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18 julho 2018
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

A vencedora crónica

​​​​​​​Cláudia dá a volta à doença de Crohn na desportiva.

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Se a felicidade tivesse um rosto seria o de Cláudia Pernencar. De gargalhada fácil e olhos que se deixam rasgar por um sorriso de orelha a orelha, quem não a conhece dificilmente adivinha a batalha que trava há mais de 16 anos e da qual, a cada dia, sai vencedora.

Triatleta federada há cerca de quatro anos, o desporto acompanhou-a a vida toda. Com dois anos já dava as primeiras braçadas no tanque de um clube. Até aos 18 anos praticou natação – uma paixão que, aos 44, ainda mantém. Mas não ficou por aí. Passou pelo andebol federado, praticou ginástica aeróbica de competição e chegou até a experimentar windsurf e trail. «Costumo dizer que sou uma vendida para o desporto», solta, entre risos.

Desde os 20 anos que o corpo dava sinais de alarme. Para além das articulações inchadas e da visível distensão do abdómen, as dores no corpo e o cansaço extremo preocupavam os pais e os treinadores. Cláudia viu-se obrigada a abandonar o desporto de competição e a reduzir a carga de actividade física. No entanto, os sintomas continuaram a agravar-se.

Em 2002 foi diagnosticada com doença de Crohn, uma doença inflamatória crónica do intestino, com manifestações extra-intestinais. Com 12kg a menos e um diagnóstico demasiado tardio, tornou-se evidente que a cirurgia era inevitável: «Tinha na altura 29 anos e lembro-me que o médico comentou comigo que até à cirurgia era um passo». 

Depois de vários meses de tratamentos, foi submetida a uma cirurgia de remoção do íleo terminal, a parte do intestino delgado responsável pela absorção dos nutrientes digeridos. Nos cinco meses seguintes ficou internada: «Aprendi imenso enquanto estive no hospital», desabafa a atleta, «principalmente que a vida não é linear e que nós temos regras para seguir». Assim que saiu do hospital quis regressar ao desporto, ainda que de menor impacto, e decidiu experimentar ioga. «É uma actividade interessante, que nos dá paz de espírito», conta. E continua: «Foi assim que eu também fui aprendendo a adaptar o desporto às circunstâncias da doença de Crohn».


Cláudia tem uma vida completamente normal, combinando desporto com uma alimentação cuidada

No período após a intervenção cirúrgica, Cláudia ganhou parte do peso que tinha perdido, mas a recuperação não correspondia às expectativas dos médicos. Nessa fase foi necessário testar diferentes tipos de medicação, até encontrar o medicamento biológico que, finalmente, lhe trouxe melhorias – e que toma até hoje. «Foi um processo evolutivo», explica, «e eu estou sempre receptiva a testar as terapêuticas que os médicos acharem que são mais adequadas».

Mais tarde voltou a entrar em declínio, devido a uma deficiência de ferritina. Diagnosticada com uma anemia crónica, a atleta foi submetida a um tratamento endovenoso de ferro. Por essa altura já tinha regressado ao desporto de competição: «Eu não tinha a percepção de que estava a correr com uma anemia», conta, «e até ter essa percepção levou algum tempo». 

 


Hoje com 44 anos, Cláudia aprendeu a ouvir o corpo e a conhecer os seus limites. A combinação entre a prática de desporto equilibrada e uma alimentação cuidada tem-lhe permitido fazer uma vida totalmente normal: «Percebi que aquilo que como influencia a forma como treino e a forma como rendo do ponto de vista físico», explica, «e isso acaba por ser um mote para ter tudo minimamente controlado: as análises sempre a tempo e horas, as idas ao médico e a medicação. Não falhar esses pequenos detalhes faz a composição ideal para eu conseguir praticar desporto», conclui a atleta.

O triatlo surgiu há cerca de quatro anos, por mera casualidade: «Eu estava a nadar numa praia e vi umas pessoas a nadar com uns fatos. E pensei "isto deve ser uma modalidade engraçada"», recorda Cláudia. A curiosidade falou mais alto: «Fiz umas pesquisas, falei com pessoas que praticavam triatlo e fui à AHBE [Associação Humanitária de Bombeiros dos Estoris], onde estou actualmente, para tentar perceber de que forma podia entrar». E explica que, por englobar três modalidades muito distintas – a natação, o ciclismo e o atletismo –, o triatlo é um desporto equilibrado, que não sobrecarrega um só grupo muscular ou articular. «Tenho a minha grande paixão, que é a natação. E tudo que meta água, eu vou atrás» – remata, em tom de brincadeira. 

Tem um currículo desportivo admirável, mas o currículo académico não lhe fica atrás. Para além de ser professora e investigadora no IADE, terminou recentemente um doutoramento em Media Digitais. «Fui estudar de que forma é que os doentes com a doença inflamatória do intestino estavam aptos a medir alguns indicadores relativos à doença através duma aplicação para telemóvel», explica a autora, cujo estudo reverteu a favor da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI), da qual é associada.


A triatleta pratica natação há mais de 40 anos​

«Eu acho que a minha doença não é só minha», começa por dizer, «é dos outros também. E se tenho possibilidade e, acima de tudo, conhecimento para os ajudar, porque não dar esse passo em frente?», conclui. Esta não foi a primeira vez que Cláudia se envolveu em iniciativas de apoio a outros doentes. Em 2017 desenvolveu uma campanha de angariação de fundos, em conjunto com o triatlo, que tinha como objectivo levar os jovens associados da APDI a um encontro em Espanha: «A ideia era transformar os 113km do Half Ironman (prova de triatlo) em 1.130 de donativos».

Ao longo da vida já venceu muitas batalhas, mas garante: «A maior vitória que eu tive foi estar bem e fazer uma vida completamente normal». A família teve um papel crucial neste processo: «Eu tenho um apoio extraordinário da minha família», partilha. «Quando saí do hospital tinha uma dieta muito restrita e, se fosse a casa dos meus pais, eles comiam a mesma comida que eu».

A outros portadores de doença de Crohn, Cláudia deixa um conselho: «Aceitem a doença. A partir do momento em que se aceita, conseguimos lidar com ela muito mais facilmente. Não aceitar não dá jeito nenhum», brinca. 

Entre sorrisos, admite que não gosta de pensar no futuro. Prefere antes estabelecer metas a curto prazo, que vai tentando alcançar aos poucos. «Quando era mais nova tinha assim umas ideias de mudar o mundo», recorda, «depois, de repente, percebi que uma simples doença nos faz mud​ar muito a forma de pensar e de agir». Por isso, não faz grandes planos: «Tento sempre disfrutar do dia-a-dia. E o que vier, virá».

 

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