A história da Farmácia Banha, em plena Avenida de Moscavide, é também a de uma família. Começa em 1917, quando José Francisco Banha chega, chamado por um tio que mantinha uma farmácia na lisboeta zona de Chelas e queria expandi-la para Moscavide.
Filho de um médico de Estremoz dedicado à veterinária, logo José Francisco se tornou homem respeitado na vila, naquele tempo um pequeno meio rural rodeado por inúmeras quintas.
Anos mais tarde, seria a sua filha primogénita, Natália, a ficar com a farmácia que celebra, dia 17 de Julho, cem anos de vida e história. O homem com quem casou, o farmacêutico Fernando Duarte, marcaria, para sempre, a farmácia e também quem vivia em Moscavide.
As lembranças são trazidas pela sua filha, Fernanda, hoje com 85 anos. Herdou-lhe o temperamento e o gosto pelo mundo da farmácia e pelo serviço aos outros. Tomou conta da Banha em 1953. «O meu pai era uma pessoa com disponibilidade para toda a gente e eu também gosto de pessoas», conta, acrescentando que ainda era uma criança quando decidiu ser farmacêutica.
Nesse tempo, havia em Moscavide «quatro ou cinco médicos», além dos de Sacavém, terra próxima. «Um deles era o irmão do Marechal Spínola. À noite reuniam-se aqui todos para conversar, sobre tudo, política, saúde. Era muito agradável. Eu não tinha licença para estar, mas ia espreitando». A esses encontros vinham também os enfermeiros. «Os médicos pediam informações: “Este doente que eu ando a tratar, o que é que vocês acham...?».
Era o tempo das quintas, continua Fernanda. «A única rua que havia era esta, pomposamente já chamada Avenida de Moscavide. Uma das coisas que se fazia muito era medicamentos para veterinária. Fazia-se de tudo».
Os medicamentos manipulados eram feitos nas instalações da farmácia e os médicos pediam aos farmacêuticos para lhes fazerem manipulados específicos. «O meu pai dizia: “Eu não sei mas vou estudar o assunto e vai ver que faço”. E realmente conseguia fazer sempre. Era uma relação muito boa com os médicos».
Artur Fernandes, de 83 anos, recorda-se bem desses tempos, anteriores ao Serviço Nacional de Saúde. «O senhor Duarte era um homem extraordinário, do melhor que pode haver. A Farmácia Banha era um posto de prontos socorros para a gente que vivia aqui na altura».
Ele é um dos utentes mais antigos. E assevera: «Uma pessoa que tivesse qualquer dificuldade, vinha ao Duarte da farmácia. Não havia centros de saúde, a Farmácia Banha era um ponto de apoio para as pessoas que tinham dificuldades».
E não apenas. Era então já também um ponto de referência na vila de Moscavide. «Havia cá só um consultório. Os médicos juntavam-se aqui à noite e a fina flor que houvesse na terra nessa altura vinha confraternizar».
Do antigo amigo Fernando Duarte, recorda que «brincava, tinha as suas graças, mas era muito sério, muito dedicado».
Teve o privilégio - continua - de se cruzar com as várias gerações. «Conheci perfeitamente o senhor Duarte e a senhora dele, que era a senhora Natália. A doutora Fernanda, depois a neta».
É com a neta, Teresa, farmacêutica adjunta desde 2008, que hoje conversa sobre as fotografias dos membros da família que estão expostas na farmácia. «O senhor Duarte, a dona Natália, a avó Fernanda… Eu olho para aquilo e digo: “Doutora, isto é uma geração enorme de gente boa”».
Cabe a Teresa assegurar a continuação da tradição familiar e manter os valores que a avó Fernanda aprendeu com o pai e lhe transmitiu. «Aprendi principalmente como é que se trata as pessoas», diz Fernanda.
Nos últimos anos - congratula-se a octogenária - além dos novos serviços e do progresso tecnológico, «mudou uma coisa muito boa, que foi a minha neta. Ela é bastante competente e as pessoas também gostam dela».
Teresa sabe bem do papel social da farmácia. É muitas vezes recordada. «Não é rara a vez que estamos no atendimento e as pessoas mais antigas, mesmo não sabendo que eu sou neta, nos falam ou da doutora Maria Fernanda ou do senhor Fernando Duarte. Contam-nos sempre uma história».
Orgulhosa do carinho dos utentes pelos seus antepassados, Teresa conhece a responsabilidade de viver à altura do bisavô e da avó. «Sinto uma evolução desde que vim para cá na forma de lidar com as pessoas. Fui aprendendo, baseado no que me dizem e no que a minha avó me conta, a ter o maior cuidado com as pessoas e até a tentar seguir as pegadas deles. Estamos ligados a pessoas que realmente precisam de ajuda».
Esta é a história da Farmácia Banha. Mas é também a história de uma família que gosta de ajudar quem a procura, já lá vão cem anos. Em 2014, esse gosto foi reconhecido oficialmente, quando Fernanda recebeu a Medalha de Honra do concelho de Loures.