A saída da TVI prometia uma vida mais calma, mas não está a acontecer…
O stress começa a instalar-se. Nos últimos meses consegui parar para reflectir, viajei, fiz a minha peça com o Martim Pedroso, uma adaptação do filme “Noite de Estreia”, de John Cassavetes. Como actriz, não quero jamais ver-me numa lógica de funcionalismo público, a minha arte tem de respirar e ser amada. Quero criar os meus próprios projectos, com pessoas que admiro, mas tudo tem de ser pensado a médio e longo prazo, porque são precisos meios. Entretanto, é preciso viver...
Assim se explica o regresso às telenovelas, agora na SIC?
Não me divorciei de uma casa para me casar com outra. Neste momento quero assumir a minha liberdade, sou contratada ao trabalho e não sei se quero voltar a ter vínculo. Os ensaios começaram em Novembro, ainda não sei quando estreia. Já li alguns guiões e quero acreditar que a carga horária não será pesada. Também estou a fazer uma participação especial num filme realizado pelo João Maia, com a Joana Metrass como protagonista.
Não gosta de ginásios nem de nenhum desporto em particular, mas adora caminhar, sobretudo na Natureza
Fazer cinema é o que lhe dá gozo?
Independentemente do formato, o que me dá gozo é contrariar o cliché, ir além de personagens unidimensionais, sem sobreposição de camadas. A função do actor é criar humanidades e comportamentos, contrariar estereótipos.
Não gosta de ginásios. Pratica algum desporto?
Não gosto, mas desta vez é que vou! Estou sempre a dizer isto [risos]. Quero manter alguma assiduidade, porque o corpo pede. Não gosto de nenhum desporto em particular, mas gosto imenso de caminhar, sobretudo na Natureza. Recentemente fui para o Gerês e foi maravilhoso!
Como cuida da saúde?
Quando tenho tempo livre, a minha prioridade é dormir. É no sono que o meu corpo calibra. Procuro ter uma alimentação saudável e perceber o corpo. O corpo fala connosco, pede-nos fruta ou legumes. Mas não estou “agarrada” aos batidos verdes! Acho que não é saúde a prisão das dietas, do ginásio e do músculo, ser escravo de um conceito de beleza standard, de que muita gente vive refém.
A actriz está atenta à saude. «Prefiro os meus médicos e a minha farmacêutica ao “dr. Google”», garante
Tem a “sua” farmácia?
Vou à “minha Carla”, na Ajuda. O meu ex-marido dizia que quando eu saía de uma farmácia parecia que tinha saído de uma joalharia na 5.ª Avenida. Não me deixem com dores! Sou bastante atenta à “máquina” e prefiro os meus médicos e a minha farmacêutica ao “dr. Google”. Fico verde quando me vêm com chás para resolver problemas de saúde.
Há um dilema entre a vontade de combater estereótipos e ter de parecer jovem porque são esses os papéis que existem?
A indústria exige a juventude eterna e pode penalizar quem tem coragem para assumir a idade. É difícil ver o corpo envelhecer e fazem-nos crer que o tempo é um inimigo para uma actriz quando realmente é uma mais-valia, excepto quando prejudica a saúde, porque a profissão exige energia anímica. Mas é importante criar alternativas, porque sabemos que nos podem virar as costas.
Não é uma «fera amansada» e recusa fazer bluff. «Procuro resistir à ditadura da imagem e do stress»
Mantém uma certa pureza e rebeldia quando critica a indústria do entretenimento ou recusa submeter-se às regras do marketing e das redes sociais.
É uma questão de honestidade. Procuro resistir à ditadura da imagem e do stress, à ideia de que o importante é cumprir objectivos, mesmo à custa da qualidade do trabalho. Não é um capricho, está no meu ADN e tenho de manter-me leal ao que sou. Acredito que quando se é um bluff na vida é-se um bluff no trabalho. É um problema quando não se é uma fera amansada, mas sobrevivi até aos 47 anos...
É reconhecida como boa actriz e não abdica do perfeccionismo.
Quero realmente dar ― é uma missão ― e dou sempre o máximo. Não estou na profissão para me poupar. Já me disseram: «Tenho muito medo da tua intensidade…». Pois, é assim, não vou tornar-me de repente uma baby doll! Há quem prefira andar alegre e não ter de se chatear. Eu posso ficar magoada, mas não tenho medo do confronto. Acho saudável podermos estar tristes ou zangados, vivermos com liberdade, sem castração, e todo o inacreditável espectro de emoções humanas.
Ainda não fez os filmes da sua vida?
Chorei um mês quando morreu o Krzysztof Kieślowski. Foi a certeza de que nunca iria trabalhar com ele. A primeira vez que vi “A Dupla Vida de Véronique” senti um choque eléctrico, ele consegue filmar o imaterial. Considero-me mais actriz do que entertainer e, portanto, gosto dessa profundidade, da dimensão poética, embora também goste de cinema político. Fui completamente povoada pelo neo-realismo italiano. Quando vim do Porto para Lisboa passava a vida na Cinemateca.
Às vezes gosta de andar sem destino. «O GPS repete “siga para a rota indicada” e eu vou pela outra. Traz-me uma frescura!»
Com que realizadores ainda quer trabalhar e que textos sonha representar?
Há tantos… Adoro o [Pedro] Almodóvar, é um director de actores extraordinário, é louco e não tem medo de ser louco. Acho o [Martin] Scorsese brilhante e gosto muito da Céline Sciamma, que fez “Retrato da Rapariga em Chamas”. Quero filmar com ela. No teatro, gostava de representar a Arkádina, em “A Gaivota”, de [Anton] Tchekhov. E ando à procura de histórias de mulheres portuguesas que tenham sido caladas, abafadas, para contá-las.
Disse: «É uma chatice quando os sonhos se vão embora». O que faz para mantê-los?
Não sei viver em “piloto automático”. Às vezes preciso de passar uns tempos sozinha e regresso como nova.
Também gosta de viajar sozinha, já passou por mais de 70 países.
Viajar permite-me observar, ficar do lado do espectador, e isso é uma liberdade imensa. Gosto de ver a vida a passar à minha frente, sem julgar. Ver a vida sem filtro é maravilhoso para uma pessoa viciada no que é espontâneo. Regresso com referências novas e exemplos de vida, e ajuda-me a relativizar muita coisa. É como fazer restart e mudar o meu mindset, há nisso uma componente quase inoxidável. Viajar não me deixa enferrujar.
Às vezes gosto de seguir por uma estrada sem saber para onde me leva. O GPS repete “siga para a rota indicada” e eu vou pela outra. Traz-me uma frescura! É difícil viver sem mapa, mas é possível, e o prazer de descobrir novos lugares e pessoas supera tudo.
«Quero realmente dar ― é uma missão ― e dou sempre o máximo. Não estou na profissão para me poupar»
Convive bem com a solidão e o silêncio, mas já lhe disseram que é capaz de fazer amizade com o guardanapo.
Sou muito curiosa e gosto realmente de conhecer pessoas. Faço amigos para a vida em cada viagem. É um casting diário. Quando encontro alguém de quem gosto muito, digo: «vou-te guardar». É bom perceber que nem toda a gente tem um sentido utilitário da vida.
É isso que procura: pessoas para quem o mundo não é um negócio?
Sim, os meus amigos só podem ser assim. É difícil encontrar esses olhares límpidos e cristalinos, mas tenho amigos extraordinários, que me apoiam e compreendem sem julgamentos. Promovemos o crescimento interior uns nos outros, elevamos o pensamento, e isso é o importante. Não é um berloque que nos acrescenta, eu quero despojar-me de berloques.
Da minha rede de afectos faz parte também a família, que é pequena, mas de quem sou próxima. No ano passado perdi a minha avó, era um grande pilar.
Esse crescimento interior é o seu propósito de vida?
O conhecimento é o propósito. Quero chegar ao fim da estrada (espero ainda estar longe) e poder dizer: Dei tudo o que tinha e fi-lo com o máximo da minha honestidade intelectual e da minha verdade.