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30 dezembro 2021
Texto de Vera Pimenta Texto de Vera Pimenta Fotografia de José Pedro Tomaz Fotografia de José Pedro Tomaz

Para lá dos montes

​​​​​Bragança é ainda mais encantadora nos dias frios.​

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Visto da ponte romana, Rio de Onor é como um postal que ganhou vida. Ao longo das margens do rio que lhe deu nome, as casinhas de xisto escuro sarapintadas de vegetação enquadram a paisagem de conto de fadas, perfeitamente reflectida nas águas serenas. Em 2017, a aldeia dividida entre Portugal e Espanha foi uma das vencedoras das 7 Maravilhas de Portugal. Basta um passeio pelas ruas de pedra e dois dedos de conversa com os moradores para perceber o motivo.


A aldeia trasmontana de Rio de Onor divide-se entre Portugal e Espanha, onde é conhecida como Rihonor de Castilla

Inserida em pleno Parque Natural de Montesinho, a 26 quilómetros de Bragança, a aldeia comunitária ainda guarda memória dos tempos em que os habitantes tinham o seu próprio sistema democrático. «Há mais de 60 anos, todos se juntavam para trabalhar em prol do bem comum», conta Altino Cunha, técnico de radiologia no hospital de Bragança.

Nessa época, havia partilha de terrenos agrícolas, de rebanhos e de tarefas. Todas as decisões eram tomadas em conjunto, em conselhos dirigidos pelos chamados “mordomos”, eleitos pelo povo no início de cada ano.


Domingos Fernandes recorda os tempos em que as infracções eram riscadas na “vara da justiça”

A “vara da justiça” era uma forma de aplicar penas a quem falhava no cumprimento dos deveres. Neste pau de madeira eram anotadas, com pequenos traços, as infracções de cada família. Os incumpridores pagavam as suas penas em medidas de vinho que, nos dias de trabalho comunitário, eram partilhadas entre todos à merenda.

Na despedida do Outono, quando as últimas folhas alaranjadas enfeitam as ruas, Bragança revela-se no seu esplendor, fazendo jus à fama de “Terra Fria Transmontana”. No ar, o inconfundível cheiro a castanhas assadas reconforta os brigantinos apressados nos agasalhos. Há quem não resista em levar um cartucho quente para o caminho.

Na principal rua do centro histórico, a Marron – Oficina da Castanha é uma ode ao ouro transmontano. Foi em 2019 que abriu aquele que é o primeiro espaço nacional inteiramente dedicado à castanha, onde é possível encontrá-la no estado puro ou transformada em diversos produtos.


João Campos quis abrir a Marron para promover, de forma surpreendente, a castanha transformada

A viver em Bragança desde 1997, foi há 15 anos que João Campos abandonou o jornalismo para se dedicar à recém-descoberta paixão pelo turismo cultural. «A castanha é o motor da economia regional, mas sempre achei que podia ir mais além», explica o proprietário, recordando que o concelho é o maior produtor do país.


O piso inferior da loja esconde um pequeno museu interactivo, dedicado ao fruto

O sonho transformou-se num espaço físico onde nenhum pormenor foi deixado ao acaso. A visita arranca no piso de baixo, com uma rota pela história da castanha. Nas estantes que dividem a sala, uma colecção de assadores de todos os tamanhos, feitios e origens conta o percurso do fruto ao longo dos anos e a tradição que reina um pouco por toda a Europa.

Nas paredes, enfeitadas de mapas temáticos, há curiosos objectos ligados à produção e à apanha da castanha, e ainda um ecrã com acesso ao site oficial da loja, onde é possível consultar os produtos disponíveis para venda.

No andar de cima, um balcão recheado de iguarias improváveis abre o apetite dos visitantes. Nesta casa, onde o pastel de castanha é rei, há bolas de Berlim, gelados e castanhas glaceadas, que pedem para ser acompanhadas por uma cerveja de castanha ou um licor de marca própria. As prateleiras da loja são a prova final de que, quando o assunto é a castanha, não há limites para a imaginação.

«Eu gosto da Marron pelo conceito de modernizar aquilo que para nós seria um produto trivial», explica Altino. «Não só pela doçaria, que aconselho desde já a degustarem, mas por mostrar a ligação intrínseca deste produto a Trás-os-Montes».


O profissional de saúde Altino Cunha gosta da tranquilidade brigantina e do contacto com a Natureza

Natural de Vila Real, foi em Bragança que o profissional de saúde escolheu assentar nos últimos 15 anos. «Gosto da forma mais calma como podemos viver aqui», comenta. «A paisagem, o contacto com a Natureza e o facto de podermos deambular pela cidade sem grandes complicações».

Transmontano de coração, a gastronomia típica apaixona-o. E garante que há um lugar a que vale sempre a pena regressar. Da famosa posta à mirandesa até ao cuscuz de Vinhais com cogumelos silvestres, n‘ “O Geadas” há pratos que aquecem a alma, até no Inverno mais frio.

Local de referência há mais de 40 anos, o restaurante prima pelos sabores regionais, com destaque para as carnes de caça e os produtos da terra. Nesta casa de família cresceram os irmãos António e Óscar Gonçalves, que, em 2018, trouxeram até Bragança a sua primeira estrela Michelin, com o restaurante “G Pousada”.

Viver como um verdadeiro brigantino é parar para tomar um café na Praça da Sé. Mesmo ao lado, a Igreja de São João Baptista é um ponto de paragem obrigatório para os amantes de História e de arte sacra.

No centro dos claustros, um grandioso jardim convida à contemplação. Entre os corredores misteriosos há outras portas que se abrem à curiosidade dos visitantes. Como a da sacristia do século XVII, com os seus imperdíveis tectos ornamentados de cenas da vida cristã.


No centro histórico há tesouros escondidos à vista de todos

Para partir à descoberta, há que fazer caminho rua abaixo e ficar atento aos tesouros escondidos à vista de todos. É o caso do painel de azulejos exposto na fachada da Igreja de São Vicente, datado de 1929 e alusivo ao início da revolta de Bragança contra a invasão francesa. Ou, ao seu lado, o monumento de homenagem aos heróis da II Guerra Mundial.

Na Rua Abílio Beça, carinhosamente conhecida como a “rua dos museus”, existe cultura para todos os gostos. «E outro segredo que convido a descobrir: o jardim do Museu do Abade de Baçal, onde é possível passar uma boa tarde de sossego a ler um livro ou a ter uma boa conversa entre amigos», confidencia Altino Cunha.


Para lá das muralhas do castelo, há mais cidade para descobrir​

Lá no alto, o castelo guarda a paisagem, espreitando por entre os edifícios. Dentro das suas muralhas há casas de todas as cores, restaurantes de renome e museus que merecem uma visita demorada.

Do topo do miradouro de São Bartolomeu, a um passo do centro, a vista privilegiada da cidade é de cortar a respiração. Quando os dias são mais curtos, o pôr-do-sol pinta o céu de algodão-doce e Bragança emerge, em toda a sua glória. Para lá dos montes, há tranquilidade, beleza natural e tradição. Mesmo no Inverno, não há frio capaz de roubar o encanto transmontano.

 

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