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30 novembro 2022
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de Lucénio Carvalho e Nuno Santos Vídeo de Lucénio Carvalho e Nuno Santos

Desaguar na claridade

​​​​​​​​​​​​​​​A luz é um dos encantos da Figueira da Foz, a cidade que vive do mar e da serra.

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Do miradouro da Vela, na serra da Boa Viagem, tem-se a mais perfeita imagem da Figueira da Foz: por detrás da cidade, a mancha verde do parque florestal; à frente, a imensidão do mar azul. Em dias limpos, avista-se a praia de Mira, noutros, a neblina desprende-se da copa das árvores. Para lá da linha do horizonte, imagina-se, em linha reta, Nova Iorque. «A Figueira da Foz é mar, mas também é serra. São ecossistemas totalmente diferentes e que se complementam», diz Ângela Moita. A médica ginecologista apaixonou-se pela Figueira na altura em que estudava Medicina, em Coimbra. Quando chegava à foz do Mondego e olhava o início do mar, invadia-a uma «sensação de alívio, liberdade e infinito». Continua a ser assim, 34 anos depois.


Praça General Gomes Freire de Andrade, ou Praça Velha, uma das alamedas elegantes da cidade antiga

Na origem da cidade está o extenso areal, que chega a ter um quilómetro de largura. A Figueira cresce a partir de meados do século XIX, para acolher o novíssimo turismo de mar. É criado o Bairro Novo, ao estilo das estâncias francesas, como Biarritz, com tudo o que os veraneantes procuravam, do comércio à diversão, incluindo as casas de jogo. Chegaram a existir cinco casinos na cidade.


Pataniscas de salicórnia, uma das iguarias da Figueira da Foz ​

​A Figueira torna-se uma das mais elegantes estâncias balneares do país, a par do Estoril. Ainda hoje é frequentada pelos filhos, netos e bisnetos de espanhóis da raia, que tornaram a cidade cosmopolita e contribuíram para tornar famosa a expressão “ir a banhos à Figueira”. Durante muito tempo, o Bairro Novo foi «o ponto de encontro da sociedade figueirense, para tomar chá ou café». Hoje predomina o convívio noturno. É lá que se encontra os restaurantes mais emblemáticos. No verão, vem gente de Viseu comer sardinha, todo o ano vale a pena provar a raia com molho pitau, pataniscas de salicórnia, biqueirão alimado - nome que os pescadores dão ao petisco com anchovas frescas - e, claro, o marisco.


Salão Nobre do Casino Figueira, que continua a ser um dos espaços emblemáticos da cidade

​No centro do bairro, o Casino Figueira transformou-se num espaço moderno, mas permanece um símbolo, garante o diretor artístico. «Vai buscar inspiração às memórias, para continuar um trajeto diferente», resume Jorge Lé, referindo-se aos eventos culturais e artísticos que complementam o jogo.


A médica ginecologista Ângela Moita vive na Figueira da Foz há 34 anos. O Mercado Municipal Engenheiro Silva é o seu lugar de eleição para comprar peixe fresco

​Se à noite o Bairro Novo é incontornável, as manhãs de sábado começam com a ida ao Mercado Municipal Engenheiro Silva, junto à marginal. Mal se entra no amplo edifício de ferro e vidro, os sentidos enchem-se de cores e burburinho. «As peixeiras a chamarem os clientes, as flores, o peixe que eu adoro», entusiasma-se a médica que, às vezes, passa pelo mercado só para comprar peixe para o almoço. É a vantagem de «tudo ficar a cinco minutos». Hoje compra lulas, raia e corvina, na banca de Flávia Varela. «O meu mercado é lindo, limpo e airoso», diz, com orgulho, a filha de um pescador e de uma peixeira, que ali vende desde os 14 anos e não quer outro ofício. Já Piedade Pereira da Fonte, do alto da sua banca de legumes, conta que por ali passaram quatro gerações da família: a bisavó veio inaugurar o Engenheiro Silva num Dia de São João, em 24 de junho de 1892; a mãe conheceu ali o marido, num baile de magalas. O mercado era o palco das festas dos que não frequentavam os casinos e o Bairro Novo.


O Palácio Sotto Maior foi mandado construir em 1900 por Joaquim Sotto Maior, comerciante português que fez fortuna no Brasil

Na Figueira da Foz há outro tesouro que merece ser revelado. A pandemia encerrou dois anos de visitas guiadas que deram a conhecer o Palácio Sotto Maior a seis mil pessoas. O imponente edifício, mandado construir em 1900 por Joaquim Sotto Maior, comerciante português que fez fortuna no Brasil, permanece fechado, à espera da retoma do projeto. «Este cheiro…», exclama Frederica Jordão, quando atravessa a porta de entrada, após três anos de ausência. Coube à entusiasta antropóloga figueirense conduzir as visitas, enquanto responsável pela Pó de Saber – Cultura e Património. O palácio é um belíssimo exemplar da arquitetura francesa de belas-artes, ricamente decorado com «o melhor que havia naquele tempo». O casal Sotto Maior, que conheceu a Figueira em viagem de lazer, acabou por ter grande influência na vida cultural e artística local. «Escolheram uma cidade que era vibrante, interessante, viva e muito cosmopolita», explica a cicerone, que parece ter uma palavra a dizer sobre cada objeto, até os oitocentistas penicos Vista Alegre.


O Núcleo Museológico do Mar, em Buarcos, conta a história da pesca da região

​Cinco quilómetros a norte, a vila piscatória de Buarcos conserva, além de bons restaurantes para comer peixe fresco, a história da pesca da região. Ali viviam peixeiras e pescadores dedicados à arte xávega. Dali partiram centenas de homens para a tão difícil quanto rentável pesca do bacalhau na Terra Nova (no Canadá): a «faina maior», como é conhecida. Homens dispostos a enfrentar meses a fio de frio e solidão, cada qual enfiado no seu dóri (pequena embarcação usada na pesca do bacalhau à linha), até encher o porão do navio e a ganância do armador. «Os pescadores figueirenses eram conhecidos pela tenacidade, capacidade e conhecimento», explica a coordenadora do Núcleo Museológico do Mar, em Buarcos, Ana Paula Cardoso, que desfia estórias com gosto durante a visita.


Cabo Mondego, no bordo ocidental da serra da Boa Viagem, onde foram descobertas pegadas de dinossauros

Continuando para norte, a estrada serpenteia entre o mar e a rocha negra de uma pedreira, passando pelo Cabo Mondego, com o farol, onde foram descobertas pegadas de dinossauros, até chegar à ainda selvagem praia da Murtinheira, a preferida de Ângela Moita. Nas corridas que faz manhã cedo, na ciclovia que vai de Vila Verde até ao Cabo Mondego - «11 quilómetros para esticar as pernas» -, a médica gosta sobretudo da luminosidade. «A luz da Figueira é fantástica. Comparável à de Lisboa», garante.

 Alunos do centro náutico do Ginásio Clube Figueirense praticam remo junto à foz do Mondego

A cidade, plana e bem equipada de ciclovias, que acompanham a larga marginal junto ao mar, é perfeita para caminhar, correr e andar de bicicleta. A sul, na foz do Mondego, alunos do centro náutico do Ginásio Clube Figueirense praticam remo. Ao olhar o pôr do sol - com vista para o estuário e os flamingos, a ilha da Morraceira, a ponte e, para lá dela, a promessa do mar -, é fácil adivinhar o infinito e a liberdade que há mais de 30 anos encantam Ângela Moita.

 ​ O castelo de Montemor-o-Velho, fortificação de origem árabe, é hoje a sala de espetáculos a céu aberto da vila​​
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Na visita à Figueira da Foz, vale a pena passar por Montemor-o-Velho e subir ao castelo, no topo de uma colina rodeada por arrozais. A fortificação de origem árabe foi, durante séculos, decisiva para a defesa do território a norte do Mondego, e hoje é a sala de espetáculos a céu aberto da vila. No mês do Natal, o castelo enfeita-se de magia e a visita vale a dobrar.

 





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