“Salvar as Farmácias, Cumprir o SNS” é a maior petição à Assembleia da República desta legislatura. A duas semanas do final da subscrição, soma mais de 100 mil cidadãos aderentes. A petição tem dois objectivos claros: salvar da falência 25% da rede de farmácias e garantir a igualdade do direito à Saúde em qualquer ponto do território.
Neste momento, 680 farmácias enfrentam processos de penhora e de insolvência, mais cinco do que no início do ano, quando foi redigido o documento. «Uma em cada quatro farmácias está em risco de fechar. São as farmácias que muitas vezes estão nas regiões que já são mais desfavorecidas, mais periféricas, em que o acesso aos cuidados de saúde já é mais difícil», alerta Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. «O acesso dos doentes aos medicamentos está mais uma vez em risco», declara ainda o representante dos médicos, que foi um dos primeiros subscritores.
A Ordem dos Enfermeiros assinou um protocolo com a ANF para os enfermeiros prestarem serviços nas farmácias
Para as ordens profissionais, a crise das farmácias ameaça a Saúde Pública e a coesão territorial. «Sobretudo nas zonas mais rurais, onde encerraram imensos centros de saúde, onde os centros de saúde não têm profissionais, as farmácias são um ponto importantíssimo de prestação de cuidados às pessoas e de coesão territorial», afirma a bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE). Ana Rita Cavaco assinou a petição na Farmácia Nova de Famões, Odivelas, que tem uma enfermeira nos seus quadros, como previsto num protocolo celebrado entre a OE e a Associação Nacional das Farmácias (ANF). «Esta farmácia é um exemplo, porque presta cuidados de enfermagem às pessoas, quando muitas vezes o centro de saúde não o consegue fazer», declarou a mandatária dos enfermeiros.
«Assegurar que existem farmácias em todo o país é contribuir para que haja acesso à saúde oral», considera Orlando Monteiro da Silva
A Ordem dos Médicos Dentistas coincide na necessidade de salvar as farmácias para garantir a igualdade dos portugueses no acesso à saúde. «Assegurar que existem farmácias em todo o país é contribuir para que haja acesso à saúde oral», defende o bastonário, Orlando Monteiro da Silva. O representante dos médicos dentistas subscreveu a petição para «garantir que a rede de farmácias se mantenha próxima das populações, servindo as populações».
A bastonária da Ordem dos Farmacêuticos manifestou aos congéneres a honra e gratidão dos farmacêuticos. «A saúde não se faz exclusivamente nos hospitais. Há uma parte muito importante de prevenção e cuidados de proximidade que as farmácias asseguram, em cooperação com os outros profissionais de saúde», considera Ana Paula Martins. «Queremos que o Governo olhe para o alvará que nos dá e perceba que, mais do que um acordo financeiro, nós pretendemos um acordo profissional, para garantir que os portugueses têm acesso igual ao medicamento e a serviços farmacêuticos em qualquer ponto do território», reivindica a bastonária.
A petição, promovida pela ANF, reuniu assinaturas dos principais representantes do sector do medicamento, como a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), a Associação de Distribuidores Farmacêuticos (ADIFA) e a Associação de Farmácias de Portugal (AFP). A presidente da plataforma de associações de doentes “Saúde em Diálogo” participa nos folhetos da campanha com a frase «As farmácias são amigas das pessoas».
A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que representa 100 associações empresariais e mais de 200 mil empresas, aderiu ao movimento para salvar as farmácias. «Um conjunto de serviços tem-se retirado do Interior do país porque trabalha numa lógica de rentabilidade directa, como tribunais, correios e bancos», recorda João Vieira Lopes presidente da CCP. «As farmácias felizmente continuam, mas atravessam grandes dificuldades. É importante manter vivo este canal, porque em muitas localidades não há alternativas para o aconselhamento em saúde a qualquer hora», declarou ainda.
A sustentabilidade económica do investimento em saúde é outro argumento favorável à preservação da rede de farmácias. «Um país civilizado, que quer gerir os custos em saúde, percebe que há serviços de proximidade que podem fazer um conjunto de actos com toda a qualidade e segurança, de forma expedita e mais barata», defende o presidente do SAMS Quadros, Serviço de Assistência Médico-Social do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários. «As farmácias são um factor de coesão territorial e têm um papel imprescindível na prestação de cuidados de saúde primários à população portuguesa», considera ainda Paulo Marcos, que assinou a petição na Farmácia do Largo, em Lisboa. O SAMS dos bancários «está do lado das farmácias porque está do lado de quem está junto dos seus sócios e da população».
«As farmácias salvam as pessoas. Não se esqueçam, é preciso cuidar delas», pede Ruy de Carvalho
Muitas personalidades assinaram a petição. As escritoras Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães, os actores Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho, o maestro Rui Massena, a fadista Cuca Roseta, a piloto campeã do Africa Eco Race, Elizabete Jacinto, e figuras da televisão como Cristina Ferreira, Fátima Lopes, Isabel Silva, João Baião, Júlia Pinheiro, Júlio Magalhães e Tânia Ribas de Oliveira fizeram questão de o tornar público.
«Assinei a petição com muito gosto porque farmácias próximas do local onde se vive são indispensáveis, não só para promover a saúde, como quando nós, os filhos ou os netos ficam doentes», expõe a escritora Ana Maria Magalhães. Na sua mensagem, recorda que as farmácias têm múltiplas funções, do controlo do peso à monitorização da tensão arterial. «É bom que as farmácias sejam próximas, para criarmos uma relação de amizade com as pessoas que ali trabalham e nos atendem no dia-a-dia e, muitas vezes, à noite e nos fins-de-semana», conclui.
Isabel Alçada assina com Ana Maria Magalhães as mais populares colecções de livros para crianças e assina por baixo as palavras dela em defesa das farmácias, porque «são muito importantes na promoção da saúde». A ex-ministra da Educação conta que se habituou a ter uma farmácia perto de casa desde criança. «Os meus pais iam lá muito, muitas vezes só para cumprimentar as pessoas. Quando se cria esta relação de empatia, na proximidade do nosso bairro ou da nossa aldeia, sabemos que o que a pessoa nos diz tem muito mais significado», considera a escritora. «Devemos mobilizar-nos para proteger a rede de farmácias, porque ela é essencial para o nosso país e para a saúde das pessoas», afirma.
Ruy de Carvalho regressou à sua farmácia de sempre e gravou um vídeo a convidar os portugueses a juntarem-se em defesa das farmácias. «As farmácias salvam as pessoas. Não se esqueçam, é preciso cuidar delas», declarou o actor. Numa declaração sentida, contou que é seguido há mais de 50 anos na Farmácia Marques, em Benfica, que lhe arranja sempre solução para os problemas de saúde. «Quando não a têm, ficam mais preocupados do que eu», expressou Ruy de Carvalho. «Vamos, juntos, garantir que todos os cidadãos, independentemente de onde moram, possam aceder facilmente aos medicamentos», apelou também Paulo Pires, actor de outra geração, nas redes sociais.
Maria Helena Pinto, que passa os dias a tricotar na farmácia, entre os bastonários dos médicos e dos farmacêuticos
A campanha das farmácias deu a conhecer aos portugueses uma nova estrela. Maria Helena Pinto, de 88 anos, passa os seus dias, de segunda a sábado, a tricotar na Farmácia Vitória, do bairro de Campanhã, no Porto. «A farmácia é a minha vida. Gosto mais de estar aqui do que em casa, porque têm mais paciência comigo do que a minha família», declarou à Revista Saúda de Março, da qual é protagonista de capa. Maria Helena tem um vídeo na Internet que atingiu um milhão de visualizações. Os bastonários dos médicos e farmacêuticos escolheram a “sua” farmácia para assinar a petição. Maria Helena não cabia em si de contente. Recebeu-os aos beijinhos, contou-lhes a sua história e ficou ao centro na fotografia.