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29 outubro 2021
Texto de Paulo Martins Texto de Paulo Martins Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira Vídeo de Hugo Costa Vídeo de Hugo Costa

O «descobridor» dos judeus de Belmonte

Samuel Schwartz revelou a história dos "judeus secretos" da vila.​​​​

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​Certo dia, talvez em 1917, um comerciante abeirou-se dele e desaconselhou-o, discretamente, a fazer compras na loja de um concorrente. Deve ter sussurrado qualquer coisa como: «É judeu!». Nesses tempos da I República em agitação permanente, a existência de uma comunidade judaica em Belmonte só seria segredo fora de portas. E, aí, era mesmo! Samuel Schwarz ficou com a pulga atrás da orelha. E quando começou a puxar o fio às perguntas, percebeu que os judeus negavam a sua condição. 

Engenheiro de minas polaco a trabalhar na vizinha exploração de estanho de Bica da Gaia, ele próprio judeu, mergulhou a fundo na pesquisa dos marranos de diversas regiões. Chegou a ter de pronunciar a palavra hebraica adonai – que significa “Meu Senhor”, referindo-se a Deus – para remover desconfianças. “Os cristãos novos em Portugal no século XX”, obra que publicou em 1925, tornou-se um clássico, fonte obrigatória para investigadores do criptojudaísmo. O levantamento de práticas religiosas e culturais que efectuou contribuiria decisivamente para a chamada “obra de resgate”, em que se envolveu Barros Basto, militar português também de origem judaica, empenhado em despertar no seu povo o orgulho de pertença. 

Os desejos que Samuel Schwarz exprimiu em 1926, num artigo de jornal, só foram satisfeitos muitos anos após a sua morte, em 1953: nasceu uma sinagoga e o seu nome entrou na toponímia de Belmonte, no largo que preserva um dos vestígios mais importantes da presença judaica, a Laje do Sebo. Distinção adequada a quem revelou a história dos “judeus secretos” da vila.  

Valha a verdade que, sobretudo no negro período da Inquisição, não faltavam aos judeus justificações para manterem o culto longe de olhares alheios. Embora não haja registo de autos de fé envolvendo belmontenses, nos arquivos da Torre do Tombo estão depositados 59 processos movidos contra judeus naturais ou residentes no concelho. Impelida para o fechamento – e até uma certa endogamia, já que eram raros os casamentos mistos – a comunidade beneficiaria, ainda assim, de discretas cumplicidades. O Museu Judaico conta a história de Isabel Rodrigues, que em 1604, perante o Tribunal do Santo Ofício, perguntou por que a prendiam, se em Belmonte «clérigos e juízes conhecem os judeus e não nos vão à mão nem nos estranham». 

«Não é fácil falar da história da Comunidade Judaica de Belmonte, porque há aspectos que se foram perdendo», admite Elisabete Manteigueiro, funcionária da Empresa Municipal de Promoção e Desenvolvimento Social, durante uma visita guiada ao museu. Parece evidente, porém, que essa história foi feita de tolerância. «Há uma convivência muito sã e saudável, aqui na nossa região, entre judeus e não judeus», afiança o vice-presidente da Comunidade Judaica. Questionado sobre o judaísmo ortodoxo, que ali se pratica, João Diogo é directo: «Não se trata de radicalismo, nem pouco mais ou menos. Trata-se de cumprir rigorosamente aquilo que está estipulado na lei judaica».  

As marcas do judaísmo saltam à vista, tanto em actividades económicas como no edificado. A Casa da Judiaria comercializa produtos alimentares, porcelana e bijuteria judaica. O Belmonte Sinai Hotel, inaugurado em 2016, apresenta-se como primeiro hotel kosher do país. A Rádio Judaica Portuguesa emite via internet para todo o mundo, a partir de Belmonte. Em várias artérias, vestígios do passado estão identificados por sinalética pela Rede de Judiarias de Portugal. 

O património de convivência pacífica entre diferentes tem vindo a ser salvaguardado em eventos como a Festa das Luzes (Hanukkah, em hebraico), única celebrada em conjunto por judeus e não judeus, na qual o candelabro de nove braços instalado na Rua Heróis da Independência adquire enorme simbolismo. Da edição de 2019 da festa, ficou o Paz de Belmonte, um mural artístico do colectivo catalão Reskate Arts & Crafts, que através de sistemas de iluminação convertia ramos de oliveira em mãos entrelaçadas.

 
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