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11 janeiro 2021
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«Enfrento a vida com palhaçada»

​​​​Numa conversa onde os gestos e a expressão falam tanto como ​as palavras, a actriz Custódia Gallego mostra o que a move na vida.
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É uma pessoa de afectos? 
Sim, gosto muito de pessoas. Há momentos em que aprecio estar sozinha, para estudar ou trabalhar, mas não gostava de viver só. É raro aguentar mais de uma ou duas horas sozinha em casa. Mais cedo ou mais tarde [gesto de pegar no telefone]: «Estou, o que estás a fazer?». As pessoas acrescentam ou tiram algo ao que penso ou faço. Mexem, questionam-me, dão-me aprendizagem. Consigo sempre respostas mais inteligentes e eficazes se tiver em conta o que as pessoas de quem gosto e em quem confio acrescentam às minhas decisões e vivências. 

Como define a sua forma de estar na vida? 
Gosto de enfrentar os problemas da vida com palhaçada. Relaciono-me com as dificuldades, e também com as facilidades, sendo palhaça. Uma ironia que roça a palhaçada. Gosto. Não sei por que o faço, foi algo contruído ao longo do tempo, a partir das minhas vivências e das pessoas que me rodeiam. 



O que a faz levantar-se da cama todos os dias? 
Já que decidi continuar a viver o meu dia-a-dia [depois da perda do filho, em 2018], tenho de respirar e levantar-me da cama. O que me faz respirar todos os dias é a sensação de ser útil e válida para a sociedade, seja familiarmente, no trabalho, com os amigos, onde for.

O que pode dizer a quem passou por uma perda semelhante? 
O melhor é não passar. Não é natural que se passe. Mas se decidiram respirar todos os dias, acho que ajuda essa sensação de ser útil, de ainda poder ser útil. 

Estudou Medicina, o seu marido é médico. Qual a sua relação com a saúde? 
O conhecimento, em primeiro lugar. Sou curiosa e vou à procura de tudo o que houver para saber sobre prevenção. Na saúde, a prevenção é ouro. Procuro rodear-me de pessoas em quem posso confiar para manter e minorar a perda de capacidades associada à idade. Até agora estou a lidar bem com o envelhecimento, mas não digo “desta água não beberei”, porque sou muito de altos e baixos. Tenho medo das incapacidades que implicam dependência de outras pessoas. É o que mais me assusta. Gosto tanto de partilhar a minha vida com outras pessoas que receio a ideia de deixar de ser partilha para passar a ser uma obrigação. 

Mantém uma excelente forma física aos 61 anos. Que cuidados tem? 
Trato-me muito, muito bem. Pelo menos três vezes por semana faço exercício físico. No ginásio gosto sobretudo de aulas de grupo: GAP (Glúteos, Abdominais e Pernas) e pilates. Caminho muito, até porque tenho de passear o meu cão, e gosto de andar a pé em Lisboa. Trato da minha pele desde muito cedo, graças à minha mãe, que aos 11 anos me ofereceu uma panóplia de produtos. É muito importante dar carinhos a esta peliculazinha que protege o nosso corpo, porque há muitos agressores. Tenho cuidado com a alimentação, mas não de forma fundamentalista. Tenho sorte, porque não gosto muito de doces, nunca gostei do sabor a gordura e não sou apreciadora de carne. Devia comer mais fruta e beber mais água.

E de farmácias, gosta? 
Sou fanática das farmácias, há muito tempo. Águas de colónia e cremes hidratantes só compro na farmácia. Vem do tempo da minha mãe. Tenho confiança naquelas pessoas que vendem produtos que são analisados não sei quantos anos, por não sei quantos laboratórios. Até porque tenho formação científica. E gosto da dinâmica de bairro: ir à mesma padaria, ao mesmo talho, à mesma loja chinesa, à mesma farmácia. Se não posso ir buscar o medicamento, ligo: «Senhor Carlos, pode deixar-mo no café?». Há um espírito de entreajuda muito bom. 

Trocou a Medicina pela vida artística. Que reviravolta foi esta? 
Escolhi Medicina por gosto. A ciência do ser humano interessa-me muito. Não tive o sonho de ser actriz, mas quando descobri que não dependia exclusivamente do talento e se podia estudar, a escolha tornou-se muito fácil. Por segurança, continuei a estudar Medicina até terminar o curso no Conservatório Nacional (actual Escola Superior de Teatro e Cinema). O conhecimento de Medicina ajuda-me muito na construção dos personagens, a percebê-los melhor.

Os personagens acompanham-na muito? 
Enquanto estou a construí-los e ainda não os conheço bem, estão sempre presentes. Quando já estou a fazer o espectáculo, concentro-me para me lembrar de tudo o que quero que aconteça, mas depois saio e «até amanhã, já venho!». Até 10 de Janeiro estou em cena com a peça “Maria, a Mãe”, de Elmano Sancho.


Custódia Gallego vive as personagens enquanto as prepara mas depois dos espectáculos liberta-se delas

Prefere fazer teatro, cinema ou televisão? 
Gosto de fazer um bom espectáculo de televisão, teatro ou cinema. Importa-me a qualidade do trabalho artístico. 

Como é alternar épocas de ritmo intenso de trabalho com outras vazias de projectos? 
Sempre foi assim, desde que comecei. Ter trabalho ao longo do ano inteiro é algo que nem pensar, acho que só houve um ou dois anos em que soube antecipadamente que trabalho iria ter. Agora há um pouco menos incerteza. Mesmo assim, quando passam quatro ou cinco meses e não aparece nada entro um bocadinho em ansiedade. Outras vezes estou em overbooking, até porque tenho muita dificuldade em dizer que não. Ou porque gosto muito daquilo que me estão a propor, ou tenho medo de que, se recusar, não me voltem a chamar.

O que a move a continuar? 
Agora já não sei fazer mais nada! Com a idade, é provável que tenha menos trabalho, pois há menos personagens mais velhos. Claro que posso dar aulas de teatro, e expressão corporal e dramática, como fiz no início da carreira. Como diz o meu filho: «Tens obrigação de transmitir o teu saber e a tua experiência». Para já, está em segundo plano. Gosto muito de dar aulas, mas não consigo dizer que não a um belo personagem.

Como viveu o confinamento? 
Não me custou nada! Foi muito parecido com as alturas em que não tenho trabalho. Até era engraçado ir passear o cão na Avenida Almirante Reis deserta. Quando foi preciso recomeçar a trabalhar, disse logo que sim, com todos os cuidados de prevenção, para não pormos em risco a nossa vida e a dos outros. 

Que votos deixa para este ano que agora começa? 
Desejo que esta pandemia acabe rapidamente. Vêm aí as vacinas e tenho muita esperança que o túnel que ainda temos de percorrer não seja grande. Quanto mais tempo isto dura mais as pessoas vão ficando desesperadas e o desespero em massa é uma coisa que me assusta muito.  Ponho os meus votos no bom senso das pessoas, que pensem mais do que se emocionam. Para vencermos isto temos de ser racionais e acreditar que o que fazemos por nós fazemos pelos outros, porque isto é um mal do mundo inteiro. 

 

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