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30 março 2023
Texto de Sandra Costa Texto de Sandra Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro Vídeo de André Oleirinha Vídeo de André Oleirinha

Welcome to Naza!

​​O surf colocou a Nazaré na boca do mundo.

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A gigantesca onda surfada pela lenda do surf Garrett McNamara, em 2011, lançou os olhos do mundo para a terra que sempre viveu, entre o amor e o ódio, do mar. Antes de ser destino do surf internacional de ondas grandes, a Nazaré já fora o centro do culto mariano em Portugal, muito antes de Fátima, graças a uma lenda com mais de 800 anos, que resgatou de uma gruta uma imagem da Virgem Maria, que viajara clandestina desde a Palestina e deu nome à terra: Nazaré, ou Naza, para os surfistas. Bem-vindo à terra do Oeste, onde nazarenas de sete saias se cruzam no café com surfistas que fizeram da Nazaré casa!​
Foi Dino Casimiro quem deu a conhecer a praia do Norte à lenda do surf Garrett McNamara. Sempre acreditou no potencial da Nazaré para a prática desta modalidade

McNamara não descobriu sozinho a Nazaré. Seis anos antes de surfar a onda de quase 24 metros, então a maior do mundo, recebeu uma fotografia de uma onda gigante, juntamente com um convite para vir ver com os próprios olhos o potencial da praia do Norte, onde o canhão da Nazaré, o maior desfiladeiro submarino da Europa, faz as ondas cavalgarem e crescerem de tamanho. Foi a primeira de muitas fotos que Dino Casimiro lhe enviou. O filho da terra e apaixonado pelo mar sempre acreditou no potencial da Nazaré para o surf. Em miúdo, com os amigos, desafiava a proibição de pôr os pés na água da praia do Norte. Iam fazer bodyboard, no início com pranchas de esferovite. Por vezes, as ondas eram tão grandes que ficavam na areia, só a olhá-las. «A praia do Norte era um diabo!», todos os nazarenos concordam.


A surfista de ondas grandes Justine Dupont escolheu morar na Nazaré

Até ele, que nunca duvidou, se surpreende com a dimensão que o projeto The North Canyon Show alcançou. «Com 12 anos de história no surf mundial, a Nazaré é a meca do surf das ondas grandes, ao nível do Hawai, da Califórnia e da Austrália», diz com orgulho. Surfistas como a brasileira Maya Gabeira, o alemão Sebastian Steudtner e a francesa Justine Dupont escolheram viver ali. McNamara comprou lá casa e casou-se no Forte de São Miguel Arcanjo, rodeado de mar. «Chegam e percebem que a Nazaré é mais do que só a maior onda do mundo», justifica Dino. Justine Dupont, uma das melhores surfistas de ondas grandes do mundo, confirma: «A Nazaré é um lugar para se estar e um local perfeito para treinar, pela frequência de ondas grandes». Justine adora a Natureza, o lado selvagem e a simpatia das pessoas.

Surfer Wall no Forte de São Miguel Arcanjo

No Forte de São Miguel Arcanjo, que já serviu para defender povoações dos piratas e prevenir naufrágios em dias de nevoeiro, é possível visitar o Centro Interpretativo do Canhão da Nazaré e uma exposição de pranchas dos grandes surfistas e bodyboarders que lá passaram. Subindo ao topo do forte, são 360º de uma vista deslumbrante, em tons de azul: à direita, a temida praia do Norte; à esquerda, as casas brancas viradas para a praia da Nazaré, o porto de abrigo e, na linha de costa, depois da foz do rio Alcoa, a sucessão de praias até Peniche. Nos dias claros, surgem no mar a ilha da Berlenga e os Farilhões.

 A enfermeira Susana ​Rolo, que vive na Nazaré desde os seis anos, no ascensor que liga a praia da Nazaré ao Sítio, na parte alta

«Mesmo quando o mar está ruim – aqui o mar nunca está mau, está ruim –, é lindíssimo», garante a enfermeira Susana Rolo, que, na frente do mar, sente a alma rejuvenescer. Não vem de uma “família de sete saias”, mas não se sente “paleca”, nome dado a quem é de fora. Chegou à Nazaré aos seis anos, quando os pais elegeram a terra da avó paterna para abrir uma geladaria, já então a Nazaré era estância balnear. Nutre, como todos os nazarenos, um «respeito enorme» pelos corajosos pescadores e suas mulheres, que «ficam em terra e tratam de tudo, ainda hoje é assim».

​​Na areia da praia da Nazaré, Francelina Quinzico vende peixe seco. É o seu trabalho há 45 anos

Na areia da praia da Nazaré, Francelina Quinzico vira os peixes que secam ao sol nos estendais de peixe seco, paliçadas de madeira e rede, que são um museu vivo: o Museu do Peixe Seco. A tradição vem do tempo em que era preciso conservar o peixe para o comer no inverno, quando o mar ruim impedia os pescadores de trabalhar. Hoje continua a ter fregueses fiéis. Há carapau, peixe-espada, safio, dourada, pargo, robalo, raia, tentáculos de pota. Os mais pequenos levam três dias de seca, um pouco de sal e ficam já temperados; os mais grossos ficam mais tempo e têm de ser demolhados, como o bacalhau. Filha, neta e mulher de pescadores, Francelina vende peixe há 45 anos. Gosta do ofício e recorda, a rir, estórias antigas, como aquela em que, ainda miúda, vinha para a praia pedir aos franceses: «“Messiu, monê por le pan, por la mangê, que mon papa morreu em la bateau” e apontava para o mar. Quantas mais excursões vinham, mais vezes o meu pai morria no mar!».


Praia da Nazaré, com as casas brancas viradas para o mar, e a linha de costa até Peniche

Não morreu ele, mas morreram muitos. Antes do ansiado porto de abrigo, inaugurado em 1983, onde chegam traineiras e barcos de arrastão para descarregar na lota, grassava na Nazaré o luto e a fome. «Famílias comiam fiado o inverno inteiro», conta Júlio Almeida, neto de pescadores. Lembra-se, miúdo, de ver barcos a virar a 100 metros da praia, os pescadores a morrer sem que ninguém pudesse acudir. «O negro constante no traje das nazarenas traduzia a tragédia marítima, que Leitão de Barros imortalizou» [no filme “Nazaré Terra de Pescadores”].

 Cataplana de peixe, uma iguaria na Nazaré, a par do peixe grelhado e da caldeirada nazarena

O pitoresco ascensor transforma em prazer a íngreme subida da praia até ao Sítio, a parte alta da Nazaré. No grande largo, junto ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, nazarenas de saias rodadas, lenço e meias de lã vendem frutos secos em bancas ambulantes. Nas ruas estreitas, cheira a peixe a assar nos fogareiros à porta de casa. Os restaurantes servem a famosa caldeirada nazarena, com vários peixes de costa.


Capela da Memória, construída em homenagem a Nossa Senhora da Nazaré, por ocasião do milagre de 1182

Encostada ao promontório, a Capela da Memória foi construída por cima da gruta onde durante 400 anos esteve escondida a imagem da Virgem que, conta a lenda, salvou o cavaleiro D. Fuas Roupinho, alcaide-mor do castelo de Porto de Mós, de cair penhasco abaixo durante a perseguição a um veado, numa manhã de nevoeiro, a 14 de setembro de 1182. Em honra da Virgem, D. Fuas mandou erguer a capela. Dois séculos mais tarde, para acolher com dignidade tantos peregrinos, D. Fernando ordenou a construção do santuário que, desde 1377, acolhe a imagem. 
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O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré é um símbolo da religiosidade dos nazarenos e atrai excursões de turistas

No século XVIII, período áureo do culto mariano na Nazaré, vinham milhares de peregrinos venerar a Virgem. «O santuário foi o grande centro de peregrinações marianas da monarquia portuguesa e um grande centro de sociabilidade na época moderna», conta Júlio, funcionário do santuário. A construção do santuário de Fátima, em 1928, desvia as atenções da Nazaré, mas não lhe tira o peso de oito séculos de história. Numa parede, alinham-se duas imagens de Nossa Senhora, em cima a de Fátima, em baixo a da Nazaré, «a mãe nova e a mãe velha», resume Júlio. O santuário barroco é um símbolo na religiosidade dos nazarenos, que ali casam e batizam os filhos, e atrai excursões de turistas, que se deliciam com o painel de azulejos holandeses de Delft, a talha dourada da capela-mor, a grandeza do retábulo, as lâmpadas de prata magníficas. Atravessando o largo, defronte do promontório altíssimo, a vista sobre o mar imenso e uma das mais belas praias de Portugal.​​​


 


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