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9 outubro 2020
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de Ricardo Castelo Fotografia de Ricardo Castelo

A fórmula do futuro

​​​A farmácia recorre a equipamentos semi-industriais na preparação de manipulados.

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​Farmácia Marques Ramalho - Amorim, Póvoa de Varzim

Jesuína Leite chega à farmácia bem-disposta numa tarde de terça-feira. Veio levantar uma nova receita do medicamento da mãe, de 77 anos. O manipulado foi prescrito pelo cardiologista, quando os níveis de potássio da dona Zélia revelaram estar abaixo do normal. Sem alternativa comercial, foi na farmácia da freguesia de Amorim, onde vive, que encontrou solução para o problema.
 
O medicamento, embora não seja comparticipado, é essencial para controlar os valores do mineral e garantir o funcionamento correcto do coração. «A minha mãe tem problemas cardíacos e se não houvesse o manipulado não sei como se resolvia a situação dela», desabafa a utente de 54 anos. Jesuína garante que é um alívio contar com o apoio da farmácia: «hoje é a minha mãe, amanhã posso ser eu».


A directora-técnica, Cristina Azevedo, investiu em equipamentos para aumentar a qualidade do laboratório da farmácia

A Farmácia Marques Ramalho é tratada carinhosamente por toda a gente, há 51 anos, como a “farmácia de Amorim”, antiga freguesia rural e suburbana a 30 quilómetros do Porto, famosa pelas broas de milho vendidas à beira da estrada. Quando assumiu a gerência, em Julho de 2002, Cristina Azevedo soube que os seus sonhos não cabiam em 60 metros quadrados. Na altura, as obras permitiram-lhe melhorar as infra-estruturas e construir um pequeno laboratório, onde deu os primeiros passos na área dos manipulados. A curiosidade vinha já desde os tempos de faculdade. «Eu sempre considerei os manipulados uma vertente fulcral da farmácia», confessa.

Na Expofarma, maior feira nacional de novidades para as farmácias, fez o primeiro grande investimento em equipamentos. O homogeneizador, onde é feita a mistura dos componentes de pós, cremes e pomadas, é até hoje um aliado na hora de "pôr as mãos na massa".



Em 2008, a farmácia mudou para instalações mais amplas. Agora, na lateral da fila de balcões, uma pequena janela dá um vislumbre do laboratório. A magia acontece pelas mãos da directora-técnica e da jovem farmacêutica Ana Maria Maia, sua adjunta.

Ao homogeneizador junta-se o banho-maria, essencial para as preparações com componentes que precisam de ser fundidos a determinadas temperaturas; as balanças, calibradas anualmente; e a câmara de biossegurança, que permite manusear os materiais, reduzindo o risco de contaminação e garantindo a segurança das farmacêuticas.

Para uma farmácia de aldeia investir na produção própria de medicamentos, precisa de conquistar a confiança dos prescritores. As especialidades médicas que mais procuram os manipulados são a Pediatria e a Dermatologia. Os veterinários também.


«Temos de nos socorrer das farmácias para garantir formulações nas doses adequadas às crianças, sem condicionar a terapêutica», defende a pediatra Andreia Costa

A pediatra Andreia Costa, especialista em neonatologia e cuidados intensivos pediátricos, explica que nos bebés, principalmente os prematuros, é essencial preparar formulações adaptadas ao peso e à imaturidade fisiológica inerente. «A criança não é um adulto em miniatura e, por isso, não podemos fazer extrapolações» – argumenta a médica, de 46 anos – «temos de nos socorrer das farmácias para garantir que as formulações são feitas sem condicionar a terapêutica». E dá o exemplo da vancomicina, utilizada no tratamento de infecções: existe em embalagens industriais de 50 miligramas, mas chega a ser necessário fazer formulações com 1 miligrama por quilo.

A Farmácia Marques Ramalho conta com a consultoria permanente do Laboratório de Estudos Farmacêuticos (LEF) da Associação Nacional das Farmácias (ANF), maior referência em Portugal na área dos manipulados. Este apoio permite-lhe dar sempre resposta a novas necessidades de médicos e utentes. «Sempre que aparecem formulações que nunca fizemos, pesquisamos e pedimos opinião ao LEF» – explica a farmacêutica – «sejam dúvidas sobre excipientes, incompatibilidades ou até mesmo para perceber se podemos formular aquela prescrição».

Com anos de formação e experiência na preparação de medicamentos manipulados, Cristina promove workshops e palestras dirigidas à comunidade médica e aos estudantes. Nestas sessões e no dia-a-dia, tem a missão de, passo a passo, dar conhecer a área dos manipulados. «Há quem pense que ainda estamos na Idade da Pedra» – brinca a farmacêutica de 47 anos, admitindo que, muitas vezes, é com surpresa que os profissionais de saúde se apercebem da evolução que a área tem sofrido. 


«​​Os manipulados da farmácia permitem dar ao animal a dosagem certa», elogia Filipa Quintela, médica veterinária

A proprietária da Clínica Veterinária das Alamedas, em Vila do Conde, Filipa Quintela, tem sentido uma aproximação cada vez maior à farmácia, ao longo dos seus 16 ​anos de prática. «Os manipulados permitem dar ao animal a dosagem certa, garantindo o sucesso terapêutico», explica Filipa. Com a ajuda da farmácia, a veterinária consegue escolher a forma farmacêutica e até o sabor preferido pelos animais de companhia, o que facilita muito os tratamentos.

O Estado garante a comparticipação de 168 medicamentos manipulados de uso humano. Um número que, segundo Cristina, demonstra que o caminho está traçado, mas com margem para melhorar. «É a prova de que o Ministério da Saúde reconhece o valor e a necessidade dos manipulados na prática diária dos médicos», afirma a farmacêutica.

No escritório com vista para o laboratório, a directora-técnica mostra-se decidida a tornar a farmácia «cada vez mais diferenciada em manipulados». A sua estratégia
é aprofundar «um triângulo de comunicação entre farmacêuticos, médicos e utentes, em que a saúde é a prioridade». Sorridente, lê um post-it amarelo colado na parede, com uma das suas citações favoritas: «A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo».​


 


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