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9 novembro 2020
Texto de Maria Jorge Costa Texto de Maria Jorge Costa Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

«Programar é o segredo para conseguir»

​​​Este é o mote de José Rodrigues dos Santos para ser bem sucedido.​

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​REVISTA SAÚDA: Com tudo o que faz, o seu dia parece ter 32 horas. Como consegue?
JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS: Sim, tenho muita coisa para fazer - e faço. Tenho uma vantagem: trabalho muito rápido. Quando entrei para o ”Telejornal“ como repórter, o programa durava 30 minutos e eu cheguei a fazer 15 minutos desses 30. Porque trabalhava muito e trabalhava muito rápido. Isso foi uma coisa que sempre me ajudou bastante nos livros e enquanto jornalista. É assim que consigo fazer muita coisa e ainda encontrar tempo para estar com a família ou para ir fazer desporto.

Mesmo que trabalhe muito rápido, na verdade são precisas muitas horas para cumprir tudo.
Eu programo. Na véspera defino como é que vai ser o meu dia seguinte e estabeleço objectivos. Outro hábito com o qual me dou muito bem e que aconselho vivamente é de uma simplicidade elementar: “se tenho uma coisa para fazer, não deixo para o dia seguinte”. Isto pode parecer uma coisa infantil, mas é tão verdadeiro. Nunca deixar para amanhã. Porque amanhã vou ter a mesma coisa para fazer, só que irei executar à pressa, podem-me surgir problemas imprevistos e já não terei tempo para os resolver. Por exemplo, os dois livros que estou a lançar, ”O Mágico de Auschwitz“ e ”O Manuscrito de Birkenau“, já estavam prontos há dois anos, e este tempo todo permitiu-me planificar cuidadosamente o seu lançamento. Outro exemplo: quando era director de informação da RTP, planifiquei com meio ano de avanço a cobertura da Guerra do Golfo que iria ocorrer em Março/ Abril de 2003. No início da guerra, os nossos repórteres tinham os vistos todos numa altura em que os outros meios de comunicação já não os conseguiam obter. Ou seja, quando chegou o momento, a RTP apenas teve de accionar tudo o que já estava planificado desde 2002. Está a ver? Eu trabalho com planificação e ao fazer isso consigo resultados muito mais eficazes.

Como reage aos imprevistos?
Lido com eles porque tenho tempo. No caso de ”O Mágico de Auschwitz“, por exemplo, qual foi o imprevisto? A pandemia...



Era para lançar noutra altura?
Se soubesse da pandemia teria lançado no ano passado, até porque ”Imortal“ era um livro que fazia sentido publicar depois da pandemia. Mas já lançámos uma edição de ”Imortal“ actualizada com os acontecimentos da COVID-19 relevantes para a intriga, edição essa também publicada agora em França com os dados todos da pandemia, porque o romance, premonitoriamente, falava já no conflito entre os Estados Unidos e a China, que com a pandemia se agudizou. Há sempre imprevistos, mas mesmo quando eles surgem, se nós trabalharmos com tempo, temos capacidade para responder.

Essa organização funciona consigo?
Claro. Funciona comigo e com qualquer pessoa que trabalhe assim. O êxito do José Mourinho no futebol está associado a planificação. É um treinador que planifica tudo ao pormenor, estuda para depois aplicar. E nós vemos na vida, as pessoas que têm mais êxito são aquelas que planificam e que são capazes de sacrificar o hoje para preparar o amanhã.

Isso não é contraditório... não implica negar o presente?
Não, porque o futuro um dia será presente, e quando isso acontecer nós colheremos os benefícios do que semeámos. Isto qualquer agricultor sabe. Ele pode comer logo as sementes, mas também pode pôr as sementes na terra e daqui a nove meses colher uma grande quantidade de batatas. Ou então come logo as sementes, mas depois não tem nada.

As pessoas têm dificuldade em ser assim.
Algumas sim e outras não, mas as que têm dificuldade em investir no amanhã depois queixam-se da sorte. Dizem ”ah, foi azar, eu tenho azar“. Não, o problema é que elas não planificaram. Há um factor sorte na vida, é inegável, mas há uma fatia maior do que gostamos de admitir que depende dos nossos actos. Não quer dizer que seja sempre assim, há pessoas que têm mesmo azar. Em semiótica existe uma formulação exemplar: para algo se realizar são precisas três coisas ao mesmo tempo: querer, saber e poder. Se eu quero e posso, mas não sei, não acontece. Se eu sei e quero, mas não posso, isto é ter falta de sorte, não acontece. Se eu posso e sei, mas não quero, também não acontece. São precisas as três ao mesmo tempo. A sorte, que é o posso, é um terço. Mas o querer e o saber são dois terços.

É uma cara conhecida de toda a gente, vai fazer 30 anos de ”Telejornal“, muitos mais de jornalista. As pessoas falam consigo como se fossem seus amigos?
Diria que as pessoas reconhecem, mais do que a cara, as orelhas [sorriso].


O programa «Contra Informação» criou o boneco "Orelhas". José Rodrigues dos Santos assume que as orelhas ajudaram à caricatura

O programa ”Contra Informação“ deu essa fama das orelhas.
E as mesmas também ajudaram um bocadito. O “Contra Informação“ foi buscá-las a algum sítio.

Reagiu bem ao ”seu“ boneco.
Temos de ter a capacidade de nos rir de nós próprios e uma caricatura é uma coisa exagerada, a partir de alguns traços de personalidade ou fisionómicos.

É uma pessoa com humor?
Sim, espero ter bom humor e bom amor. As duas coisas são importantes.
 
O bom humor em que é que se revela?
Procuro encarar a vida de uma maneira leve, sendo que a vida no essencial, na história da Humanidade, é sofrimento. Mas nós conseguimos, talvez no último século, criar uma suspensão do sofrimento na saúde e na economia que permitem que a vida não seja só sofrimento. Tendo isso em conta, procuro encarar as coisas com um sorriso, porque para tristeza já basta o que a vida tem, não é?


Nasceu em Moçambique, viveu em Portugal, em Londres e em Macau onde decidiu ser jornalista

Quando tem situações de stress, notícias más para dar, consegue fazer isso sem incorporar a dor da própria notícia?
Lembro-me de uma das primeiras reportagens que fiz na Rádio Macau. Fui cobrir um incêndio. Cheguei lá, estavam os bombeiros e havia uma chinesa a chorar porque a sua casa tinha sido destruída pelas chamas. E lembro-me que naquela altura tive uma grande vontade de ir abraçar a senhora, consolá-la, e tive de me dominar. Durante muito tempo as notícias perturbavam-me. Com o tempo, fui ganhando capacidade para lidar com isso. Temos de saber criar um certo distanciamento e não ficar devastados sempre que fazemos um noticiário.

Mantém o mesmo ar de há 30 anos quando começou no ”Telejornal“. Tem cuidados para se manter em forma ou vai dizer que teve sorte na genética?
Eu estou velho, gordo e careca [risos]. Durante muito tempo não tive cuidado. Por volta dos trinta e tal anos, comecei a fazer desporto, designadamente futebol e ténis. Passei também a ter mais cuidado com a alimentação e com a qualidade do sono. Há uma parte genética e outra resulta dos nossos hábitos. Eu acho que fazer desporto e ter uma boa alimentação é muito importante.

Como viveu o confinamento?
Fiz parte daquele grupo de pessoas que tinha de trabalhar em períodos de 15 dias. Os 15 dias fechados eram um bocado aborrecidos. Muito contacto digital com amigos, muita leitura...acho que vivi como todas as pessoas. Sobretudo preocupado. Curiosamente, nunca tive uma grande preocupação com a questão sanitária, porque sempre acreditei que a solução passava por proteger os grupos de risco e os outros irem trabalhar. O que mais me preocupou foi a economia. Convém não esquecer que destruir a economia é destruir a saúde das pessoas. O Serviço Nacional de Saúde só existe porque há economia. Se a economia for abaixo, o SNS e os sistemas privados vão abaixo e a saúde das pessoas fica em causa.

Tem alguma relação com farmácias?
A minha mãe é farmacêutica. Tirou o curso na Universidade do Porto e depois foi com o meu pai para Moçambique. Como havia poucos quadros e pessoal qualificado, foi logo para directora da farmácia do Estado.

Tem a “sua” farmácia?
Vou à farmácia que esteja aberta. O meu critério é escolher a que tem menos gente. Conheço uma que está num sítio menos frequentado e vou lá porque sou atendido mais rapidamente.

Como vê o papel das farmácias e dos farmacêuticos na promoção de cuidados de saúde de proximidade?
Felizmente ainda não estou nessa fase, mas é evidente que se trata de algo fundamental para o funcionamento da nossa sociedade e para a qualidade de vida das pessoas. Sendo filho de uma farmacêutica, estou plenamente consciente da importância das farmácias na saúde da população. Tratando-se de uma profissão que tem o seu lado de negócio, ela tem igualmente um lado de paixão e idealismo que não pode ser ignorado.

 


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