Sara Duarte vive com paralisia cerebral desde a nascença, sem nunca ter permitido que as limitações físicas a definissem. Encara a vida com garra, procura fazer exatamente o mesmo que todos os outros e soma realizações. Aos 39 anos, é a detentora do melhor resultado nacional de sempre na modalidade paraolímpica de equitação adaptada, é farmacêutica e recentemente realizou o seu maior projeto: ser mãe. «Olho para mim como uma pessoa igual às outras», explica. «Também porque sempre tive pessoas à minha volta que nunca me trataram de maneira diferente», acrescenta.
A equitação foi essencial para a evolução pessoal de Sara Duarte. Através da modalidade perdeu a timidez
A mãe de Sara foi mais determinante. Educadora de infância de crianças com deficiência, aos seis meses de idade da filha intuiu que alguma coisa não estava bem. Tinha razão: um nó no cordão umbilical, durante o parto, impediu momentaneamente a oxigenação do cérebro de Sara e provocou-lhe lesões permanentes ao nível da fala e da mobilidade no lado esquerdo do corpo.
«Se não fosse a minha mãe não seria a pessoa que sou», diz. «A minha mãe soube dar a volta e "empurrar-me" sempre para a frente. Soube fazer como se nada fosse para eu ter a minha independência e a minha liberdade». Sem medos? Seguramente que não, mas nunca os demonstrou à filha.
Uma outra mulher marcou a sua vida, a médica que a seguia quando tinha uns sete ou oito anos. Sara sempre adorou crianças e, ainda tão pequenina, preocupava-se em saber se um dia poderia ser mãe. A médica foi inequívoca: «A Sara é uma menina como as outras todas, porque não há de conseguir?».
Tinha encontrado o seu lema de vida: «sou uma menina igual às outras». «A partir desse dia, foi com essa frase na cabeça que caminhei os meus dias», lembra.
Voltando à mãe de Sara, foi ela também a responsável por um dos maiores amores da vida da filha: os cavalos. Leu num jornal sobre os benefícios da hipoterapia (terapia que tem por base a convivência entre a pessoa e o cavalo) e, depois da "luz verde" da médica, foi à procura de um local para a filha ter acesso aos benefícios desta atividade de recuperação física e de desenvolvimento psicossocial.
Fotos de arquivo da cavaleira: nos treinos e em competição
A hipoterapia acabou por ser, afinal, aulas de equitação. «No início não havia conhecimento sobre a área. Colocavam-me em cima do cavalo e eu fazia o volteio, não sabiam o que fazer comigo». Foi o suficiente para operar maravilhas por aquela criança determinada, mas tímida e introvertida. «Tinha muita vergonha», recorda. A equitação trouxe uma mudança radical na sua maneira de estar e conviver: «foi muito boa para a minha evolução», assegura.
A capacidade demonstrada trouxe-lhe um convite para competir, tinha 15 anos. Na altura falaram-lhe da possibilidade de competir nos Jogos Paraolímpicos. Sara nem sabia que existiam, mas com o seu gosto pelos desafios, logo aceitou a proposta.
O resto é história. Sara é a cavaleira com o melhor palmarés nacional na paradressage, a modalidade paraolímpica de equitação em que se avalia a arte de montar e a capacidade de o cavalo executar determinados andamentos. Aos 24 anos, chegou aos Jogos Paraolímpicos, em Pequim, e obteve a melhor classificação portuguesa de sempre na modalidade: o 5.º lugar.
Deixou de competir em 2019, mas durante os anos de desporto ao mais alto nível treinava seis dias por semana, às vezes sete. E estudava ao mesmo tempo. «Tentei sempre manter tudo equilibrado», afirma, «Não deixava de sair com alguém, não deixava de estudar, não deixava de treinar e de competir. Foi preciso um bocadinho de "jogo de cintura", porque os estudos às vezes ficavam para trás. Não fiz o curso em cinco ou em seis anos, fiz em oito. Mas fiz!»
Quando chegou a altura de entrar no mercado de trabalho, encarou o desafio sempre fizera ao longo da vida: com otimismo e garra. Pela primeira vez, porém, foi confrontada com dificuldades que pareciam inultrapassáveis. «A paralisia só foi mais difícil de lidar quando entrei para o mercado de trabalho. Até aí as coisas foram-se fazendo, nunca tive muitos impedimentos ao nível da faculdade e os que houve consegui sempre superá-los, mesmo com professores menos compreensivos».
Sara enviava currículos e recebia de volta e-mails ou telefonemas a marcar entrevistas. Após a realização das entrevistas, diziam-lhe que depois enviavam um e-mail a dar a resposta, que nunca chegava. «Quando era pelo telefone, ficavam um bocadinho gagos e diziam "ah, não é bem isto que andamos à procura"».
Conseguiu entrar num estágio profissional, por meio de conhecimentos. Quando terminou, ficou três anos desempregada. «O nosso país não sabe lidar com a diferença ou, pelo menos, ainda está em fase de aprendizagem, porque não se vê muita gente com deficiência a trabalhar no atendimento ao público», desabafa. «Antiga- mente dizia que a minha vida era uma pista de saltos. Realmente, há obstáculos que me vão aparecendo e eu tenho de os passar, de alguma maneira. Nem que seja por baixo, mas tenho de os passar», garante.
Aceitou a dificuldade e recorreu a um apoio do Estado para integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Finalmente, conseguiu emprego. Na farmácia onde trabalha, no Porto Alto, só precisou de si própria para ser contratada. Ao serem atendidos por Sara, a primeira reação dos utentes é de atrapalhação ou desconfiança, mas o tempo e o convívio ultrapassam as barreiras iniciais. «Vão acreditando na minha palavra, no meu conhecimento e na minha ajuda. Às vezes voltam e dizem: "Aquilo que me aconselhou foi ótimo". Eu fico feliz e com a sensação de trabalho bem realizado».
Aos 39 anos, Sara Duarte realizou o sonho de ser mãe
Tudo se encaminhava para cumprir o sonho de uma vida: ser mãe. Teve vários namorados, com quem os planos de ter um filho foram abordados, mas acabaram por não acontecer. Aos 39 anos, e reunidas as condições necessárias, o sonho de Sara concretizou-se.
«Podia ser uma pessoa de mal com a vida, mas onde é que isso me iria levar?», pergunta a propósito do incidente que lhe alterou a vida. «Estamos aqui numa passagem tão breve que devemos aproveitar tudo. Desde o desporto à profissão que gostaríamos de ter, até aos amigos e à família».