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15 abril 2019
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira

A surfista extraordinária

​​​Maria tem dez anos e paralisia cerebral. Está no quarto ano, anda, brinca e faz surf.

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​«A mãe podia tirar-me tudo menos a piscina e o surf» pede Maria. Quando fala, os seus enormes olhos azuis sorriem como o céu. Todo o rosto da menina de dez anos, com paralisia cerebral, celebra a vida.

A alegria é genuína quando abraça Teresa, da SURFaddict – Associação Portuguesa de Surf Adaptado. Adorou-a desde que a conheceu, confidencia.


Maria prepara-se para domar as ondas de Carcavelos

Nesta manhã de sábado, Maria entra nas ondas de Carcavelos em equipa. Teresa Abraços e José Marques, ambos da SURFaddict, acompanham-na. Sabem que o surf pode fazer toda a diferença na sua vida. A mãe, Teresa Coutinho, partilha a aventura mar adentro. Os irmãos, Lourenço, de 13 anos, e Constança, de seis, preferem ficar na praia. Ele a jogar futebol, a mais pequena a brincar. «Está constipada», explica a mãe.

Esta é a história de Maria e também da sua família. De Teresa, que declarou não haver impossíveis quando os médicos lhe asseguraram que a filha nunca iria andar, provavelmente não falaria, não aprenderia a ler ou a escrever. Dos irmãos, que a estimulam e protegem.

Dez anos de luta e «muita alegria» após o parto, momento em que mãe e filha ficaram sem oxigénio, Teresa assegura querer Maria «fora de casa aos 18 anos», tal como os irmãos.

Recuemos a 2008. Maria nasceu antes do previsto. Por precaução, os médicos decidiram medicar Teresa com um antibiótico. Ela, porém, era alérgica à penicilina.

A consequência foi um choque anafiláctico que a deixou sem oxigénio, entre a vida e a morte. Maria ainda estava no útero.

Ambas sobreviveram mas durante aquele tempo a bebé sofreu uma condição chamada anoxia ou falta de oxigenação no cérebro. A consequência foi a morte de parte das células cerebrais.

Teresa não percebeu de imediato a real extensão dos danos sofridos pela filha. Passaram oito meses até surgir a expressão paralisia cerebral. «Para mim, não fazia sentido. A Maria tinha apenas um atraso no desenvolvimento», recorda Teresa. Fala com a tranquilidade e firmeza de uma lutadora. Mesmo ao lembrar os momentos em que o mundo pareceu desabar.

Poucos dias após o nascimento, os médicos tinham-lhe falado nas lesões cerebrais. Também lhe explicaram que ela teria de fazer bastante fisioterapia para compensar as células perdidas. Mas nada preparara Teresa para aquela verdade. «Foi um choque muito grande. Paralisia cerebral é um rótulo bastante negativo», confidencia. Passou o resto desse dia a chorar. A noite também. No dia seguinte, estava pronta para ir à luta.

Procurou todos os estímulos possíveis para a filha, consciente da importância de actuar o mais cedo possível.

«Em bebé, o cérebro está especialmente aberto a este tipo de aprendizagens». É um caminho, como tudo na vida, e Maria está a percorrê-lo com distinção. A mãe nunca duvidou das capacidades da filha: «Acreditei sempre que ela podia ir mais longe». Perante as dificuldades acrescidas com que se depara, a pequena Maria tem atitude semelhante. «Ela também acreditou sempre», orgulha-se Teresa. «Mesmo em bebé, nunca negou fazer tanta terapia e tantos exercícios». Com pouco mais de um ano de idade, os exercícios passaram a ocupar grande parte do tempo: passava os verões a fazer fisioterapia intensiva. «Quatro horas por dia de fisioterapia e duas de terapia ocupacional», precisa Teresa. No resto do ano, tentava manter as competências adquiridas.

O esforço compensou. Aos três anos, Maria ensaiava os primeiros passos com a ajuda de um andarilho. Um ano depois, já não precisava dele. Apenas do amor e apoio da família. E esse não lhe falta. «Família, amigos, todos a encaram como igual e estimulam para a frente». O objectivo comum é tornar Maria o mais autónoma possível. «Um dos dias mais felizes que vou ter é o dia em que ela não precisar mais de mim», avança Teresa.



As perspectivas são boas. Com apenas dez anos, a menina, que aos 12 meses ainda não segurava a cabeça, não se sentava ou agarrava os brinquedos, já tornou possível o impossível. Caminha, apoiada por alguém ou encostando-se à parede, fala, brinca, lê e escreve. Frequenta o quarto ano na mesma escola que os irmãos, onde é acompanhada por uma professora de ensino especial três dias por semana.

Na agenda cabe ainda a fisioterapia às quartas-feiras, a hidroterapia às quintas, a terapeuta ocupacional às sextas. No fim-de-semana tão-pouco tem descanso. Aos sábados, volta a fazer fisioterapia. Em Abril do ano passado, começou a aprender surf aos sábados ou domingos, consoante o estado do mar.


A mãe orgulha-se das conquistas de Maria: «Tem mais equilíbrio e concentração»

O projecto-piloto, uma parceria do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão e da SURFa​​ddict, tem o intuito de demonstrar a eficácia do surf adaptado na recuperação do equilíbrio, da autonomia e da concentração de pessoas com deficiência. Maria é a «prova de que funciona», congratula-se a terapeuta. «Ela tem conseguido melhorar sempre. Demonstra muito mais equilíbrio, mais concentração».

Além de tudo isto, Maria consegue encontrar algures um enorme espaço para a alegria que a caracteriza. «Está sempre a rir, mesmo em situações adversas. Cai e é capaz de dizer: “Oh, caí”, ri e levanta-se», descreve a mãe. O optimismo é geral em casa.

«Mesmo quando ela quer desistir ou diz "não consigo", eu, o pai ou outro familiar respondemos: “Antes de dizer que não consegues, fazes”. Esta atitude é essencial para a recuperação».


Faz surf adaptado, anda na mesma escola dos irmãos e tem projectos para o futuro

Lourenço, o irmão mais velho, não tem dúvidas. «A Maria vai ter uma grande evolução. Quando for adulta, vai conseguir fazer muito mais coisas sozinha. E isso é óptimo», diz. Confia nas capacidades da irmã para alcançar «tudo o que ela quiser». Constança, irmã mais nova e cúmplice de brincadeiras, concorda.

Maria tem perfeita consciência das dificuldades a percorrer. Só com esforço conseguirá cumprir os dois sonhos: ser caixa de supermercado e professora «para ajudar os alunos a aprender melhor».

E, claro, nadar e surfar, os desportos que lhe iluminam os enormes olhos azuis. «Quando a mãe me levou a uma piscina pela primeira vez, era eu pequenina, fiquei muito tempo dentro de água. Gosto muito», conta. A água dá-lhe «muita felicidade». Isso é o mais importante do mundo.​

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