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4 outubro 2019
Texto de Carina Machado Texto de Carina Machado Fotografia de Mário Pereira Fotografia de Mário Pereira Vídeo de Emanuel Graça Vídeo de Emanuel Graça

Os pioneiros da aviação

​​​​​​​​Segredos de uma terra virada para o céu e dos seus heróis aviadores. 

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Houve uma época em que os céus de Alverca se enchiam de máquinas fantásticas, capazes dessa proeza maravilhosa de conquistar um território de que só os pássaros e os anjos se podiam afirmar senhores.

Na cidade do concelho de Vila Franca de Xira, as raízes da aeronáutica são profundas. Em 1918, instalou-se o Parque de Material Aeronáutico, que viria a dar origem às Oficinas Gerais de Material Aeronáutico - OGMA, com a Esquadrilha Mista de Depósito, hoje Depósito Geral de Material da Força Aérea, e a fixação da Companhia de Aerosteiros, com os seus balões e dirigíveis. 

Foi também aqui que nasceu o primeiro aeroporto comercial português, na pista do Campo Internacional de Aterragem, que durante os anos 20 e 30 do século passado serviu as ligações aéreas civis. 


O Museu do Ar, em Alverca, é uma homenagem às raízes históricas da aviação no concelho

A primeira rota comercial entre Alverca e Sevilha foi assegurada, em 1927, por aviões consignados pela Union Aerea Española. Pouco depois abriram uma segunda rota para Madrid. A título de curiosidade, os bilhetes para esta inovadora forma de viajar custavam, na altura, 500 escudos, hoje dois euros e meio, valor elevadíssimo para a época e ainda assim 100 escudos (50 cêntimos) abaixo do preço da viagem feita por comboio.  

Por toda a cidade são várias as referências à aviação e aos seus heróis, com Gago Coutinho e Sacadura Cabral à cabeça, em homenagem ao feito histórico alcançado em 1922, na primeira travessia aérea do Atlântico Sul. No pólo do Museu do Ar de Alverca pode ser vista a réplica do Santa Cruz, um dos hidroplanadores utilizados pelos comandantes, que fizeram a viagem até ao Brasil tendo como únicos instrumentos de navegação um horizonte artificial, um cronómetro e um sextante.


Coronel Rui Roque, director do Museu do Ar, junto à réplica do avião Santa Cruz​

Para perceber a enormidade do feito, «é preciso relembrar que esta foi a geração do pau e trapo», sublinha o coronel Rui Roque, director do Museu do Ar, apontando a quase inexistência de metal na construção destas aeronaves. «Falamos de estruturas quase todas em madeira e tela, com tirantes metálicos, que basicamente pretendiam assegurar que, apesar de consistentes em termos estruturais, estes aviões fossem leves». 

Pilotar não era tarefa fácil, mas realmente desafiante era a navegação. Não existiam as tecnologias de comunicação e apoio externo que conhecemos hoje. Não havia rádios, porque eram muito pesados. «Atravessar o Atlântico nos anos 20 significava fazê-lo usando apenas os meios embarcados no avião», sendo necessário repensar e reinventar os meios de navegação que os marinheiros tinham nos navios, como os sextantes e os correctores de rumo, que não eram exactamente adequados ao voo. 


Madeira e tela, materiais leves, eram usadas na construção das aeronaves​

Foi uma verdadeira aventura. A maior porção da viagem destes homens, feita entre Cabo Verde e os rochedos de São Pedro e São Paulo - um pontinho no oceano onde os esperava um navio da Marinha para o reabastecimento - consome praticamente toda a autonomia do avião. Não havia a menor margem para erro, sob pena de se perderem no mar. «Era chegar lá, não era andar à procura de onde é que aquilo era, e era fazê-lo com instrumentos perfeitamente rudimentares aos olhos actuais», realça o director do museu. 
Gago Coutinho, o navegador, tinha constantemente de fazer medições à direcção do vento e à sua intensidade. As indicações eram depois passadas ao piloto, para ajustes de rumo e apontadas num caderno de notas, «porque não se conseguiam ouvir um ao outro». 


Os diferentes modelos expostos permitem perceber a evolução aeronáutica

Sacadura Cabral viria a desaparecer, misteriosamente, dois anos depois, no Mar do Norte, a bordo do avião que transportava da Holanda para Portugal, destinado a cumprir mais uma viagem épica: a volta ao mundo. 

Foram Sarmento de Beires, Jorge Castilho, Manuel Gouveia e Dovalle Portugal que retomaram a ideia e partiram de Alverca, em 1927, a bordo do Argos, um hidroavião bimotor, numa viagem que ficou menos conhecida, «mas de idêntica bravura e pioneirismo, e que alcançou feitos merecedores de igual destaque histórico», afirma Manuel Pacheco, sargento-mor reformado da Força Aérea e voluntário no Museu do Ar.


Hidroplanador de Varela Cid, peça única que pode ser vista no Museu do Ar, em Alverca

Numa das etapas desta viagem atribulada, que não chegaria a alcançar o seu desígnio inicial, Dovalle Portugal é deixado para trás, na Guiné, para que a aeronave ficasse mais leve e consumisse, assim, menos combustível. E apesar de a volta ao mundo ter sido interrompida, por motivos políticos, e o Argos ter acabado destruído no regresso a casa, numa amaragem de emergência a 40 quilómetros da costa brasileira, os homens que tinham partido de Alverca haviam conseguido levar a cabo a primeira travessia nocturna do Atlântico. 

Pelo seu pioneirismo, receberam as congratulações de várias nações mundiais, mas Portugal acolheu-os com indiferença. Contudo, às portas do Museu do Ar, em Alverca, uma placa assinala o feito e glorifica os seus heróis. 

 

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