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25 fevereiro 2021
Texto de Nuno Monteiro Pereira (urologista e andrologista) Texto de Nuno Monteiro Pereira (urologista e andrologista) Ilustração de Mantraste Ilustração de Mantraste

Ser pai com ajuda da ciência

​​​Três casos de homens que conseguiram ter filhos.

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​Ser pai é uma experiência muito especial, quase mágica, sempre inesquecível. O Dia do Pai é uma homenagem justa e bonita, que toca todos os pais. Mas, e se a festa não se realiza porque o homem não consegue ter filhos? 

Vamos descrever três situações frequentes na prática clínica. São contruídas a partir de casos reais, observados em mais de 35 anos dedicados à andrologia. 

CASO UM 
Homem saudável de 32 anos de idade, em união de facto há quatro anos com uma parceira de 30 anos, também saudável. A mulher deixou de usar contraceptivos orais há dois anos. Como a gravidez não surgia, a ginecologista pediu análises e exames imagiológicos. Nenhum dos exames revelou anomalias. A médica concluiu que a infertilidade não era de causa feminina e pediu um espermograma ao marido. O exame revelou diminuição da quantidade e vitalidade dos espermatozóides. Perante o resultado, a médica encaminhou o casal a um colega urologista. 

Na primeira consulta, por simples exame dos genitais, foi diagnosticada uma varicocele esquerda, isto é, a presença de dilatações das veias do testículo esquerdo, que se apresentava amolecido e de tamanho reduzido. O outro testículo não tinha dilatações varicosas, mas já existiam alterações da consistência e do volume. A varicocele, praticamente sempre do lado esquerdo, é a causa mais frequente de infertilidade masculina. As dilatações das veias devem-se à sobrepressão do sangue refluído a partir do interior do abdómen, que dificulta a espermatogénese por o sangue estar demasiado quente. 

O tratamento para interromper o refluxo sanguíneo para o testículo é uma cirurgia simples e deve ser feita o mais precoce​mente possível, idealmente antes dos 20 anos de idade. Contudo, sendo um doente ainda jovem, a cirurgia foi efectuada. No espermograma de controlo, seis meses depois, já havia acentuada melhoria da quantidade e qualidade espermáticas. A gravidez aconteceu: um ano depois nasceu um menino absolutamente normal. 

CASO DOIS 
Homem saudável de 53 anos de idade, divorciado após casamento de 15 anos, sem filhos. Num novo relacionamento, a parceira de 32 anos de idade insistia em ter filhos. O diagnóstico de infertilidade já havia sido declarado antes, por espermogramas que revelavam baixo número de espermatozóides, vitalidade pobre e morfologia alterada. 

A ex-mulher tinha feito, sem sucesso, três ICSI, técnica de reprodução assistida em que, in vitro e com apoio de microscópio, se injecta um espermatozóide no interior de um ovócito, esperando que se desenvolva um embrião. As mais elevadas taxas de sucesso da técnica não ultrapassam 45 por cento na primeira tentativa, baixando a probabilidade a cada nova tentativa. É uma técnica dispendiosa, que obriga à colheita de ovócitos por punção do ovário, sob anestesia e com algum desconforto para a mulher. O homem concordou em fazer uma nova ICSI. O procedimento resultou na primeira tentativa, com gravidez e parto sem problemas, nascendo uma linda menina. 

CASO TRÊS 
Homem de 38 anos de idade, casado há seis anos com uma parceira da mesma idade. Depois de dois anos sem conseguirem uma gravidez, decidiram consultar um urologista com formação em andrologia. O homem desconfiava que tinha problemas, pois achava os seus testículos muito pequenos. O espermograma realizado revelou ausência completa de espermatozóides no ejaculado. A biópsia testicular bilateral confirmou a total impossibilidade de ter filhos. O casal ficou em estado de grande desânimo, quase desespero no caso da mulher. Numa explicação cuidadosa e pormenorizada, o médico falou-lhes então nas duas únicas soluções possíveis: a adopção ou o recurso a esperma de dador anónimo.

Depois de alguns dias de ponderação, o casal optou pelo recurso a esperma de dador. Foi uma decisão difícil, particularmente para o homem, devido aos tabus e mitos sobre a masculinidade. Para a mulher, a decisão também não foi fácil, mas a explicação do médico levou-a a equacionar, e compreender, o insubstituível fenómeno que é uma gravidez e a maternidade, importante não só para a auto-estima e auto-confiança da mulher, como para o equilíbrio hormonal e uma boa futura saúde física e mental. Tomada a decisão, o médico vincou bem uma condicionante indispensável para o sucesso do procedimento: a necessidade de o casal manter a decisão na sua intimidade, não contando a ninguém que a criança nascida era fruto de uma doação de  espermatozóides. O preconceito social é uma realidade e muitas pessoas poderiam não entender a decisão e, inadvertidamente, prejudicar a própria criança. 

​A inseminação foi realizada com esperma proveniente de um banco de esperma internacional. As dúvidas e os receios do homem dissiparam-se assim que o filho nasceu. Tinha o filho desejado, o filho amado. Actualmente, o rapaz tem oito anos e é feliz. Todos os amigos e conheci- dos acham que ele é igualzinho ao pai. A única dúvida que ainda persiste no casal é se um dia, depois dele ter 18 anos, lhe irão contar o método pelo qual nasceu. Tendo a inseminação ocorrido antes de 7 de Maio de 2018, o anonimato do dador pode manter-se. Actualmente, a Lei n.º 48/2019 determina o direito que as pessoas nascidas por doação de gâmetas têm de conhecer a identidade civil do dador, se quiserem e apenas depois de fazerem 18 anos.
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