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12 outubro 2020
Texto de Almeida Nunes, médico Texto de Almeida Nunes, médico

Precisamos falar mais

O estado de arte da relação médico/farmacêutico.​

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Esta singela história que vos trago atesta e retrata, de forma simples, o “mundo real” de alguns agentes da saúde, incluindo o médico.

Aconteceu-me este mês de Agosto, com um dos meus muitos doentes medicados com novos anticoagulantes orais (NOAC), neste caso, Xarelto. A dosagem indicada para ele é de 15 mg/dia, porque a sua função renal já não permite dosagem superior. No entanto, por lapso, naquela consulta prescrevi-lhe 20 mg.

O caso não era duma gravidade extrema, mas o facto é que aquela dosagem acrescentava risco hemorrágico.

No dia seguinte à prescrição, recebi um telefonema da farmácia onde este doente, habitualmente, vai buscar os medicamentos:

– Doutor, desculpe, mas temos aqui uma receita do seu doente X, que normalmente consome o Xarelto 15 mg, mas desta vez a dosagem é de 20 mg. Não leve a mal, mas é mesmo assim ou houve algum lapso? É que nós temos o registo da medicação dos utentes, e esta dosagem foge ao habitual.

Dei imediatamente pelo erro. Agradeci primeiro mentalmente e de seguida de viva voz a quem me telefonara.

– Olhe, fico-lhe muito grato por ter detectado a alteração. Efectivamente, é a dosagem de 15 mg que pretendo, foi um erro na prescrição.

Desligámos, e atentei ao sucedido, realizando, mais uma vez, aquilo que sempre pensei: a farmácia é e tem de ser um parceiro, um player importante no acompanhamento da saúde dos nossos doentes.

Isto passa por algumas premissas, que considero básicas.

Precisamos que haja, muito mais do que se verifica actualmente, um contacto fácil e frequente entre a farmácia comunitária e o médico. Na farmácia hospitalar, esta necessidade também é uma realidade, embora nesse contexto a comunicação seja mais usual e mais bem aceite. Esta comunicação só traz valor acrescentado para todos, em particular à saúde dos nossos utentes, que são a razão da nossa actividade.

Para que esta comunicação, este fluxo de informação, se obtenha de forma corrente, serão necessárias algumas medidas regulamentares, sobre as quais não me vou deter. Parece-me, antes de tudo, que está nas nossas mãos uma mudança de mentalidades, de um e do outro lado.

O médico não pode e não deve olhar o farmacêutico como um simples vendedor de remédios e suplementos.

Bem pelo contrário, deve entendê-lo como alguém que conhece o utente, muitas vezes com maior intimidade.

Sabe a história pessoal, familiar, o nome do gato com quem a idosa vive, enfim, aspectos da vida nos quais nós, médicos, nem sempre “entramos”, ora por falta de tempo, ora por falta de abertura.

O farmacêutico não pode e não deve olhar o médico como alguém inacessível, capaz de se melindrar com um reparo. Deve ser e tem de ser criado um clima interprofissional descontraído, em que a comunicação se faça sem constrangimentos e preconceitos desadequados à nossa realidade social actual.

Esta história, simples, não tem a pretensão de mudar o estado de arte da relação médico/farmacêutico, que é do que estamos a falar. Pretende ser apenas mais uma remada na direcção certa do rio, para que possamos viver numa sociedade mais autêntica de valores, no interesse comunitário.


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