Política de utilização de Cookies em Revista Saúda Este website utiliza cookies que asseguram funcionalidades para uma melhor navegação.
Ao continuar a navegar, está a concordar com a utilização de cookies e com os novos termos e condições de privacidade.
Aceitar
2 junho 2022
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Torrinha Vídeo de André Torrinha

«A Rádio dá para sonhar»

​​​​​​​​​A sua voz ficou no coração de todos. Eleito a maior figura de sempre da Rádio, gosta de saber que é «um gajo porreiro».

Tags
​​Quando era pequenino, em Vilar de Andor​​​​​​​​inho [Vila Nova de Gaia]…
T​​​amb​​ém fui pequenino [risos]. 

O que queria ser quando fosse grande?
Adorava fazer uma carreira de ator. Ainda bem que não fiz, não tenho jeito nenhum, mas gostava muito. Tanto que a Rádio começou pelo teatro. Fiz teatro amador, e uma das coisas mais importantes em Rádio eram as radionovelas. Havia tradições em quase todas as estações: o teatro das comédias, as grandes noites de teatro, com autores portugueses de renome, e, no Rádio Clube e na Renascença, aconteciam os rádio romances.

E como se torna locutor?
Fui a um concurso na Emissora Nacional para ser ator de teatro radiofónico, prestei as provas de diálogo, improviso, várias coisas. No final, uma grande senhora e locutora, a dona Maria Leonor, chamou-me: «Ó miúdo, anda cá». Eu tinha 16 anos e apanhei uma desilusão horrível [risos], porque no final ouvi: «Quem te disse que tinhas jeito para teatro? Tu não tens jeito nenhum! Mas fizeste a melhor prova de improviso, tens uma voz muito própria. Se quiseres e trabalhares, podes ser um grande comunicador e um excelente locutor de rádio». Agradeci, mas fiquei desiludido. Cheguei a casa e contei à minha mãe, muito triste. A minha mãe só me disse: «És mesmo estúpido. Quem te disse isso foi a dona Maria Leonor? Se ela diz isso, tenta!». 



E tentou.
Uns amigos estavam ligados a uma Rádio local, a Rádio Ribatejo. Houve um concurso com 200 pessoas e ganhei. A partir daí, entrar num estúdio de Rádio, sentir o microfone, criou-me um encantamento tão grande pela comunicação através da Rádio que passou a ser a minha primeira paixão. A seguir televisão, depois piano, compor, apresentar espetáculos em palco e ainda escrever.​

Porquê a Rádio​​​?
Porque é uma arte. As pessoas não nos estão a ver, só nos ouvem. E o que dizemos pode ter a magia de um livro. Gosto sempre mais do livro do que de um filme sobre esse mesmo livro. Ao lermos, realizamos as imagens, e até podemos estar todos a ler o mesmo livro, mas cada pessoa lê-o de uma maneira diferente. A Rádio dá para sonhar. A televisão não, é o que se vê.

Há um espaço deixado à imaginação.
A Rádio tem mudado. Hoje já dá pouco espaço a essa imaginação. Ainda há programas de autor e muita coisa em que construímos o que está a ser feito e dito, mas diria que 90% é um longo gira-discos, um reprodutor de canções que se repete ao longo do dia, de forma fastidiosa até. Sempre gostei muito mais da Rádio de autor.

Que programa mais gostou de fazer?
​Em televisão foi o “Palavra Puxa Palavra”, tinha muito a minha pele. Era uma boa ginástica numa coisa de que gosto muito, a língua portuguesa.



​E em Rádio?​​
​Durante um tempo, não percebi o fenómeno, estava muito no centro do furacão. Agora é que digo: «Uau, o “Despertar” foi mesmo revolucionário na forma de fazer Rádio nas manhãs». Na estética, na forma de comunicação, no humor, nas coisas com amor, nas sérias e nas a brincar. Antigamente, vivia dentro do estúdio. Ajudei a levar a Rádio para a rua, com o “Despertar” ao vivo. A Avenida dos Aliados, na primeira grande emissão, tinha mais de 35 mil pessoas. Às sete da manhã!

Tem um bom despertar?
Não acordava todos os dias bem-disposto. Há dias em que sim, acordamos e… [estala os dedos]. Mas há outros em que uma pessoa acorda e diz: «Hoje não me apetece nem tomar duche! Quanto mais ter de tomar, sair, fazer quilómetros, ir para um estúdio, e vamos a isto». Tive muitos momentos desses, e também difíceis.​​​

​Recorda-se d​e algum? 
Lembro-me de um, talvez o mais difícil. O “Despertar” começava às sete e acabava às dez. Às oito e meia, saí, estava a arrumar os discos, agachado, e não me viram. A nossa telefonista veio dizer ao técnico: «Não digas nada ao António, diz-lhe só no fim. A mãe telefonou, a avó morreu». E… tenho uma hora e meia para fazer [sustém a respiração]. Foi dos momentos mais dramáticos e fortes na minha vida. Habituei-me a falar a verdade no trabalho.

A honestidade é essencial?
Talvez tenha sido isso a criar a emoção com as pessoas e uma ligação muito boa. Quando mor​reu o Carlos Paião, estava a fazer o programa e gostaria de não estar ali, mas não havia hipótese. Comecei e disse: «Quem está aqui é o indivíduo de todos os dias, mas esse tipo não está cá hoje. Peço desculpa. Faleceu há 48h o meu melhor amigo, ajudem-me a fazer esta emissão. Bom dia para todos». E achei: «deontologicamente, não devia ter feito isto». Depois percebi que devia. Nesse dia, as pessoas não estavam com o António Sala, o locutor, mas com o homem. Passamos pedaços de nós, da nossa afetividade.



É essa a sua marca?
Durante muito tempo, gostava de ouvir: «Você é muito bom locutor» ou tem uma voz assim ou assado. Agora prefiro: «É um tipo porreiro, gosto imenso de si. É um companheiro».

É considerado a maior figura de sempre da Rádio em Portugal. O que significa isso para si?
Dou muita importância. Daria menos se tivessem sido os pares a atribuir a distinção. Mas foi o público do país inteiro. Fui às lágrimas. Também não é difícil.

É um homem de família.
Tenho uma família maravilhosa. É o suporte, o sustentáculo da minha vida. Deus tem-me dado muitas bênçãos. A maior é a família. Os amigos e a profissão também. E esta caminhada já longa, de que me orgulho muito.

Como está a viver esta fase?
Tive dois cancros e um tumor benigno na cabeça. Tenho um cardápio fantástico, mas tento ver o copo meio cheio, com a ajuda da família, dos amigos e com confiança total nas equipas médi​cas. Às vezes, oiço: «Venci o cancro». O que é isso de vencer um cancro? Vamos lutando e vencendo parcialmente. Para isso, temos de fazer exames, primeiro semestralmente, depois anualmente.​

Continua bastante ativo. Em que está a trabalhar?​​
Enquanto as forças derem, não quero parar. Estou a escrever. Tenho três livros já acabados. Além disso, está a ser preparado, na Parede, o Museu da Rádio e da Comunicação António Sala. E sou convidado para ir a escolas e a universidades.​