Estamos no estúdio onde trabalha, em Almada, perto da rua onde cresceu. Como foi ser criança e jovem aqui?
Tenho bastantes memórias felizes daqui. Era uma zona de classe média, muito diversificada, que tinha muito pessoal das ex-colónias, de Cabo Verde e de Angola. Eram dias inteiros passados na rua, a brincar aos polícias e ladrões. Havia quem fizesse corridas no chão com caricas ou berlindes. E ainda havia os raides às árvores de fruto, a famosa “ir à chincha”.
E na adolescência?
Aí já começámos à procura de outras coisas fora daqui, porque, há 30 anos, Almada era mais uma cidade-dormitório do que outra coisa.
Sentia-se a distância para Lisboa?
Sentia-se. Apesar de estarmos muito perto, temos o rio a separar. E havia um estigma em relação à margem sul ― que ainda há um bocado ― a nível cultural. Faltavam coisas e nós começámos a procurar mais Lisboa para sair à noite e ver concertos. Mesmo o cinema de autor, não tínhamos cá, e em Lisboa havia os cinemas King e Quarteto. Tinha de sair daqui para ter acesso a esses filmes. Portanto, aqui sentíamos que ficava curto.
Essa falta de oferta contribuiu para fazer o caminho até à criação musical? Afinal, era preciso inventar formas de ocupar o tempo.
Foi muito por aí. Eu até costumo parafrasear a Björk, que dizia que, na Islândia, não havia nada para fazer além de sexo e música, e por isso ela fazia muito de ambos. E aqui, realmente, ou jogavas à bola, que nunca foi uma coisa que fizesse, ou não havia muito mais como ocupar o tempo. Tínhamos de inventar um bocado e começámos a fazer música.
Quando é que tiveram a perceção do impacto dos Da Weasel?
Quando tocámos no Festival Sudoeste, na Zambujeira do Mar, em 1997. Fomos substituir alguém à última hora. Tinha acabado de sair o “3º Capítulo” (segundo LP da banda), com o “Dúia” e o “Todagente” como singles. Chegámos lá e a coisa correu bem. Viu-se que o pessoal estava ligado. Naquele momento, a tocar para aquela imensidão de gente, pensámos «isto é capaz de realmente funcionar».
Mesmo assim, só mais tarde conseguiram todos viver da música.
Só depois de 2000 é que o pessoal foi começando a largar os empregos que tinha. Foi por essa altura que se conjugou tudo: público e crítica.
A carreia dos Da Weasel foi-se solidificando até ao fim súbito da banda, no final de 2010, sem explicações aos fãs.
E também não vai ser hoje [risos].
Após esse fim, passou-lhe pela cabeça parar de fazer música?
Passou. Passou, mas não consegui. Foi mais forte do que eu, mas também dediquei-me a coisas que partiam de uma premissa diferente daquilo que tinham sido os Da Weasel. Eram coisas para 30, 50 pessoas, como o projeto Algodão. Os Dias de Raiva já seria para umas 100 ou 200, mas coisas muito pequenas. Mais tarde, com os 5-30, percebo que estava confortável em fazer coisas para um público mais alargado e que tinha acabado a pausa.
O fim dos Da Weasel coincide com o nascimento da sua primeira filha.
Foi muito bom, um privilégio poder estar muito presente naquela que foi a minha primeira experiência como pai e acompanhar praticamente tudo e mais alguma coisa, algo que já não consegui fazer tanto com a mais nova.
As suas filhas têm noção do impacto que o pai teve e tem na cultura portuguesa nos últimos 30 anos?
A mais velha, que está com 12 anos, tem bastante noção daquilo que o pai, enquanto Carlão, é e significa. Sempre foi fã da música e vai atrás, o que é fixe.
Para além do criador, vimos surgir, nos últimos anos, outra faceta do Carlão: a de mentor, no “The Voice Kids”.
Ainda ponderei um bocado antes de aceitar. Não sabia muito bem como ia funcionar e a verdade é que tem sido uma experiência muito boa. Há uma ingenuidade incrível da parte de alguns miúdos, uma vontade e uma coragem que eu não tinha com aquela idade.
E também talento...
Vês ali miúdos assustadores! Tens ali vozes e sensibilidades artísticas surpreendentes. E os gostos que já demonstram! Não estava nada à espera.
Esse papel de mentor é também fruto da experiência acumulada. Aos 47 anos, a idade já pesa?
Pesa, pesa. Para algumas coisas boas e outras menos boas. Nos últimos anos, tenho tido mais cuidado em relação ao que como. Faço algum exercício também. Dormir é importante. E tento relativizar um bocado. Há uns anos comprava muitas guerras, ia a todas. Atualmente tento focar-me naquilo que vale realmente a pena.
Como voltar aos palcos com Da Weasel...
Sim, marcámos esse concerto (originalmente agendado para o NOS Alive 2020, mas realizado apenas em 2022) na altura em que as coisas se alinharam para isso. Sentíamos que devíamos isso a nós próprios e também a um público que sempre nos acarinhou e, de um momento para o outro, a coisa acabou e não houve uma despedida. Foi um concerto que correu muito bem.
E com as filhas a assistir...
Sim. Para mim, foi das coisas mais incríveis. Foi giro elas conhecerem ali um pai que não conheciam, porque tudo aquilo aconteceu antes de terem nascido. E poder estar a dar aquele concerto e ter aquelas duas miúdas a curtirem bué e com aquele sorriso, nunca imaginei que pudesse ser tão recompensador.
Os Da Weasel têm um concerto anunciado para 2023. É sinal do regresso em pleno aos palcos e ao estúdio?
Nós estamos um bocado a navegar à vista. Marcámos o concerto no NOS Alive, acabámos por marcar outro, mas, ao dia de hoje, não há previsão de mais nada. E estou a ser muito honesto. Eu não estou, e acho que ninguém está, a pensar em ir para estúdio fazer um disco de Da Weasel. Agora, há seis anos dir-te-ia que o regresso dos Da Weasel não iria acontecer, e aconteceu, portanto...
E a solo, o que reserva 2023 para o Carlão?
Um EP, se tudo correr bem. Vivemos numa altura muito descartável e o paradigma da edição discográfica mudou. Aquele conceito de álbum que eu cresci a ouvir, há cada vez menos. Lanças uma coisa e, passadas duas semanas, as pessoas já estão ligadas noutra. O EP, com cinco ou seis músicas, é um compromisso bom.
O que lhe falta fazer na vida?
Falta-me fazer muita música, viajar um bocado, escrever um livro. Falta-me este processo todo da paternidade, que é, enquanto cá andar, estar ali a ajudar as miúdas. E tirar a carta de condução.