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3 março 2022
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Eduardo Martins Fotografia de Eduardo Martins Vídeo de Nuno Santos Vídeo de Nuno Santos

À sombra das oliveiras

​​​​Em Mirandela o tempo passa mais devagar.​

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Do Parque   do   Império, a ponte medieval de Mirandela reflete-se nas águas límpidas do Tua. Monumento nacional desde 1910, a ponte pedonal convida a um passeio prolongando, com vista privilegiada para o centro da cidade. Quando o toque do sino chama, o topo da Igreja Matriz emerge entre os edifícios, imponente. E a esplanada junto ao rio enche-se de mirandelenses prontos para começar o dia, alheios ao frio das manhãs de inverno.


Também conhecida como ponte medieval de Mirandela, a Ponte Velha é uma das maiores atrações da cidade

Situado na margem esquerda do rio, o Museu da Oliveira e do Azeite nasceu em 2017 nas instalações da antiga Moagem Mirandelense. O objetivo, segundo a responsável, Palmira Felgueiras, é «preservar e dinamizar a identidade do azeite», transmitindo a importância histórica do produto no concelho.


A sala do lagar, dedicada ao processo produtivo do azeite, tem peças centenárias

A visita arranca na sala do lagar, dedicada ao processo produtivo do azeite. Do moinho de galgas, usado para triturar a azei- tona, até às prensas hidráulicas, destinadas à prensagem do azeite, há peças com mais de 100 anos que guiam o visitante pelas diferentes fases de produção.

Depois da passagem pela zona de laboração e transformação da azeitona, a viagem culmina na sala de exposição, onde as diferentes utilizações do azeite ganham destaque. Da coleção fazem parte peças das principais áreas, que vão desde a gastronomia até à indústria farmacêutica.

O elegante pátio da oliveira capta a essência da natureza no interior de um espaço urbano. «Permite-nos relaxar na presença de uma das mais tradicionais árvores da nossa região, que é a verdeal transmontana», descreve Palmira Felgueiras.

«Há uma história interessante por detrás deste edifício», começa por contar João Sá, farmacêutico-adjunto na Farmácia da Ponte. O atual Museu da Oliveira e do Azeite era a antiga moagem de farinhas do seu avô. O projeto foi impulsionado pelo seu tio, Roger Teixeira Lopes, cujo nome batizou também o auditório do espaço.


Jerusalém do Romeu é um ponto de paragem obrigatório nas visitas a Mirandela

No caminho até à aldeia de Jerusalém do Romeu, a paisagem pinta-se com o verde das oliveiras. O olival com mais de 500 anos de história denuncia a importância da indústria do azeite em Mirandela e a sua forte representação na economia local. De acordo com João Sá, uma das oliveiras mais antigas de Portugal está precisamente noutra aldeia do concelho. «É uma árvore que se estima ter mais de 1.000 anos».

Para encontrar o restaurante Maria Rita, basta seguir as várias setas que indicam a aproximação a Jerusalém do Romeu. No Largo da Paz, pitorescas casas de pedra preservam a memória da aldeia. Entre elas, a antiga estalagem da dona Maria Rita impõe-se.

A história começa em 1874, com o empresário Clemente Meneres. «Diz-se que ele teria vindo a Trás-os-Montes em busca de negócios quando encontrou esta casa», conta o farmacêutico de 46 anos. Ali comeu, pela primeira vez, um bacalhau assado com pão negro de centeio. Encantado com o que viu, depois do falecimento da proprietária decidiu adquirir a casa e trans- formá-la naquele que, até aos dias de hoje, é um dos restaurantes mais conceituados da região.


No restaurante Maria Rita, as mesas postas aguardam a partilha de conversas e petiscos

Nas salas grandiosamente decoradas de quadros, rústicas cadeiras de veludo vermelho e candeeiros dourados, as mesas postas aguardam a troca de conversas e petiscos. A lareira acesa, a reconfortar o espaço, faz lembrar os serões em família.

«Aquilo que se vê hoje é o mesmo que eu vi há 40 anos, quando lá entrei pela primeira vez», recorda. «As salas são as mesmas e o próprio menu não mudou». A carta enverga os mais típicos pratos transmontanos, cozinhados à moda da casa, com receitas que têm passado de geração em geração, ao longo das décadas.

A açorda de espargos bravos, a sopa seca, a feijoca à transmontana e o bacalhau à Romeu são algumas das iguarias. Para entrada, o pão molhado no azeite da casa e os tostadinhos de alheira são as recomendações do conterrâneo João Sá. «Mas não vão privados de tempo, o Maria Rita é para desfrutar», aconselha.


«O meu objetivo não é ser grande, mas sim ser bom naquilo que faço», comenta Tiago Ribeiro, gerente da marca Alheiras Angelina

Mirandela é tradição, autenticidade e família. Os mesmos conceitos guiam Tiago Ribeiro, gerente da marca Alheiras Angelina. A unidade de produção, aberta pelos pais em 1994, está nas suas mãos há cerca de 20 anos. «Infelizmente, em 2002 perdemos a minha mãe. Angelina era o nome dela e, por consequência, o da minha filha».

Depois de duas grandes restruturações, o negócio de família produz diariamente entre 15 e 20 mil alheiras, cobrindo todo o território nacional e parte da Europa. As receitas originais da mãe foram aprimoradas, dando origem a uma vasta gama de alheiras.


Um dos segredos das Alheiras Angelina é o pão, de produção própria

«Eu costumo dizer que no início está sempre o pão», explica o gestor de 39 anos. «Se não tivermos um bom pão, nunca vamos ter uma boa alheira». Por isso, as instalações dispõem de uma padaria, onde o pão é produzido utilizando ingredientes que lhe conferem a textura ideal.

Depois de 72 horas em repouso, o pão é fatiado e mergulhado na água de cozedura das carnes, sempre desfiadas à mão. A alheira, enchida com uma mistura entre os dois componentes, passa de seguida para a “estufa”, onde a fumagem é feita de forma natural, com lenha. Na sala de estabilização, o produto fica a maturar durante mais 14 horas, antes de ser embalado.

No expositor da loja, além da alheira Angelina há alheira de presunto, de aves ou de caça. «E, claro, a rainha da festa, que é a alheira de Mirandela IGP [Indicação Geográfica Prote- gida]», afirma Tiago.

A iguaria, cartão de visita da cidade, diferencia-se das restantes por garantir o cumprimento de um rigoroso caderno de encargos, com incorporação obrigatória de carne de porco bísaro e azeite de Trás-os-Montes DOP [Denominação de Origem Protegida].

«Além de serem o motor da nossa economia, as alheiras fazem parte da identidade mirandelense», recorda o farmacêutico João Sá, garantindo que em Mirandela cada família tem a sua própria receita.

Na cidade onde a tradição é rainha, a gastronomia é a desculpa perfeita para os encontros demorados à mesa. Mas, para conhecer verdadeiramente Mirandela, tem de se passear a pé pelas ruas do centro, atravessar a Ponte Velha e fazer-se à estrada, contemplando o verde dos olivais. «A oliveira representa um bocadinho o transmontano. É uma árvore dura, resistente. Dá-se no sol difícil e no inverno frio». E cresce sem pressas. «Porque o tempo aqui passa mais devagar».


No final do dia, as docas do rio Tua são ponto de encontro dos jovens mirandelenses


 

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