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8 fevereiro 2021
Texto de Carlos Enes Texto de Carlos Enes Fotografia de Pedro Loureiro Fotografia de Pedro Loureiro

Polícias do vírus

​​​​​​​​​​​​​​Como as farmácias fazem testes rápidos à população.​

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Este ano, os farmacêuticos Julie Oliveira, 25 anos, e João Vieira, 24, chegaram a casa atrasados para a ceia. Nunca tinham vivido um Natal tão intenso. Com eles sentaram-se à mesa as memórias, ainda vivas, dos sentimentos e dramas de muita gente.

—Deu positivo ou negativo?

No dia 24 de Dezembro, já batiam as oito da noite quando testaram o último de 74 utentes à COVID-19. No dia 23, foram outros 65. Os resultados estragaram a festa a algumas pessoas, mas protegeram muitas outras de ser contagiadas em família. A maioria ganhou a possibilidade de consoar com um mínimo de descanso, desde que cumpridas as regras. O assunto é sério. Haverá algo mais dramático do que infectar e pôr em risco extremo os familiares mais queridos?

—Estive desde Março a Junho sem ver os meus pais e os meus filhos. que ficaram isolados para eu poder continuar a trabalhar.

«Percebi que era urgente testar, testar o mais possível», declara Vanda Cabanas, farmacêutica directora-técnica

Quem assim fala assina Vanda Cabanas, directora-técnica da Farmácia Alto da Eira, em Santa Iria de Azóia. Os familiares cumpriram confinamento em Almeirim, numa propriedade rural da família. Ela visitava-os de 15 em 15 dias. Seguia ao detalhe um plano rigoroso de procedimentos de segurança, como é próprio da cultura científica dos farmacêuticos, que medem o risco ao micrograma.

—Tomávamos um café à distância, mas até a chávena ficava 48 horas de quarentena, em cima do muro.

Apesar do distanciamento, naquelas tardes a família celebrava verdadeiramente o facto de voltar a estar junta. Nas viagens de regresso, o coração contrariado da farmacêutica fazia contas ao tempo de espera até haver um medicamento ou vacina. A formação científica educou-a para compreender a demora da investigação farmacológica. Mas também para medir o benefício e o risco de cada solução disponível, quando os problemas se apresentam.

—Percebi que era urgente testar, testar o mais possível. Há pessoas que não podem ser deixadas ao abandono.

Foi aí que nasceu a vontade férrea de fazer da Farmácia Alto da Eira um centro de testes ao serviço da comunidade. Deu trabalho, requereu muito estudo, mas havia recursos humanos para isso: sete farmacêuticos. No final do Verão, começaram a ler muito sobre o assunto, a frequentar cursos e acções de formação, a enfrentar com persistência um mar de dúvidas e de incertezas quanto à fiabilidade dos testes à COVID-19. O mercado foi inundado por múltiplas alternativas, ora autorizadas ora suspensas pela autoridade reguladora.

—Fomos estudando e eliminando uma a uma, até chegarmos às melhores soluções possíveis.


CONTAS CERTAS 
Edmundo Vitorino, 76 anos, vai à farmácia todos os dias dizer “Olá!” à equipa. Quando precisa de alguma coisa, leva sempre o valor certo. «Eu andava com tosse há três semanas, sei que me acontece todos os anos, mas a gente ouve tantas coisas que pedi para fazer o teste». Deu negativo.

A farmácia passou várias semanas a testar os testes de anticorpos e de antigénio exclusivamente na própria equipa, há meses a operar “em espelho”. Os farmacêuticos e a técnica auxiliar de farmácia trabalham dia sim, dia não, em dois grupos d​e quatro pessoas, sem qualquer contacto físico entre eles. Para a separação ser absoluta, foi contratada uma segunda auxiliar de limpeza. A directora-técnica ofereceu a um cliente amigo, que estivera internado em Março com uma pneumonia por COVID-19, o teste de anticorpos que lhe parecia mais fiável.

—Vimos que marcava certinho.


CONTACTO DE RISCO
Um colega de metalurgia de Jorge Reis e Pedro Pereira está infectado. A empresa interrompeu a produção para testar toda a gente. Deram ambos negativo. Ainda não sabem se vão repetir o teste daqui a uns dias, vão continuar vigilantes. ​

No final de Outubro, o s​erviço ficou pronto a abrir ao público. Po​​​​r decisão técnica, a Farmácia Alto da Eira só publicita testes de antigénio. A equipa aprendeu que, mais do que testar, é preciso saber interpretar os resultados. Os utentes são questionados sobre sintomas, comportamentos, datas. Se tiveram um contacto de risco há dois ou três dias, por exemplo, é natural terem um falso negativo. Julie recorda-se de ter aconselhado muitas pessoas a esperar para fazer o teste, ou a voltar para uma confirmação.

—Lembro-me de uma senhora que deu negativo e a quem pedimos para voltar mais tarde. Ainda bem, porque aí já deu positivo.



POSITIVO ASSINTOMÁTICO 
Emília e Vítor Ratinho são um casal de octogenários. «O meu filho pediu-nos para fazer o teste e falou-me desta farmácia. Gostei do atendimento». Ele deu positivo, a mulher não. «Estou surpreendido, não tenho sintomas», relatou no dia seguinte, enquanto aguardava o telefonema de um médico. ​​


Os doentes são recebidos com um protocolo rigoroso, da medição​​ de temperatura à higiene dos sapatos. Os farmacêuticos treinaram cada procedimento ao detalhe. Como vestir, como despir, como desinfectar, como dominar a zaragatoa. Vanda Cabanas investiu em fatos de protecção de classe 2, topo de gama. Eles parecem astronautas, mas sentem-se seguros.​​​​


—Medo? Agora não, já superámos isso.


As farmácias já têm acesso ao SINAVE, plataforma nacional de registo dos resultados

A farmácia começou a ter acesso ao SINAVE, plataforma nacional de registo dos resultados, a 16 de Dezembro. Daí para cá, já fez mais de 500 notificações. Os farmacêuticos investem tempo a aconselhar cada pessoa. Quando testa negativo, não pode aliviar rotinas de segurança. Se testa positivo, precisa de orientações claras para enfrentar a infecção de forma esclarecida.

—Quando damos a notícia, a pessoa fica em choque.

Os novos doentes ficam a saber que serão contactados pelo médico de família ou de Saúde Pública. Depois de averiguadas as condições de que dispõem para isolamento, são aconselhados em conformidade: sobre máscaras com maior factor de protecção, medidas de desinfecção, rastreio das outras pessoas da casa. Todas as pessoas saem da farmácia com um plano de acção.

—Felizmente, que seja do nosso conhecimento, ainda não perdemos nenhum utente para a doença.

​​Por decisão técnica, a farmácia optou pelos testes de antigénio

Na Farmácia Alto da Eira, os testes custam 25,30€. Para determinar o preço, a directora-técnica fez contas ao custo dos reagentes, dos equipamentos de protecção individual mais sofisticados e dos outros consumíveis. Não contabilizou o valor da hora de trabalho dos profissionais. Ela própria trabalha mais tempo, para não atrasar o atendimento nem as entregas ao domicílio.

—Jamais faria dos testes um negócio. No início, juntei a equipa e decidimos: vamos fazer o preço justo, para podermos ser úteis neste momento.
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