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13 agosto 2018
Texto de Irina Fernandes Texto de Irina Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes Fotografia de Miguel Ribeiro Fernandes

A pianista a cavalo

​​​​​​​A hipoterapia fê-la renascer para a música.

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Tinha dez anos quando a vida a pôs diante daquele que viria a ser um ‘amigo’ para a vida: um piano «velho e a precisar de restauro». A interpretação de uma das mais icónicas melodias de Beethoven, “Für Elise”, encheu o pai de orgulho, que decidiu, logo nesse dia, oferecer o instrumento à filha. Desde então a música faz parte da vida de Paula e é uma das fontes de superação da esclerose múltipla, doença diagnosticada aos 21 anos.
 
Quarenta anos depois, lá está ele. O mesmo piano na sala de estar. «Não lhe toco há uns bons meses… isto exige treino», antecipa-se, ajeitando as mãos sobre as teclas.
 
Os dedos, sempre muito dançantes, foram os primeiros a denunciar que algo não estava bem com o corpo. «Tinha formigueiro numa mão, em dois ou três dedos, e não passava».
 
A esclerose múltipla afecta o sistema nervoso central mas não impediu Paula Cristina Magalhães de ter uma família. Aos 51 anos, é casada e mãe de uma rapariga, Ana Jorge, 14 anos, e de Pedro, de 12 anos. «Sempre fui muito exigente comigo. Obrigava-me a saber sempre mais, a tocar muito bem piano. Em condições normais seria uma mãe exigente, mas hoje só quero que eles sejam muito felizes». 
 
Paula atribui à música muita da recuperação que conquistou «graças às memórias das músicas que tocava, dos sons» revela, suspirando:

 «Ai, meu Deus, e tanto que eu tocava». Antes de a doença dar sinal, a música preenchia as horas e os dias de Paula. Estudou na Academia de Música de Espinho, já adulta completou o curso superior de Piano, no Conservatório de Música do Porto. Pelo caminho, teve ainda um acordeão na Tuna de Engenharia da Universidade do Porto (TEUP), de que foi fundadora.  
 
O diagnóstico chegou após muitas dúvidas e um ano depois de Paula acabar o ensino superior. «Os médicos falavam que eram problemas de coluna».
 
 
 
Desses dias Paula Magalhães guarda «quase nada». Porque, bem vistas as coisas, pouco interessam. «Em boa verdade, tento esquecer. Acredito que fazemos da vida o que queremos».
 
Por causa da doença, enfrenta dificuldades na fala, visão, andar e ao nível do equilíbrio. Escrever é uma tarefa que só faz ao computador, «onde passo bastante tempo». A carreira como engenheira electrónica no INESC, Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, ficou para atrás.  
 
Paula tem saudade e paixão na voz mas não se vitimiza. É com muito pragmatismo que se refere à doença que a afecta desde os «20 e poucos anos». «A ordem que dou aqui em cima [aponta para a cabeça] para aqui para baixo [aponta para as mãos e pernas] não é executada. Tem falhas». 

 Nunca viu, no entanto, a esclerose múltipla como uma fatalidade. «É claro que tenho estas limitações, mas vivo com elas! Não vivo como as outras pessoas, mas vivo».

 Tem feito das adversidades a sua maior força. O ginásio e as barras de equilíbrio, que tem em casa, em Paços de Brandão, a poucos quilómetros de Santa Maria da Feira, são prova disso. Faça chuva ou sol, quando o calor ou o frio não lhe trazem dor aos músculos, faz exercícios desafiando o corpo. «Tudo o que faço não é para evoluir muito. É para não andar muito para trás», lança, consciente da inexistência de cura.  

 A fisioterapia e a ginástica contribuíram para a evolução mas foi Papoila, uma égua de pêlo cor-de-mel e porte pequeno, quem mudou «radicalmente» a sua vida.

 Há nove anos a hipoterapia «fez-me renascer», diz.


No Clube Equestre de Loureiro, Equit Loureiro, em Oliveira de Azeméis, participou em sessões que foram um «virar de página» na vida de Paula. «Antes da hipoterapia não falava e quando o tentava fazer ficava logo muito cansada. Agora? Bom, agora, falo pelos… cotovelos!» [gargalhadas].

 «Braços esticados para cima e à frente. E, agora, atrás das costas», ordenam os terapeutas. E Paula executa. Os momentos no picadeiro eram, como ainda hoje gosta de descrever, um «casamento perfeito». «Mal me sentava, a Papoila sabia logo quem eu era e quais as minhas dificuldades e necessidades. Eu nem precisava de falar…».

 A separação de Papoila foi motivada por um «fecho inesperado» do local onde decorriam as sessões. «Ela está no meu coração, para sempre. Tenho tantas saudades…».

 Graças à hipoterapia conseguiu progressos no desenvolvimento físico, psíquico e motor. «Recuperei comandos importantes no meu corpo. Ainda tremo um bocadinho mas, globalmente, tenho domínio das minhas capacidades», afirma, revelando orgulhosa «Tenho força, e até já sou capaz de empurrar coisas!».  

 De dia para dia, conseguiu distanciar-se das limitações que a doença lhe foi trazendo. «Com a hipoterapia agilizei todo o meu corpo. Não sou como era antigamente, mas renasci de outra forma».

 A perseverança trouxe-lhe uma generosa recompensa: nadar. Algo de que era incapaz há dois anos. Dentro de água, o mundo volta a ser seu. Não existem obstáculos, só alegrias. «Eu caminho, canto e até consigo ir ao fundo da piscina! E faço tudo isto sozinha! Não preciso de ninguém», relata efusivamente.
 
 Disciplinada, Paula Cristina Magalhães insiste nas terapias que mais a ajudam: nadar na piscina e a hipoterapia

É com uma enorme alegria e vivacidade que fala dos momentos em que está dentro de água. «Ali, sinto-me como diz aquela música “1…2…3… / Vou nascer outra vez”», evocando o tema “Nascer Outra Vez”, da banda portuguesa Ritual Tejo, dos anos 90.

 Há menos de um mês voltou à luta: reiniciou a hipoterapia. Desta vez na Quintinha Pedagógica de Canelas, uma vez por semana. Em fase de adaptação a Lucky, o cavalo com que fará a terapia, Paula desabafa: «Andar a cavalo é muito bom para mim».

 O pensamento positivo tem sido a maior arma para viver. «Se eu for a pensar: “Isto é muito mau”, então tudo fica péssimo. É preciso dar a volta», justifica. «A vida não pode ser assim tão má. A vida é nossa amiga, temos é de dar-lhe uma ajuda. É preciso acreditar».

 A esclerose múltipla afecta 8 mil pessoas em Portugal. A todos, Paula faz um apelo: é preciso lutar, lutar, lutar. «Ser insatisfeitos». O próximo desafio? Saltar de pára-quedas. 
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