O museu tenta criar pontes e é isso que fazemos logo à entrada!», assevera em tom convidativo João Neto, diretor do Museu da Farmácia. No espaço museológico, sedeado em Lisboa, a história da vacinação atravessa o período do século XVIII até aos dias de hoje apresentando-se, para já, em formato peculiar. «Esta exposição não tem data de término», pois «está entrosada em todo o museu».
Mural do antigo edifício do Laboratório Sanitas, em Lisboa, alusivo à indústria farmacêutica nacional
No piso térreo e no primeiro andar, o acervo é rico e oferece a contemplação de objetos que espelham a fé, a magia, os recuos e as conquistas daquela que foi uma das maiores descobertas científicas do mundo: a vacinação. O primeiro ponto de paragem é um «mural de 1953 de um laboratório, onde está uma vaca», nomeia João Neto. «Explicamos, aí, a importância que os animais tiveram – em particular a vaca – na história da vacinação», antecipa. Foi, precisamente, devido à varíola bovina que se viria a descobrir o novo medicamento: a vacina.
A varíola foi responsável por inúmeras epidemias descritas ao longo da História. Estima-se que a doença matava 400 mil pessoas por ano na Europa no século XIX. Após anos de estudo e observação, o médico inglês Edward Jenner (1749-1823) verificou que quando havia surtos de varíola havia uma classe profissional que não ficava doente: as leiteiras e os leiteiros que ordenhavam as vacas.
A 14 de maio de 1796, Jenner protagoniza a primeira inoculação. Decide inocular uma criança, James Phipps, de oito anos, filho do seu jardineiro. Nesse momento percebeu que a sua vacina contra a varíola tinha o potencial de transformar a medicina e salvar vidas!
Conjunto de lâminas para vacinação, do século XVIII
«Na nossa coleção temos os primeiros objetos usados no século XIX, as lancetas. Tudo começa quando Jenner corta as borbulhas da varíola das vacas (com uma lanceta) e aquele líquido é inoculado nas pessoas», partilha João Neto, revelando que «suspeita-se, agora, que algo similar já se fazia na Turquia».
Seguindo viagem pelos corredores do Museu da Farmácia, há peças especiais às quais poucos conseguem ficar indiferentes. Um desses exemplos é o cartaz de propaganda de 1977, divulgado nos EUA, onde duas das mais conhecidas personagens do filme de ficção científica norte-americano "Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança", deixam um apelo à vacinação: «Pais da Terra, os vossos filhos estão totalmente imunizados? Certifique-se – ligue para o seu médico ou departamento de saúde hoje mesmo. E que a força esteja convosco!», anunciava o cartaz.
Mas há mais: «Temos um outro objeto, uma pistola, uma peça que foi criada por um escocês, e muito utilizada nos EUA, para disparar uma vacina», conta o diretor do museu, evocando que em determinados países existiu relutância na aceitação científica das vacinas. «As pessoas tinham de ser vacinadas à força».
O escarificador cutâneo era, no início do século XIX, um instrumento utilizado para a vacinação da varíola (doença infecciosa)
Nesta viagem sobre a história da vacinação, a seringa é, pois, um objeto indissociável. «As pessoas olham para a seringa como um objeto essencial da história da ciência ligada à saúde. E, por outro lado, a seringa mostra que a farmácia passou a ser mais um ponto importante dessa conquista da saúde», detalha o responsável.
Expostos numa vitrine, no átrio, o kit de prevenção da sida e outros materiais referentes ao Programa Troca de Seringas "Diz Não a Uma Seringa em Segunda Mão", iniciado em 1993, merecem uma paragem demorada.
Embora não exista ainda uma vacina contra a sida, foi pela mão da Professora de Ciências Farmacêuticas e investigadora Odette Ferreira – uma das mais importantes cientistas portuguesas, pioneira na investigação sobre a infeção do VIH/sida em Portugal – que foi desenvolvido o primeiro programa de troca de seringas do país. O programa permitiu prevenir a transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) e outras infeções transmitidas por via sanguínea entre pessoas que utilizavam drogas injetáveis.
Vacina conhecida como Comirnaty Omicron XBB.1.5, usada na prevenção da COVID-19
As conquistas respeitantes à descoberta de uma vacina capaz de travar a pandemia de COVID-19, que assolou o mundo no ano de 2020, estão igualmente representadas. «Temos amostras de todas as vacinas usadas no combate à COVID-19», frisa João Neto. «Quando, em agosto de 2020, o presidente russo Vladimir Putin foi à televisão falar da vacina, eu falei com a embaixada para nos doarem essas peças. Temos as duas doses da vacina Sputnik V».
Evocando os dias em que a comunidade científica pouco ou nada sabia sobre o novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, responsável pela doença COVID-19, João Neto sublinha a importância da descoberta de uma vacina, e não de um comprimido. «Por ser uma vacina, as pessoas encheram o peito de esperança entendendo que a vacina ia evitar que a doença entrasse no seu corpo», observa João Neto.
Inaugurado em junho de 1996, o Museu da Farmácia está em permanente transformação. «Em breve vamos receber um frasco da vacina respeitante à última estirpe da varíola. Estamos em conversações com a anterior secretária de Estado da Saúde, Margarida Tavares, para nos ser feita essa doação», anuncia João Neto.
Está também prevista a criação de um «espaço próprio dedicado inteiramente à vacinação», conclui.