império ganha vida

Além do serviço de testagem, João destaca o papel da Farmácia da Ponte na vacinação contra a gripe, cuja articulação com as restantes farmácias do concelho permitiu chegar aos utentes mais necessitados. O mesmo aconteceu com o protocolo de testagem nas escolas públicas.

«Unimo-nos sempre em prol dos mirandelenses», explica, acrescentando que o trabalho passa também pela colaboração com associações de solidariedade locais.

No caminho até à aldeia de Jerusalém do Romeu, a paisagem pinta-se com o verde das oliveiras. O olival com mais de 500 anos de história denuncia a importância da indústria do azeite em Mirandela e a sua forte representação na economia local. De acordo com João Sá, uma das oliveiras mais antigas de Portugal está precisamente noutra aldeia do concelho. «É uma árvore que se estima ter mais de mil anos».


No Largo da Paz, as casas de pedra preservam a memória da aldeia

Para  encontrar  o  restaurante Maria Rita, basta seguir as várias setas que indicam a aproximação a Jerusalém do Romeu. No Largo da Paz, pitorescas casas de pedra preservam a memória da aldeia. Entre elas, a antiga estalagem da dona Maria Rita impõe-se.


A história do restaurante Maria Rita remonta ao século XIX

A história começa em 1874, com o empresário Clemente Meneres. «Diz-se que ele teria vindo a Trás-os-Montes em busca de negócios quando encontrou esta casa», conta o farmacêutico de 46 anos. Ali comeu, pela primeira vez, um bacalhau assado com pão negro de centeio.

Encantado com o que viu, depois do falecimento da proprietária decidiu adquirir a casa e transformá-la naquele que é, até aos dias de hoje, o restaurante mais conceituados da região.

Nas salas grandiosamente decoradas de quadros, rústicas cadeiras de assentos aveludados e candeeiros dourados, as mesas postas aguardam a troca de conversas e petiscos. A lareira acesa, a reconfortar o espaço, faz lembrar os serões em família.

«Aquilo que se vê hoje é o mesmo que eu vi há 40 anos, quando lá entrei pela primeira vez», recorda. «As salas são as mesmas e o próprio menu não mudou». A carta enverga os mais típicos pratos transmontanos, cozinhados à moda da casa, com receitas que têm passado de geração em geração, ao longo das décadas.

A açorda de espargos bravos, a sopa seca, a feijoca à transmontana e o bacalhau à Romeu são algumas das iguarias. Para entrada, o pão molhado no azeite da casa e os tostadinhos de alheira são as recomendações do conterrâneo João Sá. «Mas não vão privados de tempo», aconselha. «O Maria Rita é para desfrutar».


O grandioso Paço dos Távoras acolhe a Câmara Municipal de Mirandela​

Mirandela é tradição, autenticidade e família. Os mesmos conceitos guiam Tiago Ribeiro, gerente da marca Alheiras Angelina. A unidade de produção, aberta pelos pais em 1994, está nas suas mãos há cerca de 20 anos. «Infelizmente, em 2002 perdemos a minha mãe. Angelina era o nome dela e, por consequência, o da minha filha».

Depois de duas grandes restruturações, o negócio de família produz diariamente entre 15 e 20 mil alheiras, cobrindo todo o território nacional e parte da Europa. As receitas originais da mãe foram aprimoradas, dando origem a uma vasta gama de alheiras.


«No início está sempre o pão», garante o gestor da marca Alheiras Angelina

«Eu costumo dizer que no início está sempre o pão», explica o gestor de 39 anos. «Se não tivermos um bom pão, nunca vamos ter uma boa alheira». Por isso, as instalações dispõem de uma padaria, onde o pão é produzido utilizando ingredientes que lhe conferem a textura ideal. Depois de 72 horas em repouso, o pão é fatiado e mergulhado na água de cozedura das carnes, sempre desfiadas à mão. A alheira, enchida com uma mistura entre os dois componentes, passa de seguida para a “estufa”, onde a fumagem é feita de forma natural, com lenha. Na sala de estabilização, o produto fica a maturar durante mais 14 horas, antes de ser embalado.

No expositor da loja, além da alheira Angelina há alheira de presunto, de aves e de caça. «E, claro, a rainha da festa, que é a alheira de Mirandela IGP [Indicação Geográfica Protegida]», afirma Tiago.


A Alheira de Mirandela é uma das “7 Maravilhas da Gastronomia” portuguesa

A iguaria, considerada uma das “7 Maravilhas da Gastronomia” portuguesa, diferencia-se das restantes por garantir o cumprimento de um rigoroso caderno de encargos, com incorporação obrigatória de carne de porco bísaro e azeite de Trás-os-Montes DOP [Denominação de Origem Protegida].

«Além de serem o motor da nossa economia, as alheiras fazem parte da identidade mirandelense», sublinha o farmacêutico João Sá, garantindo que em Mirandela cada família tem a sua própria receita.

Na cidade onde a tradição é rainha, a gastronomia é a desculpa perfeita para os encontros demorados à mesa. Mas, para conhecer verdadeiramente Mirandela, é preciso passear a pé pelas ruas do centro, atravessar a Ponte Velha e fazer-se à estrada, contemplando o verde dos olivais.

«A oliveira representa um bocadinho o transmontano. É uma árvore dura, resistente. Dá-se no sol difícil e no inverno frio». E cresce sem pressas. «Porque o tempo aqui passa mais devagar».​
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