Gregório, nome fictício, pergunta «Que dia é hoje?» para calcular há quanto tempo está sem consumir drogas: – «Nove anos, sete meses e 16 dias», precisa, orgulhoso.
Em momentos de desnorte, nesse mundo paralelo, quando ficava a viver nas ruas, não era responsável. «Nem sempre me protegi. Por vezes a ansiedade era tanta que eles injectavam-se e eu usava a seguir». Apesar dos deslizes, teve sorte. Em 25 anos de uso de drogas duras, "só" apanhou hepatite C. Tratou a doença no período de recuperação da adicção. Está curado.
Nunca abandonou seringas na rua. «Nunca fui desses, de ir a um lado, usar drogas e depois deixar lá tudo, isso não», relata este mineiro de profissão, de 54 anos. Guardava as seringas para as trocar na farmácia. «Trataram-me sempre bem. Traziam logo o caixote amarelo e eram simpáticos, não faziam perguntas».
Gregório atribui a sua recuperação aos Narcóticos Anónimos. Conheceu o método Minnesota de 12 passos numa comunidade terapêutica. No seu caso, perto de Fafe. Desde que entrou em recuperação, não teve qualquer recaída. O caminho para chegar onde está agora, em São Jorge da Beira, a cerca de 40 quilómetros da Covilhã, terra onde cresceu, foi longo e poderia ser o guião de um filme. Houve «muita "geográfica"», como o próprio descreve.
Em 1969, tinha ele cinco anos, os pais emigraram para Düsseldorf e deixaram-no em Portugal, entregue a familiares. «O meu pai bebia e tratava a minha mãe muito mal. As coisas eram violentas em casa. A polícia teve de o mandar embora», descreve. Divorciaram-se. Com 15 anos, ele emigrou também, para se juntar à progenitora.
Passou os dois primeiros anos em Düsseldorf a fumar haxixe. Conta que um dia, já com 18 anos, estava num bar com duas raparigas alemãs. Elas afastaram-se quando souberam que consumia. «Aquilo mexeu muito comigo». Parou o consumo.
Dois anos depois, todos fumavam haxixe na zona onde se movimentava. «Ao fim de algum tempo, pensei: “Eles agora andam todos a fumar ganza, eu não fumo. Vou experimentar cocaína para ser diferente”». Foi à Holanda buscar a substância. «Foi assim que iniciei a minha caminhada nas drogas duras». Corria o ano de 1984 e ele tinha apenas 20 anos.
Nos três anos seguintes, conseguiu esconder o consumo da família, dos amigos, de todos. «Só snifava, e sozinho», conta. Aos 23 anos, conheceu outro emigrante português e tudo mudou. «Ele diz-me: “Estás a estragar a droga”». Poucas semanas depois, numa madrugada em que «já tinha bebido bastante», desceu mais um degrau: deixou o colega injectar-lhe a substância. Contraiu hepatite C a partilhar seringas com esse "amigo". Ignorou a doença e as consequências que poderia trazer para a sua saúde. O vício era mais forte.
Ainda assim, consciente dos riscos, Gregório começou a comprar seringas nas farmácias de Düsseldorf. «Eu trabalhava, tinha dinheiro, carro, namorada, tudo», recorda. Com as injecções de cocaína desceu ao inferno. «Comecei a gastar o dinheiro todo que tinha, já não largava». Num ápice, ficou agarrado. «Torna-se muito mais viciante, muito mais rápido». Acabou preso por ofensas corporais graves. Ainda na Alemanha, cumpriu pena de três anos. No período de reclusão não usou drogas. «Fazia desporto».
Cumprida a pena, regressou a São Jorge da Beira. No primeiro ano, manteve-se afastado das drogas. O regresso deu-se em 1993, ano em que arrancou o Programa Troca de Seringas (PTS) em Portugal. Tinha ele 29 anos. «Comecei a conhecer pessoal aí, que ia a Espanha buscar a droga e comecei a ir também». Voltou a injectar cocaína. «Como estava sempre muito acelerado por causa da coca, os colegas que usavam heroína disseram-me: “Experimenta um bocadinho disto, que acalma”. E ele experimentou. Ia a Espanha e a Lisboa buscar droga com «pessoal» de Coimbra e da Marinha Grande. O carro passou a ser a sua casa. «Andava para trás e para a frente». Quando levava outros aos bairros de uso, davam-lhe droga. Multiplicava contactos com um único objectivo: consumir.
O "clique" para perceber que precisava de ajuda chegou num momento em que a mãe chorou «com pena dos jovens». Foi o início da sua jornada de recuperação. Pediu dispensa no trabalho, nas minas, e esteve em tratamento nove meses numa comunidade terapêutica. «Aceitei que sou adicto. Não posso tocar em drogas, álcool, nada». Os grupos dos Narcóticos Anónimos ajudam-no a enfrentar «um dia de cada vez». Continua a ser acompanhado no CAT da Covilhã. Hoje, é um homem diferente, com projectos e planos. Casou pela segunda vez e está a tentar ser pai. A carta verde dos médicos já chegou. Está feliz.