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3 novembro 2022
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Oleirinha Vídeo de André Oleirinha

Longe do adeus

​​​​​​​​Com 60 anos de carreira, Paulo de Carvalho está para continuar. «Só sei fazer isto!».

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​Comemora 75 anos de vida e 60 de carreira, celebrados com vários concertos. Continua a dar-lhe prazer subir aos palcos?
Dá-me prazer misturar-me com músicos mais novos e, com eles, reinventar as músicas que as pessoas querem ouvir. Há cantigas no meu reportório, como “E Depois do Adeus”, que não posso deixar de cantar. E ainda bem! É sinal de que as pessoas querem continuar a ouvir-me.

O que aprende a trabalhar com os mais novos? 
Aprende-se, pelo menos, como não se deve fazer as coisas! [risos]. Estou a brincar, aprendo muito. Os músicos com quem toco são maravilhosos instrumentistas, sabem ler música; eu não sei, embora saiba o que quero e consiga explicá-lo. Sou um autodidata preguiçoso, mas gosto muito do que faço e colaboro com muita gente.

Que jovens cantores portugueses elege?
Prefiro não nomear, pois vou esquecer-me de alguns. Mas posso dizer, e tenho a certeza do que digo, que se está a fazer muito boa música em Portugal. Há gente nova a cantar maravilhosamente, mulheres e homens.

É algo que me agrada bastante. Não gosto da política da terra queimada: tudo mau para que eu sobressaia. Não, quanto mais gente houver a cantar bem, melhor podemos fazer o nosso trabalho.


 Fãs do cantor pedem-lhe uma selfie, junto ao mural com a sua imagem, na fachada de um prédio na Avenida de Roma, em Lisboa. «Continue, que a gente gosta!», dizem-lhe

Considera-se músico, cantor ou cantautor?
Não querendo ser pretensioso, quando me perguntam a profissão respondo que sou músico. Toco voz. A voz, para mim, é um instrumento.

Sente-se orgulhoso do percurso de seis décadas? 
Sinto. Nunca me dei grande importância. Entrei nesta profissão porque gostava, e as coisas aconteceram. Tenho tido muita sorte. Não tive maus momentos na vida, talvez um ou outro menos bom. Cantar, como viver, é um ato de inteligência. É ser capaz de viver o melhor possível connosco próprios e com quem nos rodeia. Para mim, o mais importante é saber trabalhar em conjunto.

Qual é a sua receita para viver bem?
Ter princípios, ser sério. Se trabalhasse num bar, vendia copos com a mesma seriedade com que faço música. Não é uma qualidade muito entendível no tempo atual, mas eu sou assim, e gosto. Podia ter aproveitado melhor as vantagens de ter acesso a pessoas conhecidas, com poder, mas não me arrependo. Faço o meu balanço quase diariamente e é isso, sobretudo, que me interessa. As pessoas dirão de mim o que quiserem.


Aos 75 anos, o músico sabe que não quer arrastar-se na profissão, mas que ainda tem algo para dar: «A idade não é a mesma, as capacidades também não, mas ainda me satisfazem muito»

Depois há a parte aborrecida de ter 60 anos de carreira: como lida com o envelhecimento?
Doem-me determinadas partes do corpo, mas não é nada que me atormente. Faço análises regularmente e não tenho motivos de queixa. Ao contrário do que se possa pensar, não tratei mal o corpo. Deixei de fumar há 34 anos, no dia em que nasceu o meu filho Bernardo [conhecido pelo nome artístico Agir]. Durante 40 anos não toquei em álcool, graças a uma bebedeira que apanhei aos 15. Hoje, bebo vinho tinto, que, com moderação, não faz mal a ninguém.

É cuidadoso com a saúde?
Continuo a comer o que gosto, mas em menor quantidade. Prefiro o peixe à carne, e evito os doces. Às vezes cometo umas parvoíces a ver um jogo de futebol, e como meio quilo de gelado… Gosto de cozido à portuguesa, mas light, com mais couves, cenouras e nabos.

Joguei futebol até aos 45 anos, e ainda é uma paixão. Agora sou desportista de sofá e faço caminhadas desde que fui viver para Paço de Arcos. Tenho o sono instável, desperto várias vezes durante a noite, mas acordo descansado.

Como mantém o equilíbrio emocional?
A família é o principal apoio. É o lugar para onde vamos ao fim do dia. É difícil viver bem emocionalmente com o que vemos acontecer no mundo e, às vezes, na nossa rua. Procuro defender-me um pouco das notícias, mas não consigo preferir não saber, nem evito falar das coisas.

Que temas mais o preocupam?
A violência, das guerras à violência doméstica. Também me preocupa que as notícias nunca falem do que de bom acontece: o progresso científico e tecnológico. Fomenta-se uma cultura do medo.


Enquanto passeia pelas ruas de Alvalade, o bairro onde viveu entre os três e os 21 anos, Paulo de Carvalho pára várias vezes para trocar conversa com pessoas conhecidas

Tem a sua farmácia?
Evito os químicos, prefiro os produtos naturais, que reforçam as defesas do organismo. Mas, com a minha idade, preciso de medicação para a tensão arterial, por exemplo. Nas farmácias da minha zona há pessoas com alguma idade que procuram conselhos, mais do que medicamentos. Os farmacêuticos têm imensa paciência...

O futebol e a música eram as paixões de infância. Os seguros podiam ter sido a carreira. Ainda bem que ganhou a música?
Estou contente com a escolha. Sei que tinha jeito para o futebol [jogou, como federado, no Benfica e no Belenenses], mas, com esta idade, já não poderia jogar. Se tivesse continuado na companhia de seguros, onde comecei aos 14 anos, talvez tivesse agora uma boa reforma. Mas, provavelmente, seria um 'chato de galochas', pois não fazia o que gosto, que é a música.

Foi noticiado que poderia deixar de cantar ainda este ano. Confirma?
Não quero arrastar-me na profissão, perdendo as minhas capacidades. A idade não é a mesma, as capacidades também não, mas ainda me satisfazem muito. Eu disse que este será o último ano do resto da minha vida, não significa que vou parar. Quero é fazer modificações. Adoro recomeçar e fazer experiências, tocar com outros músicos que me proporcionem uma nova forma de fazer coisas que já fiz.



Paulo de Carvalho observa as ruínas do Centro Cultural e Recreativo Coruchéus, consumido por um incêndio. Alvalade é o seu bairro de infância e juventude

Tem novos projetos?
Tenho um disco novo, intimista, só com piano e voz, em parceria com um amigo, o Victor Zamora, grande pianista cubano que vive em Portugal. O problema é que parece que hoje já não se vende discos, é o que dizem as editoras...

O seu filho mais velho tem 52 anos, a mais nova 14. Como evoluiu como pai?
Tenho cinco filhos de quatro companheiras e estamos todos muito bem, continuamos a dar-nos, embora cada um tenha a sua vida. ​Penso que não me portei mal como pai, excetuando com o primeiro, que não acompanhei como devia. Tinha 21 anos, era um bocado parvo; não quer dizer que agora não seja, mas menos!

Que valores procurou passar-lhes?
Passamos valores aos filhos de forma natural, pelo exemplo. Acho que todos apreenderam o valor da seriedade. A mim, interessa-me que sejam felizes e sérios no que fazem, quero lá saber se são músicos! 


É pai de cinco filhos, que se dão bem entre si. Sente a família como o principal apoio. «É o lugar para onde vamos ao fim do dia»

​Mas alguns seguiram-lhe as pisadas.
Sim, eu estava ali, eles foram vendo, aprendendo, acharam graça, quiseram fazer e fizeram. Andei dois anos na estrada com a Mafalda [Sacchetti] e o Bernardo e, provavelmente, não me irei embora sem fazer alguma coisa com as duas mais novas.

Também gostam desta vida?
Gostam do mundo do espetáculo. A mais velha quer ser atriz, a mais nova canta e toca piano. Costumo dizer, meio a brincar: «Mais duas para sofrer…». Na vida artística nunca sabemos o que vai ser o futuro, embora tenha um lado muito bom.​

Se calhar sofriam mais nos seguros…
Não sei, pelo menos tinham tudo certinho ao fim do mês. Ou não, vemos centenas de pessoas a serem despedidas naquilo que eram os empregos de futuro. Agora já nada é certo.
Gostava que os nossos governantes percebessem que na cultura está o futuro de um povo, sempre esteve e há de estar. Não era preciso virem milhões de euros em subsídios, bastava que proporcionassem as facilidades para fazermos as coisas. É na cultura que está a identidade de um povo.

 


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