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8 março 2021
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Filhos da esperança

​​​​​​​Ana e Jorge conseguiram ser pais após oito anos de persistência. «Nunca desistam», aconselham.

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Mafalda, cinco anos, tenta descobrir palavras na sopa de letras do caderno de actividades, os lábios cerrados de concentração. Do alto dos seus nove anos, Gonçalo olha atento e avisa quando encontra alguma. As vozes e os risos infantis enchem a ampla cozinha do apartamento em Mafra. Os pais observam a cena, embevecidos. Parecem uma família feliz, mas esta família feliz não se parece com todas as outras. A história de infertilidade fá-los valorizar, todos os dias, a felicidade alcançada.  

Os obstáculos que ultrapassaram ensinaram-lhes a relativizar os problemas. A vida atarefada, a casa cheia de barulho, as dificuldades diárias, são recebidas com alegria. «Porque temos a oportunidade de as viver», esclarece Ana Carvalho. Sentem gratidão por a vida lhes ter dado o primeiro filho, tão desejado, e ainda a pequenota, para completar a família. «Todos os dias penso que sou a pessoa mais sortuda do mundo só por tê-los. Somos uma família muito feliz, temos uma vida maravilhosa».  

 Vencida a batalha da infertilidade, Ana e Jorge não têm sonhos por realizar, garantem. «Sermos uma família era o nosso sonho»

Ana e Jorge lutaram para ser pais durante oito anos. Ana submeteu-se a tratamentos de fertilidade, exames e cirurgias, e sujeitou-se às dores e ao desconforto dos efeitos secundários que estes tratamentos envolvem. Viveram ao sabor da alegria ansiosa de oito gravidezes e da decepção de seis abortos. Abdicaram de bens materiais em nome do dinheiro de que precisavam para os dispendiosos tratamentos de fertilidade. Houve momentos em que se afastaram dos amigos porque tinham de se preservar psicologicamente e era difícil lidar com a felicidade alheia. Alimentou-os a esperança. «Eu sempre soube que ia ser mãe. Nunca duvidei», declara Ana. Se as técnicas de fertilidade falhassem, a solução era a adopção.  

O amor de Ana às crianças determinou a escolha da profissão. A educadora de infância abortou pela primeira vez depois de ter pegado ao colo uma criança com deficiência. Pensou ter sido um aborto natural. Esta foi a única vez em que sentiu culpa. «A culpa é um sentimento que persegue as mães em caso de aborto, mas eu percebi que era algo acima das minhas responsabilidades». E resume: «Sofremos de infertilidade. É um problema do casal que, no nosso caso, tem causa feminina». 

Os dois anos seguintes sem conseguir engravidar levaram o casal a procurar apoio especializado. Trompas obstruídas foi o diagnóstico. «A probabilidade de engravidar era muito baixa», contam. Começou a aventura no mundo da medicina reprodutiva. As listas de espera nos hospitais públicos para fazer fertilização in vitro eram de dois anos. Acabaram por conseguir vaga no Hospital de Santo António, no Porto. O tratamento resultou, mas os abortos continuaram, o que levou Ana e Jorge de novo aos especialistas. Foi detectada uma trombofilia, ou seja, a formação de coágulos no sangue obstruía a chegada dos nutrientes ao bebé no saco amniótico. Aos tratamentos de fertilidade era preciso juntar, mal engravidava, injecções diárias de heparinas na barriga e anticoagulantes.  

 Ambas as gravidezes foram de risco. O problema era duplo: trompas obstruídas e trombofilia

​Na posse da medicação que julgou «milagrosa», Ana viveu a nova gravidez com a fé intacta e sofreu a maior das desilusões. Na ecografia dos três meses, souberam que o bebé não tinha vida. Era uma Joana, nome que o casal não teve coragem de dar à filha que nasceu muitos anos mais tarde. «Ao contrário de todas as mulheres, eu tinha terror de ir fazer as ecografias. Também tinha pavor de ficar grávida quando fazia um tratamento de fertilidade». Um contra-senso motivado pelo medo. Por mais que desejasse ser mãe, um resultado negativo era a garantia de que não haveria nova perda gestacional. Jorge acompanhava a situação com ansiedade e tentava apoiar a mulher: «Fiz tudo o que pude para ajudá-la a manter a motivação para continuar a tentar».  

Gonçalo, um menino com remoinhos no cabelo e sorriso fácil, foi a sétima gestação de Ana. Com perdas de sangue desde o início, a gravidez de alto risco foi passada até ao fim deitada no sofá da sala, «a contar os minutos». «Sentia-me como se tivesse uma espada em cima da cabeça», recorda a mãe. O receio de que o sonho não se cumprisse era tão grande que não fizeram enxoval. Tudo o que o bebé tinha de seu era uma chucha transparente comprada no final da gravidez. «Não fossem as minhas amigas, acho que o Gonçalo tinha saído do hospital embrulhado num cobertor». Também Mafalda só teve enxoval depois de chegada ao mundo. Hoje estas memórias são acompanhadas de gargalhadas. À época, o medo da perda contaminava tudo. Os primeiros seis meses de vida de Gonçalo foram vividos num misto de alegria e susto. Vivia-se um dia de cada vez.  

 ​A família é a prioridade. O que mais gostam de fazer é passar tempo os quatro juntos, ao ar livre

A infertilidade foi uma prova dura, que durante muitos anos condicionou a vida do casal, até a mais íntima. «A parte sexual perde um bocadinho o encanto quando deixa de ser natural e passa a ter um objectivo». Ao contrário de outros casais que «não aguentam a pressão», as dificuldades uniram-nos. «Alcançámos o objectivo comum que perseguimos toda a vida», resume Jorge.  

A vontade de dar um irmão a Gonçalo prevaleceu sobre o medo e, passados dois anos, arriscaram nova gravidez. Ana engravidou sem dificuldade e levou a gestação, novamente de risco, até ao fim. Foi a vez de Mafalda se juntar à família. Ponderaram um terceiro filho, mas a idade de Ana e os riscos já conhecidos travaram a vontade. «Se tudo tivesse acontecido mais cedo, teríamos avançado», confirma Ana.  

Têm a família com que sonharam e pela qual lutaram. É a prioridade de ambos. O que mais gostam de fazer é passear os quatro ao ar livre, andar de bicicleta, fazer caminhadas, explorar a natureza, conhecer novos lugares ou países. Não têm sonhos por realizar, garantem. «Sermos uma família era o nosso sonho. Daqui para a frente, o importante é estarmos juntos e sermos felizes». Aos casais que enfrentam a infertilidade, deixam uma mensagem: «Não desistam, há várias maneiras de serem pais. Procurem os melhores especialistas e nunca desistam do vosso sonho».

 

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