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29 maio 2024
Texto de Telma Rocheta (WL Partners) Texto de Telma Rocheta (WL Partners) Fotografia de Eduardo Martins Fotografia de Eduardo Martins

Penedono, terra da castanha e da junça

​​O frio permite a produção de castanha e as tradições são mantidas.​

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Em 2001, o município de Penedono criou uma feira medieval, mas a vila não tinha nenhum grupo de recriação histórica. António Mesquita, militar da GNR, e um colega decidiram criá-lo. Em 2009, nascia a Hoste do Magriço. O nome deriva do nobre Álvaro Gonçalves Coutinho, que terá nascido no castelo de Penedono. Nos Lusíadas, Camões refere-o como representante do ideal cavaleiresco, dando-lhe a alcunha de Magriço.

«Inicialmente, participávamos na feira com uns trajes carnavalescos», conta António Mesquita, vestido a rigor com uma indumentária inspirada na figura do Infante D. Henrique nos Painéis de São Vicente. O que o grupo agora veste envolve muita investigação histórica e tenta recriar o mais fielmente possível a realidade da época. «O que trago hoje, tirando as botas, fui eu que fiz. Aprendi a costurar, há imperfeições, não sou um expert. A associação tem cerca de 20 membros, mais mulheres do que homens. Reúne-se todas as noites de sexta-feira. Os seus elementos aprenderam esgrima e tiveram formação com mestres portugueses para poderem recriar um combate da época. «Fazemos teatro com armas não afiadas, não combatemos. Mesmo assim, é preciso ensaiar bastante para não haver acidentes», refere o fundador.


As armas de cerco que flanqueiam o castelo foram construídas à mão pela Hoste do Magriço

A Hoste do Magriço participa em várias feiras no país, mas o momento maior é o assalto ao castelo (de Penedono), integrado na feira medieval que se realiza no primeiro fim de semana de julho. O lema de António Mesquita é: «não temos, fazemos», por isso as suas competências vão muito além do que necessita um guerreiro dos nossos dias. As armas de cerco ou assédio que flanqueiam o castelo foram construídas à mão pelo grupo, por «tentativa e erro», consultando manuais medievais. «A balista [arma romana portátil para disparar dardos] e o trabuco [arma de cerco empregada na Idade Média, similar à catapulta] que estão junto ao castelo são os "Ferrari" da época, com grande poder de devastação».
 
Erigido sobre grandes blocos de granito, o castelo é a maior atração da vila. Visível à distância, o monumento é um dos grandes motivos de orgulho dos cerca de mil habitantes de Penedono. Num livro dos CTT sobre os mais belos castelos do país, teve honras de capa. Depois do recente restauro – que não agradou a todos os penedonenses – a pedra ficou mais clara, refletindo a luz sobre a principal praça da vila e o núcleo histórico.

«Tirando as pessoas, tudo aqui é medieval», defende o professor de História aposentado Orlando Rodrigues, nascido na vizinha aldeia da Granja, e que, ao contrário dos milhares de pessoas que emigraram antes do 25 de abril, preferiu ficar. «Vive-se bem em Penedono», sustenta. O amor à terra levou-o a empenhar-se na recolha de música popular, fazendo parte do rancho e do Grupo de Cantares O Sincelo. O nome invoca um fenómeno típico da região que, com as alterações climáticas, é cada vez mais raro. Em noites com temperaturas negativas, o nevoeiro congela nas superfícies que toca, formando cristais pesados, uma espécie de estalactites. Em 1981, recorda Orlando Rodrigues, o peso do sincelo levou à queda das linhas de telefone e de eletricidade, deixando os habitantes incomunicáveis e mergulhados «num frio de rachar».


O professor de história Orlando Rodrigues e a farmacêutica Regina Pereira

Regina Pereira, proprietária da Farmácia Rua há 31 anos, mas nascida em Viseu, lembra que, em 1993, quando se instalou em Penedono, uma das coisas que mais a surpreendeu foram os pinheiros cobertos de cristais brancos. Desde essa altura, a farmacêutica nunca se arrependeu de trocar a capital do distrito pela vila do interior, a 930 metros de altitude, onde se casou e construiu família. Não resiste a contar uma das piadas da terra: «Em Penedono só há duas estações: a dos CTT e o inverno».


Os monumentos megalíticos marcam a paisagem

Como pontos principais, destaca a calma da vila «parada no tempo», a simpatia das pessoas e a beleza da paisagem com uma vegetação deslumbrante e repleta de monumentos megalíticos, como dólmenes, menires e sepulturas escavadas em pedra.

Apesar da pobreza ancestral das zonas interiores, Penedono parece ter escapado a esse destino. «A agricultura de subsistência faz parte dos costumes, quase toda a gente tem uma horta e os vizinhos oferecem uns aos outros o que lhes sobra», explica Orlando Rodrigues.
 

Ilídio Serôdio começou a trabalhar a junça aos sete anos de idade

Na Casa de Artesanato da Junça de Beselga, o espírito de comunidade é recriado. Quatro noites por semana, reúnem-se duas artesãs e o coordenador do grupo, Ilídio Serôdio, para continuar a fazer peças certificadas de junça [uma fibra vegetal para cestaria]. Cassilda Seixas e Maria de Fátima Sousa aprenderam o ofício há quatro anos e dizem que não lhes custa nada sair de casa à noite, mesmo no inverno. Acreditam que estão a manter viva uma forma de convívio saudável, em vias de se perder.

Ilídio Serôdio começou a trabalhar a junça com sete anos de idade. Entretanto, foi para a Marinha de Guerra, onde ficou 32 anos, muitos deles em África. Agora, aos 87 anos, recupera uma atividade da aldeia de Beselga que, em meados do século XX, ocupava mais de 700 pessoas. «As mulheres de várias casas juntavam-se ao serão, alumiadas por uma candeia, a fazer almofadas de junça, tapetes, etc. Depois os maridos iam de bicicleta vender por todo o país», conta.

Agora, as peças feitas são apenas decorativas, com a planta seca que o grupo arranca nos campos à volta. Mas, durante décadas, o trabalho da junça foi uma forma de subsistência da Beselga. No Centro de Mostra e Divulgação de Produtos Locais, na praça principal de Pene- dono, pode-se comprar vários objetos de junça.


Um castanheiro quase milenar e com 17 metros de altura, que é um monumento vivo do concelho​

A principal fonte de rendimento do concelho é a produção de castanha. Há cerca de 1.700 hectares de souto no concelho. José Fernando Pereira, responsável da Cooperativa Agrícola Penela da Beira (Coopenela), sabe tudo sobre o mercado português e mundial deste fruto. «O concelho é o maior produtor de Portugal», sendo a martaínha a variedade mais valorizada. Com a doença que assolou os castanheiros em Itália nos últimos anos, Portugal é, atualmente, o maior produtor mundial, explica. Sozinha a Coopenela recolhe anualmente 400 a 600 toneladas, cerca de 96% das quais tem como destino Itália. Com as alterações climáticas e as pragas, como a tinta e o cancro, que quase dizimam as árvores, os agricultores lutam por manter os castanheiros saudáveis, sendo que a vinha, a amendoeira e a oliveira são novas culturas que passaram a integrar a paisagem e a economia.
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