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13 maio 2019
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Ricardo Meireles Fotografia de Ricardo Meireles

Mãe-maravilha

​​​​​Soraia vive com optimismo a doença neuromuscular do filho Martim, que ensinou a família a ser feliz.

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Quando Soraia sonhou com o dia em que teria o seu primeiro filho nos braços, o pior cenário que lhe passou pela cabeça foi o das noites mal dormidas. A vida, porém, tinha outros planos. O Martim nasceu com uma doença neurológica que, nos primeiros meses, roubou os pais o sono e a esperança. Em troca, viria a ensiná-los a serem felizes. Um dia de cada vez.


A doença neuromuscular do Martim não o impede de brincar

Sentado na soleira da porta de correr da sala, Martim, de dois anos, debruça-se sobre um cesto quase do seu tamanho, sob o olhar atento dos pais. A sonda que traz na barriga não é um obstáculo, muito menos na hora de brincar. No fundo do cesto encontra o brinquedo perfeito. É uma bola de futebol para pés mais crescidos, mas isso pouco lhe importa. Agora que aprendeu a caminhar, o céu é o limite. Com a ajuda da mãe, põe a bola no tapete, enquanto chama pelo «El». E o pai Joel já sabe que está convocado para o jogo. Devagarinho, para não perder o equilíbrio, Martim dá o pontapé de saída e a partida começa.


Jogar à bola é uma das actividades preferidas do Martim

Soraia Silva, de 28 anos, teve uma gravidez completamente normal. Às 40 semanas, depois de um parto induzido, nascia o tão desejado primeiro filho do casal. Mas o sonho de uma vida depressa se tornaria num pesadelo: apesar dos estímulos, o bebé não respirava. Sem conseguir, na altura, dar explicações, a equipa médica reuniu-se e o Martim foi levado para observação.

O turbilhão de dúvidas que assolou a mãe nesse instante ficaria gravado até hoje na sua memória: «Nós idealizamos o momento em que vamos pegar no nosso filho pela primeira vez e não aconteceu. Ninguém está preparado para isso». Só voltou a vê-lo rapidamente ao final da tarde. «Era um menino muito sossegadinho, muito parado», recorda.

Os dias eram passados no hospital, à espera do diagnóstico que não chegava. Nos cuidados intensivos, as visitas da família não duravam mais de cinco minutos e exigiam o uso de bata e máscara. Num vaivém interminável de exames, análises e opiniões médicas, os pais sabiam apenas que o bebé respirava mal, vindo a descobrir, pouco depois, que não conseguia alimentar-se sozinho.

Ao fim de um mês, foram chamados para uma consulta de pediatria do ramo neuromuscular. «Esse foi o pior dia de todos», desabafa a mãe, «foi o dia em que nos disseram que o Martim podia nunca conseguir falar ou andar». Todos os cenários foram postos em cima da mesa. «E aí chorámos, chorámos, chorámos».

Após uma biópsia ao músculo, o Martim foi diagnosticado com miopatia nemalínica congénita, uma doença neuromuscular que, no seu caso, afecta o desenvolvimento ao nível muscular, respiratório e da deglutição. Os médicos explicaram que o Martim teria de passar mais dois meses no hospital, para se acostumar à sua nova realidade. Os pais rapidamente aprenderam a aspirá-lo, a mudar a sonda e a alimentá-lo, a usar o aparelho de auxílio na tosse (cough-assist) e o de ventilação não-invasiva, para ajudar na respiração durante a noite.

Soraia recorda a felicidade de voltar a casa apenas duas semanas depois: «Eu achei que nunca iria ser capaz de mudar uma sonda ao meu filho. Mas a força do instinto fez que com as coisas acontecessem mais rapidamente». A família reuniu-se para celebrar a chegada do seu novo membro. «E aos poucos fomos construindo a nossa normalidade, tentando adaptar-nos à rotina dele e ele à nossa».

Desde aí, o toque do despertador é sinónimo de correria. Quando a mãe acorda, a prioridade é limpar a sonda do Martim, fazer o cough-assist e dar-lhe de comer. «Há pais que, enquanto se arranjam, deixam o filho no sofá com o biberão, a ver desenhos animados, mas eu não posso fazer isso», explica Soraia, «eu tenho de fazer tudo sozinha porque o Martim não consegue».

Nas manhãs de terapia da fala e de fisioterapia, o hospital é local de paragem obrigatória antes de deixar o filho na creche e seguir para o trabalho. À hora do almoço, Soraia passa novamente na escola para o preparar, com a ajuda das funcionárias. Enquanto os amigos almoçam, o Martim fica sentado na mesma mesa e vai aprendendo a segurar na colher e a sentir o sabor da sopa.

No final do dia é tempo para as sessões prolongadas de fisioterapia, cruciais no desenvolvimento do Martim. As fisioterapeutas, que o acompanham desde o início, já são quase parte da família. Entre jogos e brincadeiras, Soraia aprendeu a encarar estas sessões como uma espécie de terapia também para ela.


Em casa, os pais escolhem brincadeiras que ajudem no desenvolvimento do filho

Em casa, as actividades são pensadas de modo a estimular o desenvolvimento do Martim. Jogar à bola com o pai, atirar brinquedos e caminhar à volta do sofá são alguns dos momentos mais divertidos do dia. Por saber que o filho não tem a força normal para a sua idade, Soraia admite que nem sempre é fácil pôr o medo de parte. Porém, os pais esforçam-se por o deixar brincar livremente, interferindo apenas quando é necessário.

No corre-corre do dia-a-dia, em nenhum momento os pais vêem o Martim como uma criança diferente. «Ele é o nosso filho, com as limitações que a miopatia implica». E quando alguém pergunta se «o menino está melhor», a resposta é sempre a mesma: «O Martim está bem, ele não está doente. Para mim ele tem uma limitação, mas não está doente».

O futuro é uma incógnita sobre a qual não pensa. «Todos os dias são uma descoberta», explica a mãe. Nos casos conhecidos pelos médicos, há crianças que não falam, algumas que não caminham e outras que não conseguem sequer segurar a cabeça. «Com o Martim, o pior cenário está a desvanecer-se aos poucos», assegura, «e isso tem sido muito bom de viver».

Hoje, Soraia tem algo a dizer a quem possa passar pelo mesmo processo. Por isso, criou o blogue “Mãe do Sexto Esquerdo”, onde partilha os desafios e as aventuras diárias do filho, com uma mensagem de esperança. «Não é fácil, mas o que eu digo sempre é: olhem bem para os vossos filhos. Neles encontrarão força onde julgavam já não haver nenhuma».


Soraia garante que o filho é a sua maior inspiração

O filho, garante, é a sua maior inspiração. «A lição mais importante que ele nos deu foi aprender a viver com calma, um dia de cada vez». Como as outras crianças da sua idade, sabe que o Martim contará com quedas, aventuras, birras e aprendizagens. A seu tempo e ao seu ritmo. Com os olhos rasgados num sorriso, Soraia afirma que são uma família feliz. «E o Martim foi a cereja no topo do bolo».

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