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2 agosto 2019
Texto de Sónia Balasteiro Texto de Sónia Balasteiro Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira

SOS, SNS

​​​​​​​​​​​​​Convenção Nacional da Saúde alerta para a crise instalada.

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O Serviço Nacional de Saúde (SNS) vive um momento de crise. A Convenção Nacional da Saúde (CNS), que reúne 71 associações de doentes, ordens profissionais, prestadores públicos e privados, fornecedores de serviços e outras organizações lançou um alerta à sociedade portuguesa. «Os problemas multiplicam-se todos os dias», declarou a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, a quem coube apresentar as conclusões da CNS.
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As listas de espera e a falta de medicamentos nas farmácias estão entre no topo dos problemas que afectam os doentes. «As pessoas procuram soluções para conseguir a consulta que esperam há seis meses, para obter o medicamento de que precisam, para não esperar dois anos por uma cirurgia. Estas são as dificuldades reais de pessoas reais», descreveu Ana Paula Martins, na sessão pública que se realizou no dia 18 de Junho, em Lisboa.



Uma auditoria do Tribunal de Contas detectou que, em muitos serviços, o tempo de espera para uma primeira consulta hospitalar ultrapassa os dois anos. A morbilidade e a mortalidade são afectadas pelos diagnósticos tardios, mas também pelo atraso nos tratamentos. Em 2016, 2.605 doentes morreram quando esperavam por uma cirurgia. «Os portugueses não podem ter listas de espera de anos por uma primeira consulta de  especialidade ou cirurgia», defendeu Ana Paula Martins.

A CNS também não se conforma com «as enormes falhas de medicamentos que há actualmente na nossa rede de farmácias», que bateram um novo recorde no primeiro semestre deste ano. De acordo com uma sondagem do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (CEFAR), que publicamos nesta edição da Farmácia Portuguesa, 3,4 milhões de portugueses enfrentaram o problema no último ano. Um milhão e quatrocentos mil tiveram de marcar uma segunda consulta, só para os médicos alterarem a prescrição. Para 371 mil doentes não houve solução, tendo sido forçados a interromper a terapêutica.

Há outras agressões à saúde e ao bem-estar dos portugueses. A CNS lamenta a enorme carência de cuidados de saúde oral e de saúde mental, assim como o adiamento no acesso à inovação terapêutica. «Os portugueses não podem esperar eternidades por tratamentos inovadores que podem fazer a diferença, ou continuar a ter um sistema de comparticipação de medicamentos que, passados 20 anos, se centra na terapêutica e não maioritariamente no doente», apelou a bastonária dos farmacêuticos.

A debilidade da rede de cuidados paliativos ofende a dignidade dos doentes e das suas famílias. «Continuamos, apesar dos alertas, a manter nos hospitais camas sociais com internamentos médios prolongados, ao invés de desospitalizarmos as pessoas, de as tratarmos em proximidade», criticou Ana Paula Martins.

Os doentes com VIH-sida e oncológicos continuam a ser impedidos de escolher levantar os seus medicamentos na farmácia comunitária da sua preferência, ao contrário do prometido no Programa do Governo. «Obrigar as pessoas a deslocar-se ao hospital a buscar a sua terapêutica não faz sentido», criticou, a este respeito, o presidente da ANF.


«Não é aceitável que, hoje, a zona em que eu nasço determine o tipo de acesso a cuidados de saúde», disse Paulo Cleto Duarte, presidente da ANF​

No discurso que dirigiu à CNS, Paulo Cleto Duarte mostrou-se inconformado com as desigualdades no acesso à saúde. «Não é aceitável que, hoje, a zona em que eu nasço determine o tipo de acesso a cuidados de saúde. Não é aceitável que a minha condição económica determine se eu tenho acesso ou não a uma determinada tecnologia, a um determinado medicamento ou cuidado de saúde Não é aceitável que isso aconteça no século XXI, não é aceitável que isso aconteça em Portugal», declarou.


«A equidade do acesso e da prestação de cuidados de saúde em qualquer ponto do país é um aspecto prioritário», declarou Ana Sampaio, que representou 71 associações de doentes na sessão de encerramento

A desigualdade territorial no acesso à saúde é uma das maiores preocupações das 71 associações de doentes representadas na CNS. «A equidade do acesso e da prestação de cuidados de saúde em qualquer ponto do país é um aspecto prioritário», declarou Ana Sampaio, presidente da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino. Estas associações vão trabalhar nos próximos meses numa proposta integrada de soluções para as doenças crónicas e raras.

A CNS serviu também para denunciar o subfinanciamento crónico do SNS. De acordo com dados da Comissão Europeia, em Portugal, a despesa pública per capita, em paridade do poder de compra, fica a menos de metade da média da União Europeia: 1.297€ contra 2.609€. A despesa pública neste sector caiu para 6% do produto interno bruto (PIB), quando é de 8% na média daqueles países. «Das duas uma: ou os outros países andam a desperdiçar dinheiro em tempos económicos difíceis, ou nós em Portugal continuamos incapazes de reconhecer que o investimento em saúde transforma a sociedade», disse Ana Paula Martins.


«Abreviar o investimento em saúde pode ajudar a poupar no imediato, mas a prazo os custos são infinitamente maiores», alertou João Almeida Lopes​

As organizações propõem ao Governo que deixe de olhar para a Saúde como despesa mas como investimento e oportunidade. «Em 10 anos, se fizermos o que está certo, sem ziguezagues conjunturais, passaremos de 1,4 mil milhões de euros de exportação para o dobro, sensivelmente 3 mil milhões de euros no sector da saúde. A saúde, porque alicerçada no conhecimento e na tecnologia, é um dos nossos pontas de lança na internacionalização», defendeu Ana Paula Martins. O presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) enfatizou este ponto. «Não podemos esquecer o impacto que as decisões sobre saúde têm na vida do doente. Abreviar o investimento em saúde pode ajudar a poupar no imediato, mas a prazo os custos são infinitamente maiores», alertou João Almeida Lopes. «Todos sabemos que isso não é poupança nenhuma. Há, logo de seguida, um aumento de custos e uma destruição de riqueza injustificável», recordou o líder da APIFARMA.


«As desigualdades em Saúde são um problema sério em Portugal», afirmou o bastonário da Ordem dos Médicos​

O problema do financiamento vai dominar a agenda da CNS nos próximos anos. «Isto é, de facto, da responsabilidade dos políticos», declarou o bastonário da Ordem dos Médicos. «O financiamento adequado do SNS significa darmos mais qualidade de vida, mais capacidade de trabalho, mais felicidade às pessoas», argumentou Miguel Guimarães. «Mas significa também diminuirmos as desigualdades em saúde, que é um problema sério que temos neste país», concluiu o chairman da CNS.

«Não queremos um SNS para pobres», resumiu Ana Paula Martins, no discurso de apresentação das conclusões.​