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30 junho 2022
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Mário Pereira e Pedro Loureiro Fotografia de Mário Pereira e Pedro Loureiro Vídeo de André Oleirinha Vídeo de André Oleirinha

No coração de reis

​​​​​​​​​​​​​​​São Martinho do Porto, Coz e Alcobaça: a magia das terras amadas pela monarquia.

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Do topo de uma escarpa de Salir do Porto, avista-se a concha perfeita que afamou São Martinho como destino de veraneio do Oeste. Formada pelas águas do rio Tornada que aqui encontram o Atlântico, a baía aparece ligada ao oceano por um canal guardado por duas arribas gigantes. Na mais próxima, à esquerda, fica a Capela de Santana. «Era ali que as mulheres dos pescadores iam despedir-se dos seus homens quando partiam para o mar», explica a veterinária Ana Paula Santos.

A dança do vento e o canto de uma ou outra rola compõem a orquestra sonora no miradouro de Salir. Não foi à toa que Ana Paula, nascida nas Caldas da Rainha, mas criada em São Martinho do Porto, fez questão de mostrar a baía de tão privilegiado ponto. 

​​A visão é um presente da Natureza, que se aprimorou nesta terra de pescadores. Até na paleta de cores. O azul forte do mar em contraponto com o quase transparente do céu, os castanhos a vários tons das arribas, a festa de verdes da vegetação ou o amarelo da areia, a envolver a baía num círculo quase completo. ​

Tamanha beleza entrou no coração do rei. Assim a elogiou o primeiro monarca português, D. Afonso Henriques: «Tenho viajado muito em Portugal e no estrangeiro, mas não conheço nada mais lindo do que São Martinho do Porto».​ A areia é uma das surpresas reservadas a quem chega, e não propriamente a da praia. Ainda em Salir, junto à foz do Tornada, fica a maior duna do país. Metros e metros, até ao cimo da arriba. «Não tenho os metros contados», comenta Ana Paula, «mas está muito mais pequena do que quando eu era criança».​​


Crianças e adultos aventuram-se pela montanha de areia acima, só para rebolar 

Escalou-a vezes sem conta. «Cresci a subir a duna dez vezes seguidas», conta, a rir. Apenas para se deixar cair. «É giríssimo vir a rebolar até cá abaixo». Algumas crianças fazem precisamente isso nesta manhã. Pontinhos no amarelo não tardam a atingir o topo e a rebolar até ao sopé da montanha de areia, só para repetir a façanha. Há também adultos, mas deixam-se ficar lá em cima.​​​

«Adoro viver aqui», exclama Ana Paula. Por isso, voltou a casa depois de tirar o curso e de algumas experiências no estrangeiro, já lá vão 30 anos. No passadiço que dá acesso à praia-baía, cruzam-se caminhantes matutinos, alguns com cães. Todos param para cumprimentar a veterinária.

Vêem-se famílias com crianças pequenas. Riem e chapinham na água dourada. «A baía não tem perigo nenhum em ondulação, dá para ter uma criança sem ter de estar com grandes cuidados», explica Ana Paula.​​

​​​Do outro lado da barra, fica o cais de São Martinho. No final, meio escondida, outra surpresa: o túnel, a ligação da enseada ao mar alto. Nas rochas costumam estar pescadores de polvos e navalheiras. Noutros dias substituem-nos ciclistas e estrangeiros curiosos.



Se tivesse de escolher um lugar seria este, confessa Ana Paula. «Esta zona é mística para mim. O meu avô trazia-me»


Ao longe, avistam-se as ilhas das Berlengas, entrecortadas no mar azulíssimo. Se tivesse de escolher um lugar da sua terra seria este, confessa Ana Paula. «Esta zona é mística para mim. O meu avô trazia-me. Ele ia à pesca e eu ficava a brincar nas rochas, às vezes horas».

Junto ao cais, a rua dos cafés começa a encher. As esplanadas animam-se de conversas e manjares, ou não fosse esta terra de bom peixe, vinho e doçaria conventual.

Mais um ziguezague, com as antigas casas senhoriais pelo caminho, e chega-se ao Facho, outro penedo imponente sobre a paisagem. «Ninguém vem a São Martinho sem ver o Facho».

Com vista sobre a barra e sobre o portão da concha para o mar, a montanha debruça-se, também ela altiva sobre o Atlântico. Um aventureiro que acaba de lançar-se de parapente bem perto, na ventosa Praia da Gralha, acena, feliz.

A pouco mais de vinte minutos de carro, acolhida por montanhas, antigas florestas e terras de cultivo, fica Coz. Respira-se tradição e autenticidade no largo principal da povoação.

À parte um ou outro latido longínquo e o habitual silvar do vento do Oeste, há um silêncio quase sagrado a acompanhar os passos até à entrada do Mosteiro de Santa Maria de Coz, a razão de existir da aldeia.



Em Coz funcionou durante séculos um abastado mosteiro feminino da Ordem de Cister


No século XIII, aqui se formou uma das mais importantes comunidades femininas da Ordem de Cister. Três séculos mais tarde, o convento tornava-se um dos mais ricos de Portugal. Ornamentada ao estilo artístico barroco, a igreja é testemunha desses tempos de bonança, que duraram séculos, pois as monjas ficaram neste lugar até à extinção das ordens religiosas no país, em 1834. Ana Paula Pires, a guia da visita, chama a atenção para um quadro da pintora barroca sevilhana, Josefa de Óbidos.

Ana Paula pertence à Coz Art, um projeto social criado em 2015 para dar sustentabilidade ao centro de bem-estar social de Coz, numa zona rural e envelhecida. A iniciativa tem na sua mão trazer para o presente muito do que o passado. Nasceu para «manter viva a arte das cestas de Coz, uma tradição com mais de cem anos», como explica Alda Gomes, uma das suas fundadoras.

Com dois artesãos mestres e dois alunos, o objetivo é continuar em direção ao futuro: «Tivemos cá os alunos da escola de artes das Caldas da Rainha, que ‘saíram da cesta’ e fizeram propostas muito criativas», conta Alda. E exemplifica: «Mesas, candeeiros, bancos e até um ninho para pássaros».

Com 79 anos, Maria Cândida é beneficiária do centro e uma das mestras deste saber centenário. E mostra-o, orgulhosa e desenvencilhada. Gosta quando lhe dizem: «Que malas tão lindas!» «Tenho feito muitas com o coração de Alcobaça. Já fiz ‘centos’ delas, mas [o desenho] está na cabeça, não o posso ensinar».


Os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro estã​o na igreja do Mosteiro de Alcobaça


Como, no século XIV, D. Pedro não conseguiu ensinar o pai a aceitar D. Inês de Castro, a nobre galega por quem estava imensamente apaixonado. D. Afonso IV mandou decapitar D. ​​​In​​ês​. Desde então, a trágica história de amor não parou de inspirar textos literários, peças de teatro e um sem fim de obras de arte.

Alcobaça foi a cidade escolhida por D. Pedro para o encontro eterno com a sua amada. É na igreja do mosteiro que estão os túmulos dos dois, como ordenado pelo monarca, frente a frente, para se encontrarem no dia do juízo final.​


 


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