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2 julho 2021
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira Vídeo de Miguel Gonçalves Vídeo de Miguel Gonçalves

«Uma pessoa ostomizada é igual às outras»

​​Um dia Cátia Freitas pensou preferir morrer a ter uma ostomia. Hoje a sua auto-avaliação é simples: «Somos tão ridículos às vezes!».​

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​Aos 39 anos, Cátia Freitas já se havia obrigado a inúmeras mudanças na vida. Renegar a natureza pessimista foi a maior das adaptações à nova realidade pessoal. A ostomia foi só um desafio. Estava viva, isso era o mais importante. 

Entrou no bloco operatório do IPO pela segunda vez, em 2019. Com formação em Ciências Farmacêuticas, sabia bem que não ia a passeio. Contudo, ansiava pelo momento. Um ano após a cirurgia de remoção de um tumor de mais de um quilograma (cancro raro no apêndice), a nova operação serviria para remover os tumores deixados para trás. 

Os médicos explicaram-lhe que este procedimento seria mais complexo, por envolver também «uma espécie de limpeza a quente com quimioterapia, deixada em circulação na cavidade abdominal durante uma hora, para eliminar eventuais células tumorais remanescentes», recorda. Mas a realidade superou a expectativa. Foram necessárias mais de oito horas no bloco, uma semana nos cuidados intensivos, outras duas nos cuidados intermédios, meses em casa. «Não vou mentir: o pós-operatório foi muito difícil porque, além do resto, estive a recuperar de uma queimadura interna. Lembro-me de pensar, quando a morfina me permitia: «Como vou conseguir manter-me positiva assim? O meu mantra passou a ser: isto passa, isto passa, isto passa… E foi passando, cada dia melhorava. Hoje já nem me lembro». 

Não foi só com a dor que Cátia teve de lidar. Quando acordou, os médicos informaram-na, «cheios de paninhos quentes», que depois da histerectomia no ano anterior, lhe tinham retirado vários outros órgãos, já bastante afectados: a vesícula, parte do fígado, o baço, um bocado do diafragma, uma parte considerável do intestino. Cátia ficaria ostomizada algum tempo. «Recebi a notícia e era eu que consolava os médicos, a assegurá-los de que estava tudo bem. Sabia que as pessoas podem viver e funcionar sem montes de órgãos. “O importante é que estou aqui”, disse-lhes».  

A ostomia era uma hipótese conhecida, sustenta, embora considerada muito remota. Porém, «durante a cirurgia, os médicos perceberam que o cancro estava muito disseminado na cavidade abdominal. Ainda me lembro de me dizerem: “Cátia, tu tinhas tumores por todo o lado!”. Teve mesmo de ser assim».  

Ao novo, juntou-se o mantra velhinho: aceitar e prosseguir.  

A ostomia foi como em tudo: os primeiros passos são os mais difíceis. Cuidar de si sem o apoio do pessoal do hospital parecia assustador. Quando tinha de cortar os adaptadores dos sacos, de modo que se ajustassem à medida do seu estoma, sentia os níveis de ansiedade subirem a galope. «Enchia-me de mil cuidados, para não deixar a adaptação apertada, para não a deixar demasiado larga… A verdade é que, passado pouco tempo, já fazia aquilo de olhos fechados! Os sacos são incríveis e às vezes até me esquecia de que os tinha!». Ajudou também poder levantá-los na farmácia perto de casa, especialmente em plena pandemia: «Menos um stress!».  

Cátia assegura ter feito uma enorme descoberta: com os devidos cuidados, vive-se uma vida normal. «É engraçado, porque muitas vezes me veio à memória de, ainda muito jovenzinha, numa das farmácias em que trabalhei, estar ao balcão e ter atendido um senhor ostomizado. Recordo-me que estava a dispensar-lhe os sacos e a pensar: “Preferia morrer a estar ostomizada!”. Que ridículos somos às vezes! Se queria ficar assim? Não. Agradeço que tenha sido reversível, mas as pessoas ostomizadas são iguais às outras».​

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